09/2024

Tempo de leitura: 39 minutos

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Contribuições da Coalizão Brasil ao Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa – Planaveg

Em 11/9/2024, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) submeteu ao processo de consulta pública, pelo período de 15 dias, a minuta do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa – Planaveg. Essa minuta é fruto de um trabalho conduzido pelo Departamento de Florestas (DFLO) da Secretaria de Biodiversidade e Florestas (SBFLO) desde o princípio do ano, o qual contou com a participação dos membros da  Comissão Nacional para Recuperação da Vegetação Nativa – Conaveg e de outros membros convidados, dentre eles a Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura, os quais apresentaram e discutiram entre si sugestões para a nova fase desse importante plano público.

O presente documento traz sugestões de aprimoramento ao texto submetido à consulta pública, a partir do olhar dos membros da Coalizão Brasil. Ele foi elaborado com as sugestões inicialmente apresentadas durante o processo de construção na Conaveg e de observações dos membros em relação ao texto consolidado pelo MMA, à época sistematizadas pela Secretaria Executiva, com apoio de um consultor.

  1. Sugestões às Estratégias Transversais

A minuta propõe 4 estratégias transversais: 
a) inteligência territorial e monitoramento; 
b) cadeia produtiva da recuperação; 
c) pesquisa, desenvolvimento e inovação;  
d) financiamentos da recuperação. 

Muito embora o texto reconheça uma “correlação inequívoca” entre as macroações previstas nas “Estratégias Transversais” e nos “Arranjos de Implementação” (pg. 6), nossa avaliação é de que há uma possível sobreposição de ações previstas em locais diferentes, o que contribui para que o plano fique mais longo e, em certa medida, confuso. Por exemplo, a Macroação 5.4 (“Revisar o marco regulatório relativo ao uso e comercialização de espécies nativas madeiras e não madeireiras, de forma a incentivar a produção e comercialização de produtos oriundos de silvicultura de nativas, desde que salvaguardas ambientais e sociais sejam garantidas”), prevista na categoria “Estratégia Transversal”, tem uma nítida sobreposição com o Resultado 2 do Arranjo de Implementação “Recuperação Produtiva da Vegetação Nativa Associada à Economia Florestal (SAF, ILPF e Silvicultura de Nativas)”, que é assim descrito: “a recuperação produtiva com espécies nativas é desburocratizada, desonerada e sua insegurança jurídica é diminuída por meio da revisão e/ou criação de normas e regulamentações”. A nosso ver, não há complementaridade entre ambos, o que justificaria estarem em tópicos separados, mas uma quase repetição, sendo desnecessário, portanto, estar em um desses dois locais. A mesma coisa ocorre com a Macroação 6.4 da Estratégia de Financiamento da Recuperação (pg. 70) e a Macroação 5.4 do Arranjo de Implementação de Regularização Ambiental de Imóveis Rurais (pg. 85), dentre outros exemplos.

Para fins de encadeamento lógico, simplificação da leitura e compreensão do plano, sugerimos que essa sistemática seja revisada e que sejam mantidos nas “Estratégias Transversais” apenas aquilo que não é específico para um determinado arranjo de implementação, ou, em outras palavras, que sejam absolutamente comuns a todos os arranjos. Por exemplo, a Macroação 5.4, anteriormente mencionada, por se aplicar apenas aos casos de recuperação produtiva, poderia ser eliminada, mantendo-se o texto das macroações do Resultado 2 do Arranjo de Implementação “Recuperação Produtiva”. Já a Macroação 6.4 da Estratégia de Financiamento da Recuperação é mais ampla do que a Macroação 5.4 do Arranjo de Implementação de Regularização Ambiental de Imóveis Rurais, pois a primeira propõe uma inovação regulatória que pode criar uma fonte de financiamento à recuperação em suas diversas motivações (regularização ambiental, produção econômica, recuperação de passivos em áreas públicas), enquanto esta foca exclusivamente em APPs e poderia ser eliminada.

