09/2016

Tempo de leitura: 9 minutos

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Alan Batista explica a plataforma P&D para espécies nativas

Alan Batista WRI
Foto: Mauricio Fegali

Não há como negar a amplidão da área a ser reflorestada ou restaurada no Brasil. No próprio compromisso assumido pelo país no Acordo do Clima (a NDC), os números são grandiosos e ambiciosos: restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares para múltiplos usos. Parte desse total poderia ser contemplado com espécies nativas para fins econômicos. Mas tal perspectiva ainda não entrou para valer na mira de investidores e de pequenos, médios e grandes produtores rurais. Como mudar essa realidade?

A equipe do projeto Verena, uma parceria entre WRI Brasil e IUCN, financiada pela Children’s Investment Fund Foundation (CIFF), identificou como prioritário promover a pesquisa e desenvolvimento (P&D) de espécies nativas, com o propósito de melhorar sua produtividade e retorno econômico. Assim surgiu a ideia de uma plataforma de P&D de silvicultura de espécies nativas, em total sinergia com a Coalizão Brasil, e com seu Grupo de Trabalho (GT) de Restauração e Reflorestamento.

Alan Batista, engenheiro florestal e analista de investimentos do WRI, explica como essa plataforma funcionará. “Nosso objetivo é aumentar a produtividade das espécies nativas, entregar um portfólio de produtos para se investir em floresta, aumentar a cobertura florestal e, portanto, mitigar mudanças climáticas, fixar carbono e ter retorno econômico e social.” Leia a entrevista completa a seguir.

Como surgiu a ideia da plataforma P&D e qual a sua relação com a Coalizão Brasil?
A plataforma é uma parte do projeto Verena. Ele começou, no início desse ano, com o estudo de três cases de empresas que cultivam nativas com fins econômicos (leia mais aqui). Fizemos um workshop com cada uma delas, de onde resultaram 12 pilares para a viabilidade de replicação dessas experiências. Os dois principais são P&D e modelagem econômica. A plataforma de P&D surgiu como elemento central do Verena, mas elaborar um projeto pré-competitivo de desenvolvimento da silvicultura de espécies nativas no Brasil também é uma proposta da Coalizão. Por isso, esse e alguns dos outros pilares estão sendo desenvolvidos em conjunto. Na Coalizão atuamos mais fortemente com o GT Restauração/Reflorestamento (assista aqui ao webinar do GT).

Qual é o escopo da plataforma P&D?
Temos muito cuidado em falar o que a plataforma é e o que ela não é. Ela quer transformar pesquisa em inovação até um ponto pré-competitivo. O que isso quer dizer? A plataforma investirá em pesquisa e desenvolverá a silvicultura, como melhoramento genético e manejo de floresta. Depois, entregará os resultados para empresas e produtores rurais. Você entrega, por exemplo, uma espécie melhorada, com orientações e procedimentos sobre como cultivá-la. A partir daí, quem quiser desenvolver mais, pode realizar mais pesquisas com os próprios recursos. É o que aconteceu com o eucalipto, por exemplo. Sua pesquisa começou em instituições como o Instituto de Pesquisas Florestais (IPF), na Esalq/USP. Foi evoluindo e, hoje, cada empresa tem sua estratégia de plantio e melhoria de espécie.

Os dados de pesquisa e desenvolvimento serão disponibilizados na plataforma. Mas de onde virão as informações?
O principal objetivo é ter recursos para criar um fundo e uma instituição gestora para dar início à plataforma. Será fundamental a presença de um comitê científico, que vai decidir o que é estratégico, prioritário, e contratará os consultores para produzir editais. Por exemplo, se o comitê disser que é fundamental desenvolver paricá — uma espécie da Amazônia cuja madeira é usada para fazer laminado e compensado —, ele vai apontar o que precisa ser feito para melhorar sua produtividade. Isso seria transformado em edital. Daí, instituições de pesquisa concorrerão, uma delas vencerá o edital, e a instituição gestora administrará os recursos e cobrará resultados.

Qual é o diferencial dessa plataforma em relação a outros projetos de desenvolvimento em silvicultura de espécies nativas no país?
Existem várias iniciativas de restauração e reflorestamento com nativas, bem como existem iniciativas com espécies exóticas. Mas não há nada que una essas duas frentes. Os poucos projetos em universidades e institutos de pesquisa são bem pontuais, relacionados a algum problema de manejo de uma espécie, por exemplo. Mas na plataforma estaria tudo no mesmo formato e com recurso que permitirá cumprir todo o cronograma de longo prazo exigido num programa de melhoramento genético, por várias gerações de árvores que são plantadas e colhidas. Esse será o grande diferencial da plataforma.

