11/2022

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Gestão de riscos, seguro rural e a paisagem: caminhos para a inovação

Leila Harfuch é gerente-geral da Agroicone e colíder da Força-Tarefa Finanças Verdes da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura

Gustavo Dantas Lobo é pesquisador  da área de Crédito e Seguro Rural da Agroicone

Ricardo Gomes é gerente do Programa de Desenvolvimento Territorial do Sul da Bahia do Instituto Arapyaú.

As atividades agropecuárias estão sujeitas a diversos riscos. Por isso, do ponto de vista do produtor rural, a gestão financeira, o acompanhamento de indicadores produtivos, socioambientais e climáticos, a contratação de assistência técnica, o manejo adequado, a adoção de boas práticas e tecnologias que incrementem a resiliência, a diversificação de culturas e a contratação de seguro rural são algumas das estratégias que, combinadas, conferem a ele maior segurança na condução de suas atividades produtivas. Até a gestão adequada da paisagem, promovendo o uso consciente e a conservação dos solos, da água e da biodiversidade, impacta a exposição aos riscos1

Num cenário de aumento da frequência e intensidade desses eventos, é de suma importância uma estratégia integrada de gestão de riscos, contemplando ações direcionadas àqueles mais corriqueiros e de menor impacto combinadas a instrumentos de compartilhamento de riscos catastróficos.

Para ilustrar o tamanho do desafio, a frequência, a intensidade e a imprevisibilidade dos eventos adversos em 2021 foram tamanhas que, somente nos instrumentos de política pública de compartilhamento de riscos, o volume de indenizações pagas chegou à ordem de R$ 11 bilhões, somando-se apólices com sinistros do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) e do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro).

Desafios do mercado de seguro rural no país

Entender estratégias de gestão de risco na agropecuária de modo integrado e complementar assume um papel preponderante nesse contexto de mudanças climáticas, uma vez que as estratégias de manejo das operações agropecuárias afetam a dinâmica climática no longo prazo e que esta, por sua vez, impacta a disposição dos agentes em compartilhar riscos.

Estudos realizados nos Estados Unidos2 e no Brasil3 sugerem que incorporar práticas mais sustentáveis como plantio direto em grandes culturas como a soja, contribui para a mitigação de impactos de secas. Um maior entendimento por parte do setor (e dos governos) das complementariedades entre estratégias de gestão de riscos menos catastrófico, relacionadas às operações agropecuárias, e o seguro rural tem um grande potencial na redução das sinistralidades e no incentivo à adoção de boas práticas agropecuárias.

É importante salientar, todavia, que o mercado de seguro rural no Brasil, bem como a política pública de subvenção ao prêmio, ainda possui diversos desafios a serem superados. No PSR, aspectos como a previsibilidade dos recursos para subvenção, a necessidade de um fundo “catástrofe”, a ampliação da cultura do seguro e do acesso entre produtores rurais, a escassez de peritos e a alta assimetria de informação são desafios de curto prazo que vêm sendo tratados de forma séria nos últimos anos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Ainda assim,  também é dever do setor refletir sobre inovações que caminhem para um mercado de seguros integrado a outras estratégias de gestão de riscos.

Uma inovação nesse mercado é a possibilidade de se combinar a gestão da paisagem e os serviços ecossistêmicos que ela oferta, com instrumentos de riscos compartilhados, como o seguro rural. Compreender a propriedade rural como inserida de forma sinérgica à paisagem, sendo impossível dissociar produção da conservação, promove uma melhor gestão dos recursos naturais, sem prejuízo à produtividade e com incremento da resiliência. Num cenário em que se torna possível a precificação desses serviços, o ativo ambiental pode ser lastro para as apólices de seguro rural.

Financiamento de seguro rural com serviços ecossistêmicos

É essa combinação de gestão da paisagem  e instrumentos de riscos que um produto de seguro rural paramétrico para o cacau se presta a fazer. Desde 2021, fazendas de cacau no sul da Bahia passaram a contar com esse instrumento inédito4 no País, dedicado a minimizar os impactos climáticos na lavoura ao longo da safra. O seguro não exige que um evento climático gere um dano físico à fazenda para que o segurado tenha direito ao pagamento, como funcionaria numa apólice convencional. O produtor segurado poderá ser ressarcido em caso de volume de chuvas abaixo daquele previamente estabelecido – o que poderia prejudicar a colheita de amêndoas ali produzidas e, por consequência, a comercialização do produto.

Adicionalmente, o seguro também inovou ao financiar o pagamento à seguradora com créditos de carbono, o que leva aos cacauicultores um maior incentivo para a conservação da Mata Atlântica. Estudos preliminares apontam um estoque relevante de carbono nas cabrucas – sistema agroflorestal de produção do cacau –, com um volume aproximado de 66 toneladas por hectare.  A iniciativa foi motivada pela experiência negativa vivenciada na região em 2014 e 2016, quando uma seca severa acabou com a produção de 50 mil hectares.

A precificação do ativo ambiental enquanto prestador de serviços ecossistêmicos e a combinação destes com o seguro rural podem ter impacto, inclusive, sobre outros sistemas produtivos. Trata-se de sistemas de lavouras permanentes consorciadas com espécies florestais, como são os casos do café sombreado, dos sistemas agroflorestais e mesmo dos mais tradicionais (desde que acoplados às melhores práticas de manejo, como consórcio e rotação de culturas, plantio direto e outras tecnologias resilientes), além da conservação da vegetação nativa nas propriedades (Reserva Legal – RL – e Áreas de Preservação Permanente –APPs).

Por fim, existe um amplo desafio de disponibilidade de informações e de precificação, tanto do ativo ambiental, como dos riscos. Todavia, os produtos de seguro combinados a outras estratégias de gestão de riscos podem representar uma grande inovação de mercado, bem como facilitar o acesso a esse instrumento, especialmente para pequenos produtores rurais que também ofertam serviços ecossistêmicos. Esse é apenas um exemplo de possibilidade de inovação, dentre muitos outros, como a própria incorporação do manejo na precificação das apólices de seguro.

https://revistas.ufg.br/pat/article/view/72899/38805

https://foodandagpolicy.org/wp-content/uploads/sites/17/2021/06/AGree_SynthesisCropInsurancePaper.pdf

https://www.agroicone.com.br/wp-content/uploads/2022/02/EstudoAgroicone_SeguroRural_Final_PT.pdf

https://arapyau.org.br/produtores-de-cacau-do-sul-do-bahia-passam-a-contar-com-seguro-inedito-contra-alteracoes-climaticas

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