Feitas essas considerações de ordem mais geral e de organização do texto, apresentamos abaixo sugestões para algumas das Estratégias Transversais

1.1. Inteligência Territorial e Monitoramento

A Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura participou ativamente da CCT relativa ao tema, no âmbito da Conaveg, em função de desenvolver e hospedar o Observatório da Restauração e Reflorestamento – ORR, plataforma de destaque no reporte de dados de restauração em todo o país. Com base nesse histórico, e entendendo a importância do monitoramento como uma forma de avaliar o impacto do Planaveg e retroalimentar a política pública com base nas experiências mapeadas, fazemos as seguintes sugestões de aprimoramento ao texto.

Entendemos ser relevante a pactuação do conceito de “recuperação não compulsória” (Macroação 5.3.1) para fins do mapeamento e monitoramento. Entendemos, no entanto, que essa é uma ação que precisará da expertise de muitos atores sociais com experiência no assunto, não bastando apenas a participação dos membros do Conaveg, que obviamente pode e deve ser o espaço para deliberação final, mas após um processo de construção mais amplo. Nesse sentido, sugerimos que se inclua o ORR e outros núcleos de produção de conhecimento sobre monitoramento da restauração como um dos co-responsáveis pela atividade.

Nessa mesma linha, o ORR se vê como capaz de ajudar a definir os mecanismos de incentivos para o reporte de dados de gestão voluntária (Macroação 5.3.3), sugestão que surgiu das discussões da CCT. Assim, sugerimos que ele seja incluído como um dos corresponsáveis pela ação (atualmente sem responsáveis), bem como incluir necessariamente o MMA, além dos membros da Conaveg.

Há uma outra ação importante sem co-responsável definido, a de pactuação da governança do monitoramento (Macroação 5.5). Sugerimos que o ORR venha a ser incluído como um dos co-responsáveis nessa ação, que, assim como o anterior, deve incluir necessariamente o MMA, além dos membros da Conaveg.

1.2. Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I)

Das quatro Estratégias Transversais apresentadas, a que, a nosso juízo, mais pode ser aprimorada é relativa à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação – PD&I, sobretudo no que diz respeito à recuperação produtiva (SAF e silvicultura de nativas em especial), a qual tem, sozinha, o potencial de estimular a restauração de 1,4 milhão de hectares, ou 12% da meta total do Planaveg.

Nos anos 2000, O Brasil já respondeu por 12% da produção anual de madeira tropical em toras e 25% da oferta mundial de madeira serrada. Essa participação tem se reduzido, atualmente correspondendo a 9% e 4% do mercado mundial em 2022, respectivamente (ITTO, 2024). A maior parte desse total vem da exploração e do manejo das florestas nativas, cuja produção tem oscilado entre 11 e 14,8 milhões de m3 de madeira em toras nos últimos anos (IMAZON, 2022; IBGE/PEVS, 2022). Embora esta oferta possa ser incrementada em até 2 vezes com o fomento do manejo responsável e aumento das concessões de florestas públicas (IMAZON, 2022), se tivermos como meta voltar a produzir madeira tropical, tanto em tora como serrada, na mesma quantidade que produzíamos no começo do século XXI, teremos necessariamente que plantar espécies nativas para produção madeireira, pois a oriunda do manejo de áreas naturais não será suficiente. Estima-se que, em 2050, a demanda anual por madeiras nobres oriundas de plantios florestais será de cerca de 43 milhões de m3 para madeira em tora e 15 milhões de m3 para madeira serrada (Rolim et al., 2019).

Muito embora seja necessária, ainda, a produção de conhecimento científico para baratear e aumentar a eficiência da restauração ecológica no país, sobretudo em ambientes não florestais, é inegável que o Brasil já deu largos passos nessa direção, sendo atualmente um dos principais centros de produção de conhecimento na área. O mesmo não podemos dizer sobre o conhecimento aplicado ao uso econômico de espécies nativas, sobretudo quando utilizadas em sistemas consorciados e com alta diversidade, como é o caso dos SAFs biodiversos e da produção de produtos madeireiros e não madeireiros em florestas multifuncionais.

