Em entrevista, Luciana Villa Nova, colíder da FT de Bioeconomia, conta sobre a posição da Coalizão Brasil em relação ao tema
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A Coalizão Brasil lançou, no dia 16 de setembro, um posicionamento em que defende a criação de uma política nacional de bioeconomia. Por trás do documento está a construção de uma visão e conceito do que o movimento entende como bioeconomia, resultado direto do trabalho da Força-Tarefa (FT) de Bioeconomia do Fórum de Diálogo Floresta Nativa.
Para chegar a essa entrega, a FT organizou conversas internas com membros das outras FTs do movimento e com especialistas, além de realizar um estudo sobre bioeconomia florestal no Pará, a partir de um projeto desenvolvido pela The Nature Conservancy (TNC) junto ao governo do estado, ao Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID) e à Natura. “Foi uma espécie de laboratório, porque o Pará está construindo um plano de conservação e bioeconomia com metas para 2030 e possui cases importantes, com bons volumes de negócio, nas cadeias produtivas da sociobiodiversidade. Ao mesmo tempo, sofre todas as pressões comuns ao bioma amazônico, como o desmatamento”, explica Luciana Villa Nova, colíder da FT de Bioeconomia.
Nesta entrevista, Luciana conta sobre o trabalho da FT e a visão de futuro da Coalizão para a bioeconomia e como ela pode levar o Brasil à posição de líder mundial em uma nova economia de baixo carbono. “O país pode ocupar uma posição incrível de destaque mundial na bioeconomia, porque é uma atividade que olha para o todo. Essa nova forma de desenvolvimento econômico deve trazer equilíbrio ao sistema socioeconômico e ambiental, mostrando ao mundo que é possível, sim, descarbonizar a economia e criar fontes de emprego e renda.”
O principal objetivo da Força-Tarefa sempre foi construir um programa de bioeconomia de florestas. Logo no início percebemos que a Europa e os Estados Unidos já tinham clareza sobre os programas de bioeconomia que iriam desenvolver e o Brasil, com essa biodiversidade imensa, essa grandeza territorial e de biomas, não. Além disso, nos deparamos com uma discussão sobre bioeconomia muito fragmentada e setorizada no país. Assim, percebemos que precisávamos promover uma convergência no tema e adotar um conceito mais ligado à vocação e identidade nacionais. Ou seja, conciliamos a definição com o olhar de transformação que a Coalizão quer promover. Assim chegamos a nosso escopo de bioeconomia na interface entre os diversos setores – agricultura, pecuária e florestas –, com o objetivo de promover sistemas produtivos sustentáveis que possam ganhar escala, fomentar a restauração de paisagens, a regeneração do solo, a conservação e restauração da biodiversidade, reconhecer o valor dos serviços ecossistêmicos e, ao mesmo tempo, ampliar a eficiência agropecuária.
Na FT somos especialistas com diferentes vivências e experiências e, por isso, visões distintas. Chamamos para a conversa consultores e formadores de opinião e, concomitantemente, eu estava estudando o tema no meu mestrado. Identificamos como o conceito de bioeconomia se aproximou, nos últimos anos, da dimensão de sustentabilidade, sendo atualmente muito mais conciliador entre produção e conservação. Ou seja, essa visão é muito nova. Começou nos anos 2000 como uma solução para substituir ingredientes e produtos de fontes não renováveis por renováveis e parava aí. Hoje o tema já é atraente à indústria tradicional e agrega uma visão regenerativa e alinhada a princípios de uma produção aliada à conservação. O Brasil é o país que pode conciliar essas visões, porque tem uma riqueza imensa em biomas e a fortaleza do nosso agro. Podemos dar o salto tecnológico para o caminho sustentável e ser proprietário, no país, de uma definição de bioeconomia que seja nossa identidade.
