11/2019

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Entrevista: Uso da terra estará em maior evidência na COP 25

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Foto: Divulgação

Com a confirmação da COP 25 em Madri, de 2 a 13 de dezembro, líderes de governos, do setor privado e da sociedade civil voltam a focar sua atenção às contribuições que poderão dar à Conferência do Clima. O encontro passou por um ano atribulado, inicialmente com a desistência do Brasil em sediar o evento e, posteriormente, com o cancelamento do Chile devido aos protestos políticos da população. Mas o momento é estratégico para a agenda global de clima, já que a COP 25 é a etapa final que definirá as regras para que o Acordo de Paris entre em vigor a partir de 2020.

Nesse cenário de expectativas, Ana Toni, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS) e sócia-fundadora do GIP (Gestão de Interesse Público), contextualizou o que se pode esperar da COP 25 e afirmou que a questão do uso da terra aparecerá com força na conferência. Confira a entrevista:


Qual a importância dessa COP para o andamento da agenda climática global e o que está em jogo na negociação atual?

Apesar das dificuldades, a COP 25 é importante por fechar o ciclo de Quioto e fazer a transição para o Acordo de Paris. Nesse sentido, tudo o que ainda estiver por ser negociado, deveria ser feito agora. Há alguns temas muito importantes e indefinidos, como o artigo 6, que é fundamental por motivos econômicos e ainda está em aberto no chamado “rulebook” (regras e diretrizes sobre como o Acordo funcionará na prática). Tem ainda a questão de financiamento, pois, apesar de não ser um tema de negociação stricto sensu, sabemos que, sem isso, as discussões não irão para frente. E os temas de loss and damage (perdas e danos, ou os impactos causados pelas mudanças climáticas, que ocorrem quando os limites da adaptação são alcançados) e de adaptação estarão mais fortes nesta COP.

Como esses temas afetam a agenda de uso da terra?

Nenhum setor específico é discutido na COP, mas, claro, eles estão sempre presentes. Eu diria que o setor de energia foi pauta desde o início do acordo, em Paris, e que o uso da terra é agora um tema crescente e com bastante representatividade. Isso porque todos os países estão falando das metas de redução e, portanto, alguém terá de capturar esse carbono. A única maneira de fazer isso de forma segura e barata é, logicamente, pelo uso da terra e florestas. Por isso, o uso da terra aparece com tanta força, e agricultura e florestas são assuntos muito mais fortes hoje do que foram nas conferências anteriores. Infelizmente, é uma COP com problemas políticos e, portanto, não sei o quanto isso estará visível, mas haverá muitas conversas relacionadas ao uso da terra.

O que significa, na prática, o fato de o Acordo de Paris passar a vigorar a partir de 2020?

A primeira rodada do acordo foi Quioto e havia regras, comprometimentos e responsabilidades. Agora, temos um novo acordo, o de Paris. Isso significa o fim de uma etapa de negociação para entrada em uma outra, com muito mais força e muito mais simbólica, porque em Quioto só os países desenvolvidos tinham responsabilidades e obrigações. Agora, todos os países estão envolvidos, o que é uma imensa mudança global. Outra grande diferença é que o Acordo de Paris é o mais recente, complexo e significativo grande acordo multilateral mundial. Ele aconteceu antes dessa onda antiglobalismo e permite que o mundo continue conversando.

Olhando para o Acordo de Paris hoje, qual foi o aprendizado e significado para o mundo?

O Acordo de Paris é, em primeiro lugar, super flexível. O acordo em Copenhague não deu certo justamente porque era top down, de cima para baixo. Já Paris parte de uma meta global e pergunta aos países como cada um deles pode contribuir. Essa é uma flexibilidade incrível, que permite que os países tenham espaço e se mantenham no acordo independentemente das mudanças políticas. E, ao mesmo tempo que é flexível, não permite uma saída imediata dos países, ainda que não seja punitivo. Essa também é, por outro lado, a crítica que muitos fazem a ele, mas acredito que essa tenha sido a única maneira de se pensar multilateralmente. É, portanto, um acordo contemporâneo, que contornou a dificuldade de se pensar multilateralmente um problema tão complexo por meio da flexibilidade. Em suma, um retrato da sociedade atual.