Uma revisão bibliográfica realizada em 2018 (Rolim et al., 2020), sobre pesquisas relacionadas a espécies nativas com interesse econômico, indicou que, embora um número substancial de estudos tenha sido publicado sobre assuntos relevantes para a silvicultura de espécies nativas, eles concentram-se em pouquíssimas espécies, a maioria da Mata Atlântica. Há importantes lacunas no conhecimento sobre espécies da maior parte dos biomas brasileiros, inclusive o amazônico, para o qual deveríamos estar direcionando todos os esforços possíveis para desenvolver modelos de uso econômico da floresta em pé. Parte importante da pesquisa existente sobre itens fundamentais para a atividade, como produção de mudas e seleção de sementes, foi feita para adquirir conhecimento sobre a ecologia das espécies em ambientes naturais, o que é insuficiente quando se trata de implementar plantios econômicos. A maioria das recomendações técnicas para a silvicultura de nativas, por exemplo, se baseia na experiência em primeira mão dos pesquisadores e na observação do comportamento da espécie em projetos de restauração, e não necessariamente em plantações silviculturais com fins econômicos. Embora várias espécies já tenham sido estudadas em algumas dessas áreas temáticas de pesquisa, os resultados podem variar de acordo com a região climática e a metodologia utilizada. Muitos estudos estão desatualizados e foram realizados em florestas naturais, e, portanto, precisam ser adaptados para plantações com fins econômicos. Há, portanto, muito a ser feito e a falta de conhecimento acumulado é justamente um dos fatores que afastam possíveis investidores da atividade: é muito mais simples plantar espécies exóticas que já vêm com um pacote de conhecimento e tecnologias desenvolvidos em outros países (no caso do Mogno Africano, por exemplo) ou no Brasil (caso do Eucalipto, por exemplo), o que cria um círculo vicioso no qual há mais demanda “orgânica” para pesquisa dessas espécies do que para as nativas.

Durante a primeira fase de coleta de sugestões, a Coalizão Brasil apresentou algumas propostas para impulsionar um programa de PD&I voltado ao plantio econômico de nativas, as quais foram inicialmente bem recebidas e acatadas na respectiva CCT de “Recuperação Econômica”. Essas propostas foram fruto da experiência acumulada por diversos membros do coletivo, muitos dos quais se dedicam há anos ao tema e sabem perfeitamente quais são as lacunas de conhecimento que precisam ser preenchidas. A Coalizão Brasil lançou, em 2021, um programa de PD&I em silvicultura de nativas que pretende acelerar o crescimento de essências nativas com potencial madeireiro, via melhoramento genético e avanços no manejo silvicultural, além de oferecer soluções científicas e tecnológicas em produção de sementes e mudas, tecnologia da madeira, zoneamento topoclimático, mercado, política e legislação. Muito embora seja uma iniciativa importante, temos a consciência de que ela é insuficiente para fazer frente à lacuna de conhecimento hoje existente, o que só poderá ser resolvido com investimento público, incluindo aí o direcionamento de esforços de pesquisa em instituições públicas e/ou fomentados com recursos públicos.

Apesar disso, as propostas originalmente apresentadas, que buscavam endereçar problemas concretos e previamente mapeados, acabaram desaparecendo do texto submetido à consulta pública, tendo sido substituídas por ações muito mais genéricas e, portanto, menos executivas. Abaixo um quadro comparativo, para facilitar a compreensão.

Tabela 1: comparação entre textos oriundos das CCTs/Conaveg e versão preliminar do Planaveg no tema PD&I (Veja anexo PDF).

Nossa sugestão, nesse ponto, é que as propostas da CCT de Recuperação Produtiva (ver quadro anexo acima), originadas em grande parte de sugestões apresentadas pela Coalizão Brasil, sejam retomadas e incorporadas ao plano, pois são mais concretas que as constantes da versão preliminar do plano e, portanto, já podem ser mais rapidamente implementadas, são mais fáceis de serem monitoradas e podem aproveitar um movimento que já existe na sociedade, criando a sinergia necessária para que o plano tenha resultados concretos. A existência de objetivos e metas concretas, direcionadas a atividades concretas (plantio econômico de espécies nativas), não impede, a nosso ver, que sejam desenvolvidas metas e objetivos de pesquisa para outros tipos de atividades, uma vez esteja clara sua necessidade. Estamos convictos de que essa é uma ação super estratégica e da mais alta relevância, a qual é condição necessária para alavancar a recuperação ecológica e produtiva de 1,4 milhões de hectares.

