05/2021

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Protagonismo na década da restauração de ecossistemas

Miguel Calmon, Consultor sênior do Programa Florestas do WRI Brasil e líder do Fórum de Diálogo Floresta Nativa e da Força-Tarefa Silvicultura de Nativas da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura
Paulo GrokeDiretor superintendente do Instituto Ecofuturo e membro da Força-Tarefa Silvicultura de Nativas da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura
Yugo Matsuda, Gerente corporativo de Meio Ambiente da Suzano S.A. e membro da Força-Tarefa Silvicultura de Nativas da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura

Neste ano, da Restauração de Ecossistemas, foi iniciada a Década declarada pela Organização das Nações Unidas (ONU), trazendo muitas expectativas e relevância para a agenda da restauração nas esferas internacional, nacional e local. É um tema com o qual o Brasil tem muito a contribuir e sobre o qual pode se tornar um líder global, pois essa agenda está relacionada à promoção de uma agricultura mais sustentável e resiliente, ao acesso a mercados externos, à atratividade de investidores e financiadores e à geração de postos de trabalho e renda ao produtor.

Em outubro, teremos a 15ª Conferência das Partes da Organização das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (COP-15/CDB). O evento, que terá a China como anfitriã, debaterá a criação de um novo Marco Global para a Biodiversidade, em substituição às Metas de Aichi, que, após dez anos, foram cumpridas apenas parcialmente. Com metas para 2030 e 2050, o novo marco tem como principal propósito harmonizar a conservação da natureza com as atividades humanas e é alinhado a outras iniciativas internacionais, como o Acordo de Paris e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

A biodiversidade, portanto, também integra a atual agenda internacional, e a sua perda está diretamente ligada à degradação ambiental. Já é mais do que comprovada a dependência que temos de ecossistemas saudáveis. Não se trata mais de apenas preservar, mas de acelerar e aumentar a recuperação dos ecossistemas naturais do Planeta em uma lógica regenerativa. E uma das formas de se fazer isso é pela restauração florestal na escala de paisagem.

O desafio que se coloca é como agilizar e dar escala à restauração e como transformá-la em oportunidade de desenvolvimento sustentável, com inclusão social e geração de emprego e renda. Apesar dos enormes desafios impostos ao mundo pela COVID-19, os prognósticos são promissores. O recém-lançado Observatório da Restauração e Reflorestamento, liderado pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura com o apoio de várias organizações da sociedade civil e empresas como a Suzano, mostra que já há muitas iniciativas em andamento no País: 79,13 mil hectares de restauração nativa com finalidade ecológica; 11,00 milhões de hectares em processo de regeneração natural; e 9,35 milhões de hectares de reflorestamento.

Produção e extração sustentáveis de madeira tropical

Muitas dessas ações – e tantas outras que podem ser incentivadas – visam contribuir para ampliar o impacto da restauração sobre o desenvolvimento econômico no campo. No caso de espécies nativas, a silvicultura pode impulsionar a produção e a extração sustentável e econômica de madeira tropical. O Brasil possui cerca de 50 milhões de hectares de pastagens degradadas com baixa aptidão agrícola que, se recuperadas com base em manejo adequado, poderiam produzir cerca de metade da madeira tropical demandada no globo. Hoje, o País responde por menos de 10% da oferta global dessa matéria-prima. A silvicultura de nativas também pode ser feita considerando o fornecimento de insumos para as indústrias farmacêutica, cosmética e de alimentos a partir da coleta de frutos, sementes, castanhas e essências.

É preciso focar em espécies nativas com potencial econômico, sem, é claro, descuidar da atenção para com a saúde dos ecossistemas. Com pesquisa e desenvolvimento, investimentos e incentivos, marco regulatório e mercado, a silvicultura de nativas pode chegar às mesmas proporções geográficas e socioeconômicas de setores já consolidados no Brasil, como os de soja e cana-de-açúcar. As florestas plantadas das espécies exóticas pínus e eucalipto, por exemplo, colocaram o Brasil como um dos líderes globais da produção de papel e celulose em quatro décadas. Tal expansão foi possível em razão do investimento em pesquisa e desenvolvimento feito pela indústria, com o apoio da Academia.

Programa pioneiro de silvicultura de espécies nativas

Um movimento recente em prol da silvicultura de nativas foi o lançamento, pelo governo do Espírito Santo, de um Grupo de Trabalho (GT) de Nativas, com o intuito de criar incentivos e destravar gargalos para que essas espécies tenham mais atratividade ao produtor e investidores ganhem mercado e escala. Além disso, foi lançado, no mês passado, o Programa de Pesquisa & Desenvolvimento em Silvicultura de Espécies Nativas (PP&D-SEN)1, pela Coalizão, com o apoio do WRI Brasil e de muitas outras instituições parceiras e especialistas. Com duração inicial de quinze anos, o programa pioneiro prevê a implementação de uma rede de vinte sítios de experimentação na Amazônia e na Mata Atlântica, cada um destinado a avaliar alguns dos temas de pesquisa e das espécies identificadas em um estudo de prioridades e lacunas liderado pela Coalizão em 20192.

Um bom investimento em P&D tem o potencial de contribuir para: a recuperação de milhões de hectares de áreas degradadas; a adequação ambiental dos produtores rurais; a redução das emissões de gases do efeito estufa das principais cadeias produtivas; a mitigação e a adaptação às mudanças climáticas; a geração de empregos; a promoção de uma economia florestal sustentável; e a atração de investimentos e financiamentos. Segundo o estudo sobre prioridades e lacunas mencionado, para cada US$ 1 investido no programa de P&D, espera-se um retorno de US$ 2,39.

Outro fator importante que pode ser determinante para o protagonismo do Brasil na Década da Restauração 2021-2030 é a criação de mecanismos legais e incentivos para a restauração e a conservação de ecossistemas naturais. A Lei de Pagamento por Serviços Ambientais, sancionada em janeiro último, abriu um caminho promissor para a conciliação da produção agropecuária com a conservação e a restauração dos ecossistemas. O instrumento criou, ainda, um ambiente atrativo para investidores interessados em reduzir suas emissões e passivos ambientais por meio de serviços ambientais gerados pelos produtores rurais.

Não há dúvidas sobre a capacidade do Brasil de gerar conhecimento e experiência e promover mobilização social para ser protagonista mundial na Década da Restauração. Se bem-feitas, portanto, a restauração florestal e a silvicultura de espécies nativas, especialmente em paisagens degradadas, podem assegurar biodiversidade e ecossistemas saudáveis e resilientes e aumentar oportunidades de geração de renda e atividades econômicas, assim como trazer competitividade ao País e bem-estar à população.


http://www.coalizaobr.com.br/home/phocadownload/documentos/PPeD-SEN.pdf
https://wribrasil.org.br/pt/publicacoes/prioridades-e-lacunas-de-pesquisae-desenvolvimento-em-silviculturade-especies-nativas

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