Qual será o tempo mínimo de duração da plataforma?
Temos falado em 30 anos, mas dividimos as expectativas de resultado. Há os de curto prazo, de um até cinco anos, os de médio, de dez a vinte anos, os de longo, de vinte a trinta anos. Uma entrega de curtíssimo prazo seria justamente monitorar todas as iniciativas, hoje pulverizadas, e a decisão de escolher que espécies receberão recursos e investimentos nos próximos cinco anos para já trazerem bons resultados. 

Essa divisão em prazos ajudaria o investidor a entender que esse projeto poderia trazer resultados antes de 30 anos?
É essa mensagem que queremos passar. Ela é fundamental. Não podemos esperar 30 anos. Se a espécie que o investidor pretende plantar tem retorno no curto prazo, já tem um indicativo de que a produtividade vai aumentar. 

Restaurar com espécies nativas para fins econômicos é uma novidade?
Pensando em fins econômicos, é uma novidade, sim. Sempre se pensou mais em plantio de nativas para restauração ecológica.

Mas as duas coisas andam juntas — fins econômicos e restauração ecológica?
Sim. Note que o plantio de eucalipto tem produção econômica grande, e a ambiental, relativamente pequena. Já o plantio ambiental tem ganhos para o meio ambiente, mas um retorno econômico muito pequeno. O que temos trabalhado são sistemas agroflorestais, plantios mistos, monocultura de nativas, ou seja, modelos que têm ganhos econômico e ambiental intermediários. Nosso desafio é colocar o ganho econômico lá para cima, diminuir o risco, aumentar o retorno, e ter mais benefícios ambientais. Tem gradientes diferentes, mas essas duas frentes andam juntas. Só que não existe bala de prata. Tem muita coisa a ser feita.

Vocês conversam com outros GTs, como o GT de Economia da Floresta Tropical?
Há uma sinergia, mas o foco deles é um pouco diferente. A meta daquele GT é a legalidade da madeira e eles trabalham com a questão de rastreamento, para coibir o comércio ilegal (leia mais aqui). Isso tem tudo a ver com o projeto Verena, porque enquanto existir madeira ilegal no mercado, os modelos econômicos são inviabilizados. As agendas caminham paralelamente, porém com o mesmo objetivo.

Vocês conversam com o GT de Valoração e Serviços Ecossistêmicos, também? O carbono entra na conta?
Conversamos sim, embora não de maneira tão direta. Mas o carbono permeia toda essa iniciativa, afinal florestas mais produtivas, como resultado de P&D, sequestram mais carbono e são economicamente mais atrativas, podendo dar escala à restauração florestal.

A plataforma focará inicialmente na Amazônia?
Sim, na Amazônia e na Mata Atlântica. São biomas com maiores déficits para reflorestamento. 

Poderia dar um cenário de como a plataforma se desenvolveria e chegaria ao seu ideal?
O primeiro passo é ter o recurso financeiro para que a plataforma seja criada e ter uma instituição gestora. A partir disso teríamos algumas espécies, contempladas nessa plataforma, sendo melhoradas para dobrar ou triplicar a produtividade. Isso vai fazer os investimentos acontecerem. Quando os investidores e produtores rurais (pequenos, médios e grandes) olharem para essa possibilidade, tiverem essa sinalização, o reflorestamento com fins econômicos vai acontecer e ajudar a cumprir a NDC brasileira. Ninguém sabe quanto da restauração será com fins econômicos. Mas o nosso gol é aumentar a produtividade, entregar um portfólio de produtos para investidores poderem investir em floresta, aumentar a cobertura florestal e com retorno econômico. A fórmula completa é: mitigar mudanças climáticas, fixar carbono e ter retorno econômico e social.

Qual seria o retorno social?
Existe um componente chamado aspecto social das plantas, de investir nas espécies utilizadas por comunidades. Castanha-do-pará e açaí são árvores usadas em atividades extrativistas, então, se consigo dar a uma comunidade uma variedade que permita que produzam mais, dentro da mesma área, estou gerando uma riqueza nessa comunidade. Ou seja, observamos esse componente social.

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