1.3. Cadeia Produtiva da Recuperação

Inicialmente, há que se apontar o aparentemente problema de redação no Resultado 5 dessa estratégia transversal, cujo título fala de políticas públicas para produção de sementes e mudas, mas cujo conteúdo trata de temas diversos. Como o Resultado 3 (pg. 50) já trata, no título e conteúdo, de políticas e regras para produção de sementes e mudas, provavelmente houve um erro simples nesse caso.

Já com relação ao conteúdo desse Resultado 5, que trata de políticas de incentivo ao desenvolvimento de mercado para produtos da sociobiodiversidade oriundos de áreas recuperadas, avaliamos que está excessivamente genérico e, caso não seja possível dar a ele mais concretude, poderia ser retirado do texto sem perda de substância, por já constar de outras partes do plano medidas mais concretas que podem induzir, por motivação econômica, a recuperação da vegetação nativa (por exemplo, a Macroação 6.1, na pg. 51, propõe usar os mecanismos de compras públicas para premiar produtores rurais que tenham suas áreas de APP e RL preservadas ou recuperadas; a Macroação 1.4, na pg. 88, propõe a criação de incentivos fiscais e de outra natureza para a formação de polos de desenvolvimento de plantios econômicos de espécies nativas).

1.4. Financiamento da Recuperação

a) Necessidade de maior precisão nas medidas de aprimoramento do crédito (Macroação 3.1)

Entendemos que essa é uma das estratégias mais estruturantes do plano e portanto deve ser dada a ela especial atenção. Como foi destacado no início, avaliamos que há uma certa sobreposição de propostas que estão nessa estratégia com outras que estão em alguns arranjos de implementação, podendo haver algum tipo de redução do texto, desde que não se perca a especificidade e objetividade das propostas já presentes.

Já há um certo diagnóstico, por parte de organizações da sociedade civil, atores privados, academia e de órgãos públicos, dos problemas atualmente existentes nas linhas de financiamento que supostamente poderiam apoiar o processo de recuperação da vegetação nativa, seja para fins de regularização ambiental, seja para fins de produção econômica. Essa é uma experiência acumulada pela sociedade brasileira nos últimos anos que deve ser aproveitada e que foi apresentada durante o processo de construção do texto no âmbito da Conaveg. Nossa avaliação, no entanto, é que o texto submetido à consulta pública, na tentativa de juntar propostas variadas, acabou ficando muito genérico e perdendo a capacidade executiva que poderia ter a inclusão de propostas mais concretas.

Por exemplo, a Macroação 3.1, que trata de aprimoramento de linhas de crédito voltadas a diferentes modalidades de recuperação da vegetação nativa, fala genericamente em “adequar o Plano Safra”, quando, no âmbito do Conaveg, foram apresentadas propostas muito mais precisas, que já identificam quais linhas de crédito podem ser adequadas e para qual finalidade. Avaliamos que, sempre que possível, o plano deve trazer comandos e ações específicas, mesmo que elas não sejam implementadas exatamente como o sugerido, por razões técnicas, financeiras ou políticas. Mas, pelo menos, há um norte a seguir e passos já mapeados.

