08/2021

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O uso de dados de desmatamento para a tomada de decisão

Clarissa Gandour, Coordenadora de Avaliação de Política Pública de Conservação do Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio) e líder da Força-Tarefa Dados de Desmatamento da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura
Paula BernasconiCoordenadora de Incentivos Econômicos para Conservação no Instituto Centro de Vida (ICV) e líder da Força-Tarefa Dados de Desmatamento da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura

Em julho último, a União Europeia (UE) anunciou o novo plano para reduzir as suas emissões de gases de efeito estufa e, assim, mitigar as mudanças climáticas. A proposta prevê a cobrança de uma taxa extra para importação de produtos que não respeitem as melhores práticas ambientais.

Essa medida não surpreende os exportadores brasileiros do agronegócio, que enfrentam uma crescente demanda de investidores, empresas e consumidores para que suas cadeias de valor estejam livres de desmatamento. Há uma compreensão cada vez maior pelo setor de que essa prática traz prejuízos significativos à produção do País.

A apuração de informações sobre desmatamento nos processos de tomada de decisão possui uma ampla difusão no agronegócio brasileiro. A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura fez um mapeamento junto a sessenta organizações ligadas aos setores agropecuário e florestal. O levantamento revelou que 90% dos respondentes já utilizam dados sobre essa prática para decisões estratégicas.

As consultas dessas informações apareceram nos projetos de implantação de novos negócios (64%), na lista de fornecedores (36%), entre as áreas produtivas de propriedade da empresa (25%) e na avaliação de risco de crédito (23%) e da carteira de crédito (20%). Os dados são relevantes para as empresas estabelecerem metas de redução de GEE e avaliarem riscos reputacionais.


Desmatamento é risco a ser mapeado e gerenciado

Disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), as fontes oficiais de dados sobre cobertura e uso do solo são as mais comumente consultadas, com destaque para os dados anuais de desmatamento do PRODES Amazônia (66%) e o PRODES Cerrado (46%), os alertas de perda florestal emitidos pelo sistema DETER (46%) e a classificação do uso do solo em áreas previamente desmatadas fornecida pelo Projeto TerraClass (42%).

Nas iniciativas não governamentais para geração de dados, sobressai o MapBiomas (59%), uma iniciativa colaborativa formada por organizações da sociedade civil, universidades e empresas de tecnologia, com mapeamento anual do território nacional e uso de análises já consolidadas por outras instituições.

Como entendem que o desmatamento é um risco a ser mapeado e gerenciado, as organizações precisam identificar os pontos mais sensíveis e elaborar estratégias para evitar a permanência dessa prática. Para isso, é necessário identificar se esta se configura como uma atividade ilegal.

O Relatório Anual do Desmatamento no Brasil de 2020, lançado em junho último pelo MapBiomas, aponta que o desmatamento cresceu em todos os biomas nos dois últimos anos, em especial na Amazônia e no Cerrado. Há uma informação preocupante para a sociedade e o agronegócio: existem indícios de desmatamento ilegal em 98,9% da área desmatada. E apenas 5% das áreas com evidências de ilegalidade são objeto de autuação ou embargo pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama).

Outro destaque alarmante foi Balsas-MA, com a segunda área de maior desmatamento detectada no País, de 5.987 hectares, e crescimento de mais de 200% em relação ao ano anterior. O município está localizado na região conhecida como MATOPIBA (entre os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), zona de expansão da fronteira agrícola nos últimos anos.


Dados precisam de mais transparência

Para avançar com o combate ao desmatamento ilegal, cabe enfrentar os muitos desafios que ainda impedem os dados sobre desmatamento de serem incorporados de forma robusta nos processos de decisão. O levantamento feito pela Coalizão aponta para duas principais barreiras. A primeira delas é a necessidade de poder ser feita a verificação da legalidade do desmatamento. E isso requer acesso a informações complementares na área desmatada, principalmente quanto aos requisitos legais para a supressão de vegetação e aos detentores do imóvel onde ela ocorreu.

Dados para transpor essa barreira já existem, como o registro dos imóveis rurais no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e as autorizações de supressão de vegetação, porém eles não são disponibilizados publicamente de forma sistemática. No momento, apenas Mato Grosso e Pará disponibilizam informações sobre CPF ou CNPJ de ocupantes de determinada área e, ainda assim, por meio apenas de consulta individual.

Já a segunda barreira são as incertezas referentes a detalhes técnicos dos dados sobre desmatamento que acabam por limitar o uso destes por parte das empresas. O agronegócio busca uma maior clareza na compreensão do que o dado representa e como ele pode ser usado. Para isso, é preciso aprimorar a documentação e a comunicação de detalhes técnicos das bases de dados disponíveis, mas também desenvolver formas objetivas e simples de aproximar essas bases de seus usuários.

Parte dessas dificuldades pode ser abordada por meio de medidas de comunicação para promover um entendimento mais robusto dos dados existentes. Contudo, para viabilizar um uso mais estratégico dos dados sobre desmatamento pelo agronegócio brasileiro, é fundamental que haja compromisso com uma maior transparência das informações. Sem isso, seguiremos sendo um país que, apesar de deter um inigualável conjunto de informações sobre o seu território, não o utiliza em todo seu potencial para avançar em direção a um desenvolvimento mais sustentável.

Os próximos passos da Coalizão Brasil visam construir caminhos para sanar esses gargalos a partir da colaboração entre os seus mais de trezentos membros do agronegócio, da sociedade civil, da Academia e do setor financeiro e, também, a partir do diálogo com os órgãos públicos responsáveis.

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