Membros do Grupo Executivo, Rodrigo Castro e Juliana Lopes destacam relevância de pequenos produtores para promoção da economia de baixo carbono
A Coalizão Brasil está dando início a um levantamento de temas e diálogos sobre a agricultura familiar. A iniciativa visa identificar como o movimento pode contribuir para elaborar propostas relacionadas à segurança alimentar e à descarbonização da agropecuária brasileira.
De acordo com Rodrigo Castro, gerente nacional da Fundação Solidaridad e membro do Grupo Estratégico (GE) e do Grupo Executivo (GX) da Coalizão, a agricultura familiar tem volume, tamanho e relevância na produção no campo e precisa ser incluída na estratégia de promoção do uso mais sustentável da terra. “Com assistência técnica, acesso a inovação, políticas públicas e incentivos, a agricultura familiar poderia contribuir mais e de forma mais poderosa com a agenda de uso sustentável do solo”, afirmou, em entrevista a este boletim.
Juliana de Lavor Lopes, diretora de ESG, Compliance e Comunicação da Amaggi e integrante do GX, reforçou a relevância de fazer com que a agricultura familiar tenha acesso às políticas públicas adequadas. “Precisamos construir uma estrutura que faça com que o recurso para promover a agricultura de baixo carbono e a maior eficiência das operações chegue também para esse segmento.”
Confira os principais trechos da entrevista com os dois especialistas.
Quando falamos de agricultura familiar no Brasil, de que tipo de atividades e público estamos tratando?
Rodrigo: O enquadramento como agricultura familiar é uma definição legal, que observa três aspectos. Primeiro, a ocupação principal econômica de uma família rural deve vir do desenvolvimento de atividade agrícola naquela propriedade. Segundo, a mão de obra utilizada nos processos produtivos deve ser essencialmente da família que está naquele lote. E o terceiro aspecto é a questão do tamanho. A área da propriedade não deve ser superior a quatro módulos fiscais. Dependendo da região, o tamanho do módulo vai de cerca de 30 hectares a até quase 500 hectares.
Juliana: Isso traz uma perspectiva de que qualquer coisa pode ser produzida em agricultura familiar: soja, frutas, verduras. Um ponto que gosto muito de trazer é que, quando olhamos as definições, bem do início, sobre o que é agronegócio, vemos que a agricultura familiar faz parte dessa cadeia, porque estamos falando do negócio do agro. Não é o fato de uma fazenda ser profissional e de larga escala que a faz ser agronegócio. A agricultura familiar está ali, faz parte.
Rodrigo: Para dar dois exemplos: hoje, 15% de toda laranja processada brasileira, concentrada ou exportada como suco de laranja, vem da agricultura familiar. Isso envolve milhares de pequenos produtores, que estão totalmente inseridos na cadeia, ainda que muitas vezes com menos acesso a recursos ou com carência de assistência técnica. Já a cadeia da pecuária no Brasil, que tem 234 milhões de bovinos, começa na pequena propriedade rural. Mais de 90% das crias produzidas, que serão engordadas em outras propriedades, começam numa pequena propriedade rural.
Há uma ideia no senso comum de que a agricultura familiar é que produz os alimentos que chegam à nossa mesa no Brasil. É assim mesmo?
Rodrigo: O Brasil é essencialmente alimentado no mercado doméstico pela agricultura familiar. Temos números impressionantes. Hoje, 11% do arroz, 42% do feijão preto, 70% da mandioca, 45% do tomate, 64% do leite de vaca produzidos no Brasil e que vão para a mesa é da agricultura familiar. A agricultura familiar é dona de um terço do rebanho bovino nacional. Além disso, 51% dos suínos e quase 50% das galinhas poedeiras estão sendo criados por agricultores familiares. É uma magnitude em termos de volume, importância econômica e de segurança alimentar. Não faz sentido não investir na agricultura familiar para ampliar e garantir a nossa segurança alimentar.
Como esse segmento e seus desafios se conectam com a visão e as propostas da Coalizão?