Nesse sentido, sugerimos que essa macroação retome propostas que foram apresentadas anteriormente e que são fruto de uma experiência coletiva acumulada. A redação que oferecemos é a seguinte:

Ampliar e adequar as linhas de crédito, considerando seus diferentes públicos, para garantir o financiamento de: (a) atividades de recuperação de APP e RL degradadas (regularização ambiental); (b) custeio a viveiros de mudas de espécies nativas e coletores de sementes; (c) implantação, manutenção e manejo de florestas comerciais formadas por espécies nativas e implementação de sistemas agroflorestais; (d) restauração ecológica para carbono, adotando, dentre outras, as seguintes ações:

b) Necessidade de diferenciação entre atividades de desmatamento evitado (REDD+) e restauração (ARR) (Macroação 9.2)

A Macroação 9.2 (pg. 72) sugere “fortalecer e ampliar as iniciativas jurisdicionais de REDD+ (incluindo carbono de recuperação)”. Não estamos em desacordo com a iniciativa em si, mas entendemos que é fundamental haver uma diferenciação, seja no mercado regulado, seja no voluntário, entre créditos de REDD e de ARR, sob pena de penalizar e inviabilizar este último, que vem se mostrando um importante impulsionador da recuperação da vegetação nativa no Brasil, com imenso potencial de ajudar, de forma efetiva, a que alcancemos as metas estipuladas neste plano.

Os projetos de restauração historicamente têm maior aceitação em comparação com projetos de REDD+, já tendo sido aceitos no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto e, atualmente, eles são bem recebidos no mercado voluntário de carbono. Por exemplo, a iniciativa SBTi (Science Based Target Initiative), que estabelece orientação às empresas quanto a suas estratégias de descarbonização, só aceita os créditos de remoção como forma de compensação de emissões. Por esse motivo, muitas vezes os créditos de ARR são vendidos a valor maior que os de projetos de conservação, além do projeto de restauração apresentar um custo superior.

É importante que as definições estabelecidas nas normas brasileiras tenham coerência com as adotadas internacionalmente, considerando um contexto de futura integração com mercados internacionais no âmbito do Acordo de Paris. Nesse contexto, uma definição excessivamente ampla de REDD+, que inclua atividades não reconhecidas como tal por outros mercados, pode ter impactos negativos. 

Portanto, reconhecer a diferença dos dois tipos de projetos permitiria evitar que projetos de restauração e seus créditos sejam negativamente impactados nos mercados de carbono, i) levando à falta de financiamento para os projetos que estão se formando atualmente e, ainda, ii) prejudicando a aceitação desses créditos durante futura integração com mercados internacionais, resultando, em ambos os casos, relevante queda de preço.

Por tudo isso, sugerimos a seguinte alteração na redação da Macroação 9.2

9.2. Fortalecer e ampliar as iniciativas jurisdicionais de REDD+ (incluindo carbono de recuperação), de forma integrada à execução dos Planos de Prevenção e Combate ao desmatamento, para ampliar os resultados e a captação de recursos do mercado de carbono internacional, a partir de um alinhamento entre união e estados subnacionais, incentivando ações de recuperação.

c) Necessidade do país definir como inserir os resultados de recuperação oriundos de projetos privados na contabilização da meta nacional (Macroação 9.3)

A Macroação 9.3 fala em coordenar as negociações para a implementação do art.6o do Acordo de Paris de forma a ampliar recursos para recuperação da vegetação nativa e não apenas para desmatamento evitado (embora de forma coordenada com a estratégia nacional de REDD+).

Embora isso não possa ser resolvido no Planaveg, é fundamental deixar registrado que, para seja ampliada a quantidade de recursos para ações de recuperação, o Brasil (Itamaraty, MCTI e MMA) precisará definir com clareza de que forma pretende incluir resultados privados na contabilização da meta nacional de restauração, tendo em vista que, uma vez contabilizados na meta do país, tais resultados não podem receber a autorização para ajustes correspondentes, o que configuraria dupla contagem. Uma estratégia de Artigo 6 favorável ao setor de restauração de nativas para créditos de carbono com previsão para autorização de ajustes correspondentes traria a clareza regulatória necessária para atração de capital estrangeiro. 

  1. Sugestões aos Arranjos de Implementação

2.1. Regularização Ambiental de Imóveis Rurais

Avaliamos que a estratégia desenhada para esse arranjo de implementação está robusta e, se implementada de forma efetiva, pode levar a uma importante aceleração no processo de regularização ambiental de imóveis rurais, com o consequente aumento das áreas recuperadas em imóveis privados. Como no restante do plano, será necessário elencar prioridades, as quais, a nosso ver, estão elencadas nos resultados 1, 2 e 3, por serem ações estruturantes para que a regularização venha a ocorrer.

