08/2024

Tempo de leitura: 14 minutos

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‘Programa de silvicultura de espécies nativas é sobre inovação’

Iniciativa, que completou um ano com ações financiadas pelo Bezos Earth Fund, visa fomentar pesquisa, identificar mercados para o setor e demonstrar o potencial da silvicultura de nativas numa nova economia florestal no Brasil

Miguel Calmon, colíder da FT Silvicultura de Nativas. Foto: Divulgação

Há um ano, o Programa de Pesquisa e Desenvolvimento em Silvicultura de Nativas (PP&D-SEN) , iniciativa da Coalizão Brasil e organizações parceiras que busca dar escala a essa atividade, recebeu um importante impulsionamento, com o aporte de US$ 2,5 milhões do Bezos Earth Fund (BEF).

Até 2026, os recursos permitirão viabilizar algumas atividades do PP&D-SEN que estão sob responsabilidade da Coalizão e do Parque Científico Tecnológico do Sul da Bahia (PCTSul), em parceria com a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). 

O primeiro ano de financiamento, que abrangeu de agosto de 2023 a julho de 2024, já trouxe importantes resultados. Entre eles, o início da implantação do primeiro sítio de pesquisa da rede SELD (Sítios de Estudos de Longa Duração) do PP&D-SEN no Centro de Estudos Rioterra, em Rondônia, a realização de cursos de capacitação com técnicos do ICMBio e comunidades locais, ações inovadoras de comunicação, aproximação com órgãos do governo, participação em eventos nacionais e internacionais, mapeamento de áreas prioritárias e desenho de arranjos produtivos com espécies nativas.

“Tivemos grandes avanços em advocacy com o objetivo de internalizar a agenda da silvicultura de espécies nativas nos órgãos do governo”, afirma Miguel Calmon, diretor sênior de Programas da Conservação Internacional do Brasil (CI-Brasil) e colíder da Força-Tarefa de Silvicultura de Espécies Nativas da Coalizão.

Nesta entrevista, Calmon avalia os resultados do primeiro ano com financiamento do BEF e as expectativas para as próximas etapas. “Este programa é de P&D, mas também de tecnologia, inovação e impacto. Trará novas informações sobre a qualidade e uso de madeiras de espécies nativas plantadas e potenciais produtos para o mercado nacional e internacional”, destaca.

Para saber mais sobre o Programa de Silvicultura de Espécies Nativas, acesse a página especial no site da Coalizão.

Confira os principais trechos da conversa:

Quais foram as principais ações realizadas no primeiro ano do programa de silvicultura de espécies nativas com os recursos recebidos do Bezos Earth Fund (BEF)?

As atividades foram separadas em blocos. Um deles, liderado pela Coalizão, é o trabalho forte de advocacy, para promover e internalizar a silvicultura de espécies nativas nas diferentes instâncias do governo, do setor financeiro e do setor privado. 

Outro bloco importante é a capacitação de atores que poderiam se beneficiar da atividade, desde comunidades locais, povos indígenas e produtores até atores que poderiam investir nela. 

Um terceiro, que tem o PCTSul à frente, é a implantação de dois sítios de pesquisa, um na Amazônia e um na Mata Atlântica. Isso porque, dentro do PP&D-SEN, está prevista a implantação de 20 sítios de estudos de longa duração (Rede SELD), com pelo menos 30 espécies nativas em áreas degradadas, para avaliar manejo, fazer melhoramento genético, avaliar incremento de biomassa e carbono etc.

E teremos os polos de referência, que são áreas em que já foram feitas pesquisas nas últimas décadas e poderão gerar informações sobre uso e tecnologia da madeira, fornecer sementes de matrizes selecionadas, construir curvas de acúmulo de biomassa e carbono e outras informações relevantes para demonstrar os benefícios e desempenho das espécies nativas. Um exemplo é uma área que pertence à Embrapa, em Belterra, no Pará. Vamos apoiar a limpeza e manutenção e coletar informações de árvores plantadas há 40 anos, a fim de verificar a qualidade da madeira. Isso porque, se alguém perguntar se uma árvore nativa plantada terá a mesma qualidade de madeira obtida de uma floresta natural, precisaremos saber responder.

