01/2022

Tempo de leitura: 10 minutos

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Debate aborda Amazônia, ciência e agropecuária no Brasil pós-eleições

Especialistas discutiram os desafios do uso da terra, as perspectivas para o pleito eleitoral de 2022 e seus impactos para 2030, em discussão realizada na plenária da Coalizão Brasil 

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O cenário e os desafios do uso da terra em 2022 e seus impactos para 2030 foram o foco do debate “Rumo a 2030: o que esperar das políticas de uso da terra no Brasil pós-eleições”, realizado na segunda plenária de 2021 da Coalizão Brasil, em 14 de dezembro. Ilegalidade e desmatamento na Amazônia, monitoramento e rastreabilidade de cadeias produtivas, as eleições deste ano, o papel da ciência nas tomadas de decisão dos congressistas e o olhar sobre os desafios sociais foram alguns dos temas levantados pelos debatedores.

Participaram da conversa Ilona Szabó, presidente do Instituto Igarapé, Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global, e Mônica Sodré, diretora-executiva da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps). A mediação foi de Marcello Brito, em sua última atuação como cofacilitador do movimento.

Ilegalidade na Amazônia

O painel começou com uma análise de Ilona Szabó sobre a ilegalidade e a insegurança na Amazônia. Ela destacou três prioridades que, caso não sejam endereçadas, prejudicarão qualquer desejo de promover o desenvolvimento sustentável na região: conhecer melhor a escala e o escopo da ilegalidade nesse território e a conexão entre as diferentes atividades ilícitas, como tráfico de drogas e grilagem; promover a transparência e rastreabilidade total das cadeias de commodities; e consolidar o estado de Direito, com um governo capaz de fazer cumprir regras e legislações.

Com relação ao escopo da ilegalidade na Amazônia, Szabó afirmou que a escassez de dados sobre esse tema leva à não priorização do combate a esses crimes, além de haver uma falta de coordenação regional para enfrentá-los. Sobre as cadeias de commodities, lembrou que é preciso investir em normativos e em tecnologia e que os setores privado e financeiro têm um papel importante na busca e implementação de soluções. “O bom é que a busca por transparência e rastreabilidade já começou, mas precisa ser acelerada, com apoio da sociedade e do governo”, disse.

Para Szabó, a ausência e a falta ou má qualidade da presença do Estado em lugares pobres, desiguais e com corrupção e impunidade alimenta o ilícito na Amazônia. “Precisamos oferecer alternativas econômicas e fortalecer a governança para combater ilegalidade e crimes. Não podemos perder a soberania para o crime organizado”, afirmou. “Como sociedade, precisamos eleger candidatos que priorizem a questão, mas também cobrar constantemente essa implementação das políticas de aprimoramento da governança.” 

 Cenário para a agropecuária

Marcos Jank, do Insper Agro Global, falou sobre as perspectivas do setor agropecuário para este e os próximos anos. Para o especialista, uma grande transformação para esta década virá do setor pecuário.

“Trinta por cento das áreas do país são de agropecuária, sendo que 10% são agricultura e 20% são pasto. De uma década para cá, temos visto uma disseminação da agricultura em áreas de pasto que é benéfica e inovadora”, afirmou, devido à implementação de práticas agrícolas mais sustentáveis, como integração lavoura-pecuária, plantio direto e agricultura regenerativa, que recuperam o solo das pastagens. “São técnicas tropicais que permitem que o setor cresça sem ter que derrubar florestas. Temos em torno de 17 milhões de hectares de integração lavoura-pecuária e vamos chegar a 50 milhões de hectares com as tecnologias que estão disponíveis no mercado”, disse.

Jank também destacou as diversas frentes do cenário internacional que demandarão o fim do desmatamento nas cadeias produtivas, como a relevância que o uso da terra ganhou na Conferência do Clima de Glasgow, a COP 26, e o compromisso assumido por Estados Unidos e China de reduzir emissões – ambos os países reconhecem que a eliminação do desmatamento ilegal até 2030 é vital para atingir este objetivo.

Jank manifestou dúvidas se será possível eliminar o desmatamento ilegal até 2030, mas acredita que é possível avançar “dependendo do tipo de governo que venha daqui para frente”.

Para ele, até 2030, haverá ainda uma “descomoditização” de produtos agrícolas:

“Com o desenvolvimento do mercado de carbono, pagamento por serviços ambientais, restauração, sistemas integrados de produção e intensificação de pastagens, vamos assistir a uma crescente diferenciação de quem faz as coisas direito e quem não faz”, acredita.