Ainda assim, pensamos que um aperfeiçoamento conceitual pode ser feito em algumas das macroações previstas neste arranjo de implementação.

A rota traçada pelo plano, e que vem sendo trilhada pelo Serviço Florestal Brasileiro, de investir em inteligência computacional para acelerar e dar escala ao processo de análise dos cadastros ambientais rurais, está absolutamente correta. O princípio subjacente é de que é mais benéfico ao interesse público que um número maior de imóveis rurais comecem efetivamente a adotar, de forma imediata, ações práticas de regularização ambiental (recuperação da vegetação nativa e compensação), mesmo que com pequenas imperfeições em cada caso derivadas de análises automatizadas, do que um número reduzido de imóveis se regularize a partir de análises super detalhadas, as quais tomam necessariamente mais tempo por demandar o trabalho de técnicos dos órgãos ambientais, os quais são poucos e insuficientes para fazer frente ao desafio colocado pela legislação de regularizar milhões de imóveis ao mesmo tempo. Estamos de acordo com esse princípio.

Nessa linha, avaliamos que a redação da Macroação 2.3 pode ser aperfeiçoada, para deixar mais clara a necessidade que precisa ser endereçada. Sua redação atual é a seguinte:

Criar solução tecnológica para assinatura e gestão do Termo de Compromisso (TCRA), sem necessidade de aprovação prévia pelos órgãos ambientais competentes, mas com compromisso de monitoramento periódico e alcance de padrões de qualidade ambiental previamente estabelecidos.

Está correta a orientação de buscar solução tecnológica para assinatura e gestão dos TCRAs, entendida essa última como o monitoramento do compromisso de recuperação da vegetação nativa e, eventualmente, da compensação da reserva legal. A redação, no entanto, fica um pouco confusa quando fala na desnecessidade de aprovação prévia pelo órgão ambiental competente. O TCRA, quando assinado por ambas partes, está sendo aprovado por elas, incluindo aí o órgão ambiental competente. O que provavelmente a redação quer dizer é que não é necessária a análise individualizada de cada caso, feita por um técnico ambiental, para que o TCRA possa ser assinado e entre em vigor, dado que isso pode ocorrer de forma automática pelo sistema, em grande parte dos casos. O TCRA tem uma grande quantidade de cláusulas padrão, tendo como variáveis apenas o tamanho e a localização dos passivos ambientais que precisam ser resolvidos, dado esse que virá do processo de análise automatizada do CAR (Macroação 2.1), e o plano de recuperação da vegetação nativa – PRADA, que estabelecerá métodos e prazos para a recuperação, mas que também deve ser elaborado de forma semi-automática, com a ajuda do sistema, que orientará o interessado a decidir como fazer (Macroação 2.2). O que o TCRA deverá fazer é incorporar e validar, de forma automática, essas informações advindas do sistema, sem que seja necessária uma análise individualizada de cada caso para validar as informações sobre os passivos ambientais ou para aprovar o PRADA proposto com ajuda do sistema. O sistema deve permitir um fluxo contínuo, automatizado, entre a adesão ao PRA e a assinatura do TCRA, mas isso não significa que este último não será aprovado pelo órgão competente – haverá aprovação, sim, pois trata-se de uma relação contratual, só que ela ocorrerá de forma automática, com ajuda computacional, sem necessidade de análise humana para os casos ordinários.

Para contemplar o raciocínio exposto, que entendemos ser o que guiou a redação desse item, sugerimos o seguinte aperfeiçoamento na redação:

Criar solução tecnológica para assinatura e gestão do Termo de Compromisso (TCRA) de forma automatizada, sem necessidade de aprovação ou autorização prévia para implementação do PRADA simplificado pelos órgãos ambientais competentes, mas que estabeleça o compromisso do particular em realizar o monitoramento periódico e atingir os indicadores de resultado da recuperação da vegetação nativa previamente estabelecidos.