Preparamos um primeiro documento e convidamos os membros das outras FTs para opinar. Houve muita colaboração e fomos chegando à conciliação. A primeira versão continha 15 itens em um plano de ação, que nós aprimoramos para chegar a uma visão mais macro, com nove pontos principais. Partimos da necessidade de promover uma política nacional de bioeconomia que fomente essa definição conciliatória e crie incentivos. Para que isso se concretize, é preciso ter dados sistematizados, informações que dialoguem com outras plataformas e mapear as cadeias para entender como e se é possível torná-las escaláveis. E, como pano de fundo, é crucial investir em inovação para que tudo isso aconteça. Se o Brasil não fizer isso agora, criar plataformas, polos regionais de excelência, vamos ficar para trás. Vamos continuar sendo provedores mundiais nos setores primários, apenas trocaremos as commodities tradicionais por outras da biodiversidade. Por fim, precisamos ter foco na mitigação da pobreza e na inclusão, no respeito aos povos tradicionais e no fomento à economia local. Esse é o cenário sobre o qual construímos a nossa visão de longo prazo, baseada em nove grandes iniciativas.
A FT já vai começar a endereçar as ações prioritárias neste ano. Uma delas é o incentivo à criação da política nacional e de uma governança para bioeconomia, porque é isso que dará as diretrizes para investimentos e integração de dados. Quanto aos dados, evoluir a gestão dos dados que já existem é outra ação prioritária. Não sabemos, por exemplo, quanto vale a bioeconomia da biodiversidade da Amazônia. O PIB amazônico representa 8% do total nacional, mas é baseado em mineração e em outras atividades tradicionais. Também vamos analisar quais são os principais polos de bioeconomia e o que precisa ser potencializado em cada um deles. Todas as outras ações previstas são importantes, mas sem essa base – política nacional, integração de dados e implantação de polos regionais de excelência – não vamos conseguir estruturar a bioeconomia.
Faltam dados, política e investimentos. Não só financiamento, mas acesso a crédito para pequenos produtores e famílias agroextrativistas. Temos ainda poucas iniciativas para chegar à visão que queremos, de regeneração e restauração, conciliando agricultura e florestas. O volume produtivo é pequeno e a cadeia não promove inclusão social. Insisto: sem investimento em inovação, capacitação, pesquisa e desenvolvimento, vamos continuar no modelo extrativista primário. Outros países depositam patentes sobre nossos bioativos e nós não conseguimos tirar do papel ingredientes com grande potencial tecnológico porque não temos plataformas e pesquisas que deem suporte a essa nova bioeconomia. Precisamos de novas instituições de pesquisa, investimentos em novos materiais e instalação de uma base industrial voltada à bioeconomia. Temos uma lacuna muito grande para a transição que precisamos fazer, para uma economia de baixo carbono e mais inclusiva. Além disso, novas economias de conservação de biodiversidade precisam ser rapidamente regulamentadas, com a valorização dos serviços ambientais que, por exemplo, florestas podem prover à sociedade e gerar uma nova dimensão econômica para o país, populações locais e tradicionais.
Vejo que o país pode ocupar uma posição incrível de destaque mundial na bioeconomia, porque é uma atividade que olha para o todo. É um caminho para barrar o desmatamento, contribuir para mitigar as mudanças climáticas e regular o regime de chuvas. Disso depende, como disse, de conseguirmos as regulações e investimentos necessários. Isso feito, há um mundo de oportunidades, mas o risco é não atrelar essa mudança ao fim da miséria e da pobreza. Essa nova forma de desenvolvimento econômico deve trazer equilíbrio ao sistema socioeconômico e ambiental, mostrando ao mundo que é possível, sim, descarbonizar a economia e criar fontes de emprego e renda. Isso não acontecerá em dez anos, vai levar muito mais tempo. Mas eu vejo grandes vantagens competitivas para nós nas áreas de saúde e biotecnologia, na promoção do bem-estar, do turismo sustentável de integração com a natureza e muitas outras. Falar de bioeconomia é um convite para ir muito além do consumir; é entrar em uma lógica circular, de consumo consciente e responsável.
Temos uma grande pedra bruta a ser lapidada. Agora é promover a abertura de diálogo com vários setores para além daqueles que fazem parte da Coalizão e isso já teve início. E transformarmos as três ações prioritárias em um plano de trabalho que deve ser aprovado em até dois meses. Ele inclui aonde queremos chegar em seis meses e em prazos mais longos.