Outra coisa que estamos fazendo é desenvolver modelos de negócios e arranjos produtivos com espécies nativas, para convencer investidores e produtores a investirem nessa atividade.

Quais foram os principais resultados obtidos?

Tivemos grandes avanços em advocacy. Levamos essa agenda para os ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), da Agricultura (Mapa), do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e dos Povos Indígenas (MPI), para o ICMBio, o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), o Ibama. Hoje, a silvicultura de nativas já é considerada uma das estratégias para implementar o Planaveg (Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa). O programa Floresta+Sustentável, do Ministério da Agricultura, e o Florestas Produtivas, do MDA, também têm potencial para incluir a silvicultura de espécies nativas.

Em Rondônia, no Centro de Estudos da Rioterra, iniciamos a implantação do primeiro sítio de pesquisa, com cinco hectares plantados com várias espécies. Estabelecemos acordos de parcerias com a Symbiosis, para implantar um sítio no bioma Mata Atlântica, e com a re.green, para um sítio na Amazônia e outro na Mata Atlântica.

Além disso, temos a colaboração com a Embrapa, em que estamos iniciando a implantação do polo de referência em Belterra.

Na parte de capacitação, um dos exemplos é a parceria que estamos formalizando com o Serviço Florestal Brasileiro, em que vamos financiar um curso de silvicultura de espécies nativas na plataforma Saberes. Também participamos, a convite do ICMBio, de um treinamento para técnicos e gestores de unidades de conservação (UCs), na Floresta Nacional (Flona) Bom Futuro (RO), levando a silvicultura como estratégia de recuperação de áreas degradadas. Em paralelo, financiamos um curso para coletores de sementes na Flona Tapajós.

Outro avanço importante foi o estabelecimento de parceria com o ICMBio para testar a silvicultura de espécies nativas como uma das estratégias para recuperação de áreas degradadas em UCs e entorno, com a possibilidade de tornar algumas delas produtoras ou pomares de sementes. É uma forma de diminuir a pressão para degradação e desmatamento nessas áreas, melhorar a conservação da biodivesidade e gerar renda para as comunidades que vivem dentro ou no entorna das UCs.

Iniciamos um trabalho junto ao Ibama para aprimorar o marco regulatório para o plantio de espécies nativas e, com isso, motivar e incentivar produtores e comunidades a plantar e fazer manejo dessas áreas de forma sustentável e permanente, para aumentar a cobertura florestal, mantendo a biodiversidade e serviços ecossitêmicos, e para enfrentar as mudanças climáticas.

A parte da comunicação é ainda um pilar importante do projeto e tem sido uma das grandes surpresas. Essa comunicação, com vídeos, textos e material de qualidade, tem sido fundamental para demonstrar os benefícios sociais, ambientais e econômicos da silvicultura de espécies nativas para a sociedade.

O BEF tem financiado a participação de vários profissionais na equipe que, entre outras atividades, se dedicam às tratativas com o BNDES para obtermos financiamento para cinco anos para o PP&D-SEN e apoio direto na execução de atividades do projeto. Esperamos que o BNDES aprove em breve a proposta do PP&D-SEN.

O que podemos esperar dos próximos dois anos?

Nossa prioridade agora é continuar a trabalhar a comunicação, para levar o tema para uma audiência mais ampla e diferentes atores da cadeia e da sociedade. A parte de capacitação apenas começou. Neste ano, vamos fazer o conteúdo do programa que vai para a plataforma Saberes. Vamos dar continuidade à capacitação nas Flonas Tapajós, Bom Futuro e outras UCs prioritárias do ICMBio, porque queremos implantar unidades demonstrativas, para que comunidades e produtores vejam como funciona a silvicultura de nativas e conheçam seus benefícios.

Falta implantar oito hectares de melhoramento genético no sítio com a Rioterra. Também vamos implantar os sítios com a Symbiosis e a re.green. Com relação aos polos de referência, vamos começar a coletar material e sementes e marcar matrizes em Belterra, e vamos iniciar a implantação de um novo polo de referência na Mata Atlântica. Ou seja, neste segundo ano, vamos finalizar a implantação dos sítios de pesquisa e cuidar dos polos de referência.