2.2. Recuperação Produtiva da Vegetação Nativa Associada à Economia Florestal: aprimoramentos na estratégia de desburocratização e simplificação regulatória da recuperação produtiva

Embora seja realmente um avanço importante que o Planaveg busque como resultado que a recuperação produtiva com espécies nativas seja “desburocratizada, desonerada e sua insegurança jurídica (..) diminuída por meio da revisão e/ou criação de normas e regulamentações” (Resultado 2 – pg. 89), o que deve ser mantido, entendemos que há aperfeiçoamentos que podem ser feitos nas macro ações previstas.

O país vive um círculo vicioso que impede o desenvolvimento da economia baseada no plantio comercial de espécies nativas, seja para produção de produtos madeireiros ou não madeireiros. Há uma percepção generalizada entre produtores rurais de que o plantio de espécies nativas é uma atividade econômica arriscada, pois não haveria certeza de quais procedimentos, taxas e autorizações seriam necessários quando da exploração da área plantada, mesmo quando não se trata de uma área ambientalmente protegida (RL ou APP). Mais: quando se trata da produção de madeira oriunda de espécies nativas, não haveria certeza inclusive se a exploração de uma floresta madura seria permitida pelos órgãos ambientais. A percepção comum é a de que o plantio econômico de espécies nativas é muito mais complicado e burocraticamente oneroso do que o de espécies exóticas, o que é confirmado pela experiência concreta dos poucos empreendedores atualmente existentes que optaram por incluir espécies nativas em seus plantios florestais. Para um negócio que em si já é arriscado, com retorno de longo prazo e várias incertezas silviculturais, a insegurança jurídica é um fator extremamente limitante. Isso leva a maioria dos produtores a optarem por espécies exóticas, as quais não apenas não têm nenhuma restrição para plantio e colheita, como também são melhor conhecidas do ponto de vista silvicultural (forma de plantio, necessidades nutricionais e hídricas, curvas de crescimento, faturamento, propriedades da madeira de indivíduos plantados etc.). Com poucos casos de plantios de nativas, há menos demanda para o desenvolvimento de pesquisas que aprimorem o conhecimento sobre as práticas silviculturais necessárias, bem como menos demanda por sementes e mudas de qualidade para produção de madeira, o que acaba empurrando os produtores para espécies exóticas e aprofundando o círculo vicioso.

O Planaveg pode ser um vetor muito importante para quebrar esse círculo vicioso e o resultado 2 mencionado vai na direção correta. Para que atividades econômicas ainda incipientes, como os SAFs biodiversos e a silvicultura de nativas, possam ganhar escala, é fundamental que não apenas existam incentivos, mas também que a carga regulatória seja adequada à sua natureza e estágio de desenvolvimento. O princípio que deveria orientar a regulação dessas atividades, quando realizadas em áreas de uso alternativo do solo, é o da mais ampla liberdade, não sendo razoável que se apliquem a elas mais exigências do que aquelas aplicáveis a plantios monoculturais agrícolas ou florestais, inclusive com espécies exóticas.

O caso do plantio comercial de nativas para produção de madeira é exemplar. Embora a Lei Federal no 12.651/12 (Lei de Proteção da Vegetação Nativa), bem como a Lei Federal no 11.428/06 (Lei da Mata Atlântica) e seu decreto regulamentador (Decreto Federal no 6660/08) dispensem de qualquer tipo de autorização a colheita de árvores plantadas em área de uso alternativo do solo, isso na prática vem sendo exigido dos produtores. Uma das razões principais é que as regras operacionais do Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais – SINAFLOR, por não terem sido adaptadas às peculiaridades dessa atividade econômica, acabam por exigir que os estados emitam essa autorização, a qual não é exigida para a colheita a ser realizada em plantios de eucalipto ou de mogno africano, por exemplo.