Segundo ele, será importante criar mecanismos de punição e, principalmente, de incentivo, para trazer maior produtividade para quem está atrasado, por exemplo, no setor da pecuária.

Atuação do Congresso Nacional

Convidada a falar sobre como o Congresso Nacional trata os temas ambientais, Mônica Sodré apresentou dados de uma pesquisa feita pela Raps, com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS), sobre a percepção de 200 congressistas em relação às mudanças climáticas. Os dados mostraram uma desconexão entre o que se fala e como se vota. “Essa agenda não é prioridade para eles e, mais que isso, há uma dificuldade de correlação entre o estado de coisas do país e a ação do Congresso”, disse.

Embora o desmatamento seja um dos principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa no Brasil, quando perguntados sobre o que é importante para reduzi-las, mais da metade dos respondentes apontaram que é preciso investir em energia limpa.

“O Legislativo não compreendeu a urgência do tema, e isso vem na esteira de um Executivo que não está comprometido com a causa ambiental e estimula a predação dos nossos recursos, num modelo de desenvolvimento que opõe natureza à geração de valor”, avaliou Sodré.

A diretora-executiva da Raps lembrou que há uma janela de oportunidade para mudar esse cenário, com as eleições de 2022. Segundo ela, outra pesquisa feita pelo iCS com 1.500 pessoas apontou que 80% consideram prioridade proteger a Amazônia, e quase 60% votariam em um candidato à Presidência que trouxesse um plano efetivo para a região. Porém, a especialista lembrou que existem hoje, no país, mais de 15 milhões de desempregados formais e metade da população é afetada pela insegurança alimentar. A fome deve pautar o debate das eleições, afirmou:

“O nosso desafio, como organizações da sociedade civil, é pensar como conectar a agenda do desenvolvimento sustentável com a realidade prática dos cidadãos.”

Para ela, os candidatos às eleições precisam entender que a agenda do desenvolvimento sustentável está acima de ideologias e é um problema do dia a dia.

“É preciso entender a contribuição da mudança do uso do solo para essa agenda e se apropriar desse discurso, traduzindo-o de maneira concreta para a população”, completou.

A ciência nas decisões políticas

Na parte de perguntas e respostas do painel, os debatedores falaram mais sobre a Amazônia, sobre o desafio de alimentar uma população cada vez mais urbana e numerosa e sobre a importância de a ciência estar presente nas tomadas de decisão.

Para Ilona Szabó, é preciso construir uma nova narrativa para a Amazônia, que torne a floresta, o capital natural e os povos originários e tradicionais parte de fato da identidade nacional.

“Não há como permitir que os debates eleitorais excluam essa questão. Tem um trabalho estratégico a ser feito, com veículos de comunicação e com produção de conhecimento técnico para as coordenações de campanha.”

A sinalização de que setor privado e sociedade civil estão agindo cada vez mais em conjunto e os diferentes compromissos anunciados na COP 26 que beneficiam a Amazônia merecem destaque.

“Ficou muito claro que o tempo da ação coletiva chegou. Nosso desafio é focar nas convergências. Vamos traçar um plano de diálogo e comunicação eficiente para traduzir o que significa essa oportunidade que é cuidar desse ativo que é a Amazônia, olhando para as pessoas que estão lá”, assinalou Szabó.

Perguntado sobre como fortalecer monitoramento e transparência no uso da terra, Marcos Jank afirmou que, embora o Brasil gere muitos dados ambientais, tanto de instituições públicas como de privadas, falta ainda diálogo em relação à interface entre agricultura e meio ambiente, sobre como conservar ecossistemas e, ao mesmo tempo, alimentar um número cada vez maior de pessoas, que por sua vez migram a cada dia mais para áreas urbanas.

“Devemos reforçar a capacidade de olhar o todo, e isso depende de coordenação público-privada de gerar dados e respostas”, afirmou.

Já Monica Sodré finalizou falando sobre a importância de levar mais conhecimento científico para os parlamentares. Segundo ela, a Raps, que tem 45 membros no Congresso, propõe-se a levar referência de qualidade para eles, para contribuir para que suas tomadas de decisão resultem em melhores serviços e políticas públicas.

Sodré destacou o papel relevante que os assessores técnicos no governo fazem junto aos parlamentares, mas que o desafio de resgatar o papel da ciência é permanente. “Não há caminhos fora da política, e não deveria haver caminho fora da ciência na política”, ressaltou.

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