05/2022

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 ABC+ 2020-2030: O que esperar para o próximo decênio?

Leila Harfuchgerente-geral da Agroicone e colíder da Força-Tarefa Finanças Verdes da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura

Juliano Assunçãodiretor-executivo da Climate Policy Initiative da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) e colíder da Força-Tarefa Finanças Verdes da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura

A intensificação dos esforços globais para a transição para a economia de baixo carbono traz oportunidades para o Brasil. Há dois pontos especialmente importantes a serem considerados nesse cenário. Primeiro, o desmatamento: precisamos caminhar em direção ao desmatamento zero, eliminando o desflorestamento ilegal e criando condições e incentivos para evitar o legal. Essa já é uma agenda conhecida e que precisa ser retomada com urgência. Segundo, é necessário adequar nossa produção agropecuária a esse novo contexto de baixo carbono. É notável que muitos avanços foram feitos e a próxima década será crucial; daí a necessidade premente de nos debruçarmos sobre esse tema.

Sob a égide da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), o Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas visando à Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC) consolidou-se como uma das principais estratégias do Brasil para alcançar os compromissos firmados nas Conferências das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP/UNFCCC, nas siglas em inglês). Levando em conta que a agropecuária e o uso da terra são as principais fontes de emissão de gases de efeito estufa (GEE), o Plano ABC obteve um relativo sucesso na promoção da transição tecnológica para uma agropecuária de baixa emissão de carbono na última década (2010-2020).

O levantamento preliminar de resultados do Plano realizado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) apontou que foram implantados cerca de 52 milhões de hectares com alguma tecnologia ABC. Somente a recuperação de pastagens degradadas foi responsável por 26,8 milhões de hectares, o que representa em torno de 100,21 a 154,38 milhões de toneladas de gás carbono equivalente (tCO2eq.) no período 2010-2018. Esses números ilustram o potencial da agropecuária de baixo carbono no País.

Revisão e fortalecimento do Plano ABC

A necessidade de revisão do Plano ABC passa pelo fortalecimento do ambicioso compromisso de redução de emissões e pela acomodação de novas tecnologias, tendências e conceitos relacionados à agropecuária sustentável. Assim surgiu o ABC+, voltado para o ciclo 2020-2030, que consolida o plano operacional com objetivos, eixos estratégicos, ações, atividades e metas para o fortalecimento da transição tecnológica sustentável no campo.

Essas diretrizes têm por alicerce três bases conceituais que regem a estrutura do plano operativo: a abordagem integrada da paisagem (AIP); a adoção e a manutenção de sistemas, práticas, produtos e processos de produção sustentáveis (SPSABC); e a interconexão entre mitigação e adaptação às mudanças do clima. Tais bases são determinantes para o entendimento do ABC+ e dão pistas do que esperar para a agenda da agropecuária sustentável no decênio 2020-2030.

O conceito de AIP passa por compreender que a atividade agropecuária está inserida em uma paisagem sinérgica e complementar ao meio ambiente. A condução das atividades produtivas dentro da paisagem que compõe uma propriedade rural deve levar em consideração a conservação dos recursos naturais como solo, água e biodiversidade. Ou seja, existe aí um forte componente de preservação e restauração, intimamente ligado à regularização ambiental perante o Código Florestal e à valoração do ativo ambiental. Nesse contexto emergente de mercados voluntários de serviços ambientais, a incorporação do conceito de AIP gera uma grande expectativa em relação à potencialização da produção agropecuária atrelada a uma conservação do meio ambiente que gere valor para além das externalidades ambientais positivas.

Base conceitual comum

A adoção e manutenção de SPSABC, práticas já consagradas como conservacionistas, são a base conceitual comum às duas versões do Plano ABC. Agora, o escopo das tecnologias e práticas foi expandido e adaptado.

As metas estabelecidas no ABC+ são diretamente ligadas a SPSABC. Espera-se que, ao longo da década, sejam implantados 72,68 milhões de hectares com SPSABC, além do tratamento de 208,40 milhões de metros cúbicos de dejetos e 5 milhões de cabeças de gado terminado em confinamento. Ao todo, o ABC+ possui um potencial de redução de emissões na ordem de 1.110,34 milhões de tCO2eq., sendo, portanto, uma meta muito mais ambiciosa do que a do decênio anterior.

Talvez, a principal mudança entre os decênios em relação à adoção de SPSABC seja quanto ao conjunto de ações e atividades para esse fim. Anteriormente, a principal estratégia do Plano ABC era conceder subvenção econômica por meio do crédito rural, tendo lançado, para isso, o Programa ABC. Para o atual decênio, prevê-se o fortalecimento do Programa ABC, a construção, o fomento e a diversificação de instrumentos econômicos e financeiros, a promoção de projetos de cooperação e de financiadores privados, estratégias de diferenciação e premiação de produtores que adotam SPSABC, entre outras ações que permitirão uma menor dependência de recursos financeiros subsidiados oriundos do Plano Safra.

Adaptação e mitigação inter-relacionadas

Por fim, a interconexão entre adaptação e mitigação fecha o tripé da base conceitual do ABC+. A compreensão de que a adoção de SPSABC age para além da mitigação de emissões é fundamental, pois as tecnologias e práticas fomentadas incrementam, também, a resiliência. No limite, identificar os produtores que adotam essas melhores práticas e tecnologias tem impacto positivo, inclusive, sobre a resiliência do sistema financeiro, melhorando a capacidade dos bancos e das seguradoras de gerir os riscos de suas carteiras.

Dessa forma, o ABC+ garante as bases de um ecossistema institucional orientado à sustentabilidade na agropecuária, definindo um plano operativo com metas e ações bem estabelecidas. Junto à redução do desmatamento, o ABC+ é a principal estratégia do Brasil perante o Acordo de Paris. Cabe ao Estado implementar tais ações, em parceria com as esferas estaduais e municipais, sempre em consonância com as inovações financeiras, tecnológicas e de mercado.

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