Uma das macro ações previstas é a criação de um fórum entre MMA e IBAMA, de um lado, e órgãos estaduais, do outro, para “elaboração de normativas nacionais que simplifiquem as rotinas ordinárias autorizativas de boas práticas produtivas, como os Sistemas Agroflorestais” (Macroação 2.1 – pg. 89). Essa ação é correta quando se pensa em SAFs implantados em áreas ambientalmente protegidas (RL e APP), nas quais há, por lei, alguma necessidade de autorização ou monitoramento dos órgãos ambientais. O texto, no entanto, não traz essa especificidade, dando a entender que pretende abranger também os SAFs implantados em áreas de uso alternativo do solo, ou seja, que não são ambientalmente protegidos. Nesse segundo caso, a proposta se torna problemática, pois induz o entendimento de que deveria haver regras, mesmo que “simplificadas”, a orientar a produção agroflorestal em áreas nas quais, a rigor, seria possível implantar monoculturas. Como explicado mais acima, não há razoabilidade numa regra dessa natureza: não pode a implantação de uma atividade econômica mais benéfica à manutenção e recuperação de serviços ambientais ser mais regulada, do ponto de vista ambiental, do que uma atividade que polui e depleta serviços ambientais, como uma monocultura de soja.

Nossa proposta para solucionar esse ponto é que essa macroação (Macroação 2.1 – pg. 89) seja integrada à Macroação 1.4 do Arranjo de Implementação de Regularização Ambiental de Imóveis Rurais (pg. 82), sendo incorporada a esta última, que trata da simplificação normativa para recuperação produtiva de APPs e RL. Nossa sugestão de texto é a que segue:

Macroação 1.4 – Publicar normativa em nível federal, a partir da consulta com os órgãos estaduais, academia e sociedade civil, que oriente e simplifique a recuperação produtiva (Silvicultura de Nativas, SAFs e ILPF) das áreas de APP e RLs, a qual deve definir indicadores de recuperação específicos para essas hipóteses e criar parâmetros para uso de espécies exóticas, tipos de intervenção permitidas (como possibilidades de corte raso, de desbastes, de uso de insumos etc.), tamanho de talhões, dentre outros, além de simplificar procedimentos para aprovação de PMFS.

Nessa mesma linha propomos a retirada da Macroação 2.2 do resultado 2 do Arranjo de Implementação de Recuperação Produtiva (pg. 89), a qual traz a seguinte redação:

Publicar parâmetros que orientem e facilitem a restauração produtiva em áreas de uso alternativo do solo, fora de APPs e RLs, estabelecendo critérios de qualidade ambiental que possam contemplar modelos de restauração produtiva como silvicultura de Nativas, SAFs e ILPFs.

Entendemos que essa proposta é incompatível com o Resultado Estratégico 2, no qual a Macroação está inserida, pois busca “criar parâmetros” e “critérios de qualidade ambiental” para o plantio de nativas em área de uso alternativo do solo, ou seja, em área na qual a atividade deveria ser livre. Ora, se nessas áreas o produtor rural poderia plantar monoculturas de soja, milho ou braquiária, sem ter qualquer limitação de “qualidade ambiental”, por que justamente os que decidem plantar espécies nativas precisam ter que seguir regras e cumprir com padrões mínimos de biodiversidade?

Sugerimos, portanto, que seja retirada essa macroação estratégica. Ela faz sentido apenas como parâmetro para recuperação em RL e APP e para isso já existe a Macroação 1.4 (pg. 82), anteriormente analisada. Faz sentido também que se definam parâmetros de qualidade ambiental para que tais plantios sejam considerados na meta nacional de recuperação da vegetação nativa – evitando, por exemplo, que um monocultivo de uma espécie nativa seja considerado como “recuperação”- mas isso já está previsto na Macroação 5.1 da estratégia de inteligência territorial (pg. 40). Portanto, é possível eliminar a macroação sem que se perca, no conjunto do plano, a essência daquilo que ela tem de razoável. 

Estamos de acordo com o restante das macroações previstas para o Resultado 2, as quais devem ser mantidas.


Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura é um movimento composto por mais de 400 organizações, entre entidades do agronegócio, empresas, organizações da sociedade civil, setor financeiro e academia.

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