Essa era para ser uma COP realizada na América Latina – o Brasil desistiu de sediar e o Chile teve de cancelar. Você acha que isso traz prejuízos para o continente na agenda climática?

Sem dúvida. A região já está desgastada por problemas políticos, e não ter a COP aqui desgasta ainda mais. A comunidade internacional começa a ver a região como um ambiente de instabilidade, de muita polarização e um “faz e desfaz” de políticas públicas. Com isso, o mundo pode preferir investir mais em países como China, Índia ou Indonésia, locais considerados mais seguros. Ou seja, perdemos muito!

Como deve ser a posição do governo brasileiro nas negociações deste ano?

Primeiro é preciso lembrar que no começo do ano o governo brasileiro queria sair do Acordo de Paris. Acredito que o novo governo nem sabia exatamente do que se tratava quando anunciou essa intenção. Mas, por ser um acordo flexível, foi convencido a ficar pelo setor de agronegócio [veja aqui o posicionamento da Coalizão em defesa da permanência do Brasil no Acordo de Paris], que apontou que não há vantagem em sair dele, muito pelo contrário. Por isso, minha crença é de que o governo não acredita na importância do acordo em relação às mudanças climáticas, mas sabe que haverá um custo imenso se resolver sair dele. Decidiu permanecer por saber que existem vantagens econômicas e tecnológicas para o país. Ou seja, tem uma visão basicamente utilitária.

Você espera uma mudança de postura do Brasil nessa COP, ou seja, uma imagem diferente nas negociações do que aquela que o mundo estava acostumado a ver?

Totalmente. A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima nasceu no Rio de Janeiro, em 1992. Há muito do DNA brasileiro na Convenção, no Protocolo de Quioto, no Acordo de Paris e em toda essa estrutura. Nosso país sempre teve uma liderança imensa nas negociações. O Brasil falava sobre clima e as pessoas escutavam. Agora, infelizmente, mudou muito. Nesta próxima COP, os negociadores brasileiros aparecerão muito desgastados, porque o governo federal não está priorizando o tema das mudanças climáticas, e nós quase saímos do Acordo de Paris. Por isso, nossa posição de poder será muito pequena. Vamos ver como isso se reflete nas negociações.

Em sua opinião, qual o papel da sociedade brasileira na conferência, pensando no terceiro setor, nos setores privado, financeiro, agronegócio e acadêmico?

Acho que nosso papel é ainda mais importante, porque antes todos éramos liderados pela posição do Executivo federal. Estávamos embaixo do guarda-chuva de uma posição bastante progressista nas mudanças climáticas. Para o bem e para o mal, não tendo o governo para representar toda a diversidade de vozes, seremos obrigados a falar mais alto para que as pessoas possam entender que há forças no Brasil que acreditam nessa Convenção e querem que o Acordo de Paris dê certo.

Qual o diferencial da Coalizão Brasil ao reunir todos esses setores e participar da Conferência?

A Coalizão tem um papel absurdamente importante e com uma carga ainda maior do que sempre teve, porque representa os setores de agricultura e florestal modernos, que acreditam no impacto das mudanças climáticas. A gente percebeu que, no Brasil, o que chamávamos de bancada ruralista não é uma bancada, um setor monolítico que pensa do mesmo jeito. Pelo contrário, hoje sabemos que há muitas diferenças nesse setor e a Coalizão representa a parte que acredita na importância da implementação, o mais rápido possível, do Acordo de Paris. Os players internacionais certamente olharão com muito interesse o que a Coalizão tem a dizer [confira aqui a agenda da Coalizão Brasil na COP 25].

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