08/2022

Tempo de leitura: 7 minutos

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Combate à fome com apoio à agricultura familiar e equilíbrio ambiental


Rodrigo Castro
 é diretor da Fundação Solidaridad e membro do Grupo Estratégico (GE) e do Grupo Executivo (GX) da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura

Laura Antoniazzi é sócia e pesquisadora sênior da Agroicone e colíder da Força-Tarefa de Restauração da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura

A parcela da população que não tem o que comer ou que está preocupada em não haver comida no prato no dia seguinte é cada vez maior, no Brasil e no mundo. O relatório “Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2022”, lançado recentemente pela ONU, apontou que, em 2021, o número de pessoas afetadas pela fome chegou a 828 milhões, 46 milhões a mais que em 2020, e 2,3 bilhões de pessoas (29% da população global) sofreram de insegurança alimentar moderada e severa.

No Brasil, quase 60% da população passa por algum tipo de insegurança alimentar ou fome. São 125 milhões de pessoas nessas condições – um aumento de 60% em relação a 2018 -, segundo números da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. As regiões mais impactadas são o Norte e o Nordeste. Na área rural, 60% dos domicílios sentiram algum nível de insegurança alimentar e, no caso de agricultores familiares e pequenos produtores, a fome atingiu 22% dos lares.

O País, que já é o quarto maior produtor e o segundo principal exportador mundial de grãos, não está conseguindo, mais uma vez, garantir segurança

alimentar para a sua própria população. O cenário atual demonstra a situação de desigualdade e as contradições existentes no Brasil: a produção de frangos é suficiente para abastecer 210 milhões de brasileiros e mais 186 milhões de pessoas em 150 países. No entanto, grande parte da população do Brasil não tem renda suficiente para a compra de alimentos, e as carnes, em especial, estão mais caras e inacessíveis. É urgente perguntarmos por que as pessoas passam fome no país que é um dos principais celeiros agrícolas do Planeta?

A crise econômica do Brasil, acentuada pela pandemia de COVID-19 e pela inflação mundial, aumentou o custo de vida e diminuiu o poder aquisitivo, forçando milhões de brasileiros para baixo da linha de pobreza. A alta do dólar e dos preços das commodities, por outro lado, tem feito com que o agronegócio exportador esteja em bons momentos, mesmo com custos elevados e quebras de safras. As safras de 2020/21 e 2021/22 sentiram a frequência maior de eventos climáticos extremos, situação que deve se acentuar no futuro próximo, o que evidencia como a produção agrícola e a proteção ao clima estão intimamente conectadas.

Apoio técnico e crédito para o pequeno agricultor

Além disso, a ausência de políticas públicas estruturantes e efetivas e o decrescente investimento no apoio à agricultura familiar contribuem para o desabastecimento e a perda de renda. Como exemplos, pode-se citar a extinção, em 2016, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que tinha foco em políticas públicas para agricultura familiar, e a drástica redução do orçamento, nos últimos anos, do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que compram alimentos de agricultores familiares para uso nos equipamentos públicos. Essas ações são referências mundiais de sucesso pela capacidade de atuar nas duas pontas do sistema alimentar: a produção sustentável de alimentos da agricultura familiar e a provisão de alimentos saudáveis à população em situação de vulnerabilidade social.

O combate à fome é uma parte fundamental da jornada para o futuro que queremos construir hoje para o País. Para isso, é preciso levar mais apoio ao agricultor e, ao mesmo tempo, promover o equilíbrio ambiental e gerar renda para a população – sem isso, não é possível resolver o grande desafio da fome. Essa é uma das principais mensagens expressas em um documento com propostas para os candidatos às eleições apresentado recentemente pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, movimento que reúne mais de trezentas empresas, entidades setoriais, organizações da sociedade civil, Academia e setor financeiro.

Há uma série de ações que precisam e podem ser feitas tanto do lado da produção como da conservação, e que, na realidade, estão conectadas. As florestas contribuem para a regulação do regime de chuvas e do clima, bem como para a mitigação das mudanças climáticas, fatores essenciais para a produção agropecuária. É preciso acabar com o desmatamento ilegal e implementar o Código Florestal. Também é importante incentivar a manutenção das florestas, por meio de instrumentos como os de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) e mercados de carbono. 

Geração de renda e empregos

Faz-se necessário, ainda, direcionar investimentos para o aumento da produtividade em áreas já abertas para a agropecuária, ao mesmo tempo em que se busca a redução de emissões de gases de efeito estufa. Para isso, o novo Plano Setorial de Adaptação às Mudanças Climáticas Visando à Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura voltado para o ciclo 2020-2030 (Plano ABC+) é o destaque, unindo diferentes objetivos de políticas públicas em um plano com horizonte de dez anos de implementação. Plantio direto, integração Lavoura-Pecuária-Floresta (iLPF) e sistemas agroflorestais são algumas das tecnologias que o Plano ABC estimula, e a nova versão inseriu agricultura familiar também no foco, o que vai exigir instrumentos específicos de apoio.

Para os agricultores familiares, é ainda mais importante levar apoio técnico e facilitar o acesso ao crédito rural, para que possam implementar práticas produtivas de baixo carbono. Por fim, a restauração de áreas degradadas, para fins ambientais e produtivos, poderá contribuir para aumentar a produtividade, reduzir o desmatamento e ampliar a captura e estoque de carbono.

Apoiar o agricultor e promover o equilíbrio ambiental têm, ainda, outro fundamental impacto positivo: o da geração de renda e emprego. Áreas diretamente relacionadas ao uso da terra e às florestas, agricultura sustentável, silvicultura de espécies nativas, práticas de baixo carbono no cultivo e criação de animais, manejo sustentável de florestas, entre outras formas de bioeconomia, trazem muitas oportunidades de gerar renda e criar de postos de trabalho. São parte da economia verde, que deve se tornar uma das principais alavancas para o desenvolvimento do País.

Solucionar o desafio da fome e da segurança alimentar é uma tarefa complexa, mas possível, necessária e urgente. O apoio aos agricultores deve levar em conta o momento atual de crise social e climática e, portanto, integrar a conservação ambiental e a luta contra as desigualdades brasileiras. É um pacto que toda sociedade brasileira deve abraçar como prioridade, em especial o setor agrícola.

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