Rodrigo: Temos quase 4 milhões de propriedades classificadas como de agricultura familiar, o que corresponde a 77% dos estabelecimentos agropecuários e um quarto da área agrícola e pecuária brasileira. Isso mostra a relevância que esse setor tem. Com assistência técnica, acesso a inovação, políticas públicas e incentivos, a agricultura familiar poderia contribuir mais e de forma mais poderosa com a agenda de uso sustentável do solo.
Estamos falando também de inclusão social e econômica. A agricultura familiar emprega 67% da mão de obra no campo. Sua importância para geração de renda, de emprego, inclusão econômica e social da população do meio rural é fundamental.
Quando você fala em uso do solo, trata-se, ainda, de agricultura de baixo carbono, de redução de desmatamento, e esses são temas caros à Coalizão. Essa agenda perpassa pela da agricultura familiar.
Juliana: Quando olhamos o volume que a agricultura familiar representa, precisamos construir uma estrutura que faça com que o recurso para promover uma agricultura de baixo carbono e maior eficiência das operações, para que isso seja traduzido como saúde do solo e perenidade, chegue também para esse segmento. Precisa estar todo mundo junto nesse jogo.
O que é necessário para trazer a agricultura familiar de forma mais forte no combate à crise climática e na mudança do uso do solo?
Rodrigo: Precisamos trabalhar a assistência técnica como alavanca para o desenvolvimento sustentável. Transição produtiva, agroecológica, sistemas produtivos de baixo carbono não são possíveis sem assistência técnica de qualidade e continuada, sem modelos que sejam menos dependentes de investimento público e sejam mais modernos, que caibam no modelo de negócio do pequeno produtor. Isso é um trabalho que devemos ter dentro da Coalizão.
Outro ponto é pesquisa e desenvolvimento. Como podemos trazer atores públicos e privados para investir cada vez mais em uma tecnologia adaptada a sistemas produtivos de pequena escala e em áreas menores? Temos que trazer pesquisa e desenvolvimento para a pequena propriedade.
Juliana: Esses são pontos extremamente importantes. Além disso, é preciso lembrar que este é o setor que mais sofre com titularidade de terra em algumas regiões do Brasil. As políticas públicas precisam ser muito bem implementadas para os agricultores familiares, considerando questão fundiária e o próprio CAR (Cadastro Ambiental Rural). Não digo que o governo precisa fazer tudo. Precisa ser a cadeia de valor do agro. Mas, para isso, as políticas precisam estar estruturadas e bem definidas.
Rodrigo: Muitas vezes os agricultores familiares não têm acesso a mercado e a crédito, que é fundamental para investir numa transição para tornar a propriedade mais sustentável. Se ele não acessa mercado, perde renda, não consegue injetar recurso. E não adianta ter crédito sem orientação. É preciso ter orientação, crédito e acesso a mercado. A questão de sucessão no campo é fundamental também. Há propriedades se tornando inviáveis economicamente porque são divididas entre sucessores. É preciso pensar em como melhorar todo o sistema para ter a retenção de jovens talentos, sucessores e sucessoras, para tocarem o negócio agrícola e contribuir para segurança alimentar, emprego no campo e redução de emissões de carbono.
Diante de tudo isso, por onde a Coalizão vai começar a se aproximar e contribuir com a agenda de fortalecimento da agricultura familiar?
Juliana: O principal ponto é entender qual o papel da Coalizão nesse processo. Todas essas discussões já são abordadas de alguma forma por alguma instituição. Onde a Coalizão pode ser um catalisador das possibilidades? Onde conseguirá dar mais voz para quem ainda não está conseguindo, em termos de políticas públicas? É entender, a partir desses desafios já levantados e que são de conhecimento de todos que trabalham com agricultura familiar, como a força da Coalizão pode contribuir e criar um processo de conversa para fazer as transformações ocorrerem de forma mais rápida do que estão acontecendo atualmente.
Rodrigo: Começamos esse trabalho recentemente. Estamos elencando temas, definindo onde podemos agregar valor e travar diálogo com entidades que trabalham essa temática, para ver como se casa a agenda de mudança do uso do solo e agricultura familiar dentro das propostas que a Coalizão traz para um Brasil mais sustentável.