O trabalho de advocacy é contínuo. Vamos formalizar parcerias com ICMBio, SFB, Ministério da Agricultura, entre outros.

Em novembro, apoiaremos o evento Espírito Madeira, que reúne os atores que usam madeira. Também pretendemos publicar artigos sobre silvicultura de nativas e participar de fóruns internacionais, como a Climate Week de Nova York, a COP 16 da Biodiversidade, as COPs 29 e 30 do Clima e outros eventos relevantes para influenciar atores chaves e investidores.

Como está o PP&D-SEN como um todo?

O Programa tem duração prevista inicial de 20 anos e orçamento previsto para implantação dos 20 sítios de pesquisa e seis polos de referência, com o envolvimento de várias instituições de ensino e pesquisa e do setor privado. Estamos esperando o BNDES aprovar o financiamento para os primeiros cinco anos. Já passamos por várias instâncias de aprovação na instituição; falta a última, que é a aprovação final pela diretoria do banco.

O PP&D-SEN é um programa amplo, de longo prazo. Como isso vai repercutir no mercado?

Esse programa é de P&D, mas é também de tecnologia, inovação e impacto. Trará novas possibilidades para o uso de madeiras nativas e outros produtos para o mercado. Alguém que quer entrar nesse negócio vai gostar de saber que tem um programa de longo prazo pesquisando e trazendo soluções para pelo menos 30 espécies de nativas (15 na Amazônia e 15 na Mata Atlântica). Já é um bom negócio. Com pesquisa, marco regulatório, política pública e incentivo, vai melhorar muito mais. Após a aprovação do BNDES, o próximo passo é construir um programa de P&D para silvicultura de espécies nativas nos outros biomas, a começar pelo Cerrado.

Como garantir que as inovações obtidas por meio de P&D cheguem às comunidades e aos produtores?

Vamos desenvolver arranjos produtivos para diferentes regiões, fazer modelagem econômica e financeira para mostrar o retorno do investimento para produtores, investidores e financiadores, apoiar a implantação de unidades demonstrativas e buscar recursos para capacitação, assistência técnica e extensão rural e disseminação do conhecimento. É muito gratificante ver as empresas investindo em silvicultura de espécies nativas em larga escala, mas, para nós, também é importante que essa atividade gere impacto positivo nos médios e pequenos produtores, nas comunidades, nos assentamentos.

Quanto a questão do Código Florestal e de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) impacta no sucesso do programa? 

Uma de nossas estratégias é levar modelos de plantio de silvicultura de espécies nativas para a recuperação do passivo de Reservas Legais, algo que o Código Florestal permite. Com uma atividade econômica, haveria maior apetite do produtor rural para cumprir com sua obrigação legal e se tornar protagonista na promoção e implementação da silvicultura de espécies nativas no Brasil.

Isso, porém, não quer dizer que essa atividade só funciona em áreas de proteção legal. Queremos que a silvicultura de espécies nativas entre em áreas de baixa aptidão agrícola e pecuária, que não trazem retorno econômico e benefícios para a sociedade. Nosso desejo é que a silvicultura de espécies nativas se torne uma nova economia florestal e torne o Brasil um líder global na produção de madeira tropical. 

Por isso, ter uma lei que promova isso também é muito importante, assim como políticas públicas, como o Proveg (Política Nacional para Recuperação da Vegetação Nativa) e Planaveg. Demonstrar que as espécies nativas de alto valor econômico aumentam o rendimento dos SAFs (sistemas agroflorestais) e sistemas integrados lavoura-pecuária-florestas (iLPF) para os produtores e investidores também é fundamental para aumentar a escala e impacto da silvicultura de espécies nativas. O PSA, através do sequestro do carbono e outros serviços ambientais, também é essencial para estimular o engajamento dos produtores, comunidades e investidores. Todo tipo de incentivo é bem-vindo e necessário para estabelecer uma nova economia florestal.

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