10/2017

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Dono da maior floresta tropical do mundo, Brasil é um dos líderes da agenda internacional de clima

Foto: divulgação

O Brasil se prepara para participar de mais uma conferência do clima, a COP 23, em Bonn, Alemanha, a partir de 6 de novembro. Mas o que esse espaço de debate e negociação representa? Qual é o papel do Brasil nessa agenda e como podemos usar esse momento a favor da economia de baixo carbono?

Fabíola Zerbini, coordenadora regional para a América Latina do TFA 2020 – Tropical Forest Alliance 2020 e uma das líderes do Grupo de Trabalho de Cooperação Internacional da Coalizão, comenta a liderança do Brasil em assuntos relacionados a florestas e o papel da cooperação internacional para evitar que o contexto nacional de retrocessos socioambientais traga mais impactos negativos ao país.

As mudanças climáticas são um desafio global, mas o perfil de emissão é diferente em cada país. No Brasil, as mudanças no uso da terra e a agricultura responde por cerca de dois terços das emissões nacionais. Que outros países têm desafios semelhantes ao do Brasil no combate às emissões?

São os países que ainda possuem uma cobertura vegetal bastante significativa, especialmente florestas tropicais, que é um bioma tão importante.

Brasil, Indonésia e Congo são os três países que sozinhos são responsáveis e capazes de influenciar de forma muito contundente as políticas de clima para florestas e de alguma forma vivem realidades parecidas.

Qual é o papel do Brasil nas negociações internacionais sobre floresta e agricultura?

O Brasil possui três características que o colocam em uma posição de liderança.

Temos a maior cobertura vegetal de floresta tropical do mundo, ou seja, somos muito relevantes para o assunto. Em segundo lugar, temos uma enorme responsabilidade por ter essa grande área de floresta e reconhecemos essa responsabilidade. E terceiro: temos capital intelectual, tecnológico e político de ponta, estamos na fronteira desse assunto.

Portanto, não somos apenas parte do problema, mas também um dos atores que mais pensa e atua na busca por uma solução, mesmo diante de um contexto tão adverso.

O que você chama de contexto adverso?

A crise política e econômica no atual governo que colocou a temática e a conjuntura ambiental em baixa relevância na escala de prioridades.

Em relação ao desmatamento, vemos que é complexo garantir que uma curva evolutiva se mantenha.

De que forma você acha que o governo brasileiro irá se posicionar na COP 23 frente a esse cenário político?

Embora exista toda essa turbulência política, as equipes técnicas e executiva do Ministério do Meio Ambiente, do Ministério de Relações Exteriores, do Ministério de Agricultura são equipes muito competentes e comprometidas. Então, do ponto de vista executivo, todo trabalho que o Brasil está levando para a conferência é sério, em relação a como a NDC vai ser implementada.

No contexto subnacional, eu tenho acompanhado de perto os governos do Pará e Mato Grosso e vejo toda a seriedade com que esses dois estados estão tratando o tema.

Acredito que, na COP, o governo irá mostrar consistência na implementação de seu compromisso e buscará articular e conversar com outros atores internacionais.
O grande problema é que essa equipe técnica, assim como a sociedade de forma geral, precisa lidar com esse cenário instável, principalmente em relação ao legislativo. Estamos vivendo um momento de grande insegurança jurídica em relação ao marco da legislação ambiental brasileira, com a possibilidade de reversão de textos sólidos que não estavam em discussão.

Qual é o papel da cooperação internacional nesse contexto?

A cooperação internacional não vale apenas para a agenda positiva. Com maturidade, responsabilidade e sem afetar a soberania política nacional, é possível cooperar internacionalmente para conquistar apoio e suporte para lidar com uma agenda negativa e suas possíveis consequências para um problema que é global. Atores internacionais públicos e privados podem se somar atores nacionais em uma determinada bandeira ou agenda. Num cenário de retrocessos socioambientais, se nós, brasileiros, não estivermos dando conta, a COP pode ser um importante momento de articulação e parcerias para arranjos institucionais em prol de um objetivo comum, que é o cumprimento da NDC.

Por outro lado, essa cooperação para a agenda negativa não traria o risco de o Brasil prejudicar sua imagem frente a possíveis compradores internacionais e, dessa forma, perder mercados para os quais exportamos?

Não. Em fóruns nos quais esses assuntos são criticamente debatidos, é natural que os problemas sejam expostos. Mudanças nas regras de unidades de conservação, no licenciamento ambiental, dentre outros, são temas de repercussão internacional. São notícias que vão além de nosso território. Atores internacionais interessados nesses assuntos já conhecem e consideram essas notícias e, portanto, não temos como evitar a discussão.

Quando estamos falando de uma meta global, que é construída coletivamente, precisamos ter uma conversa honesta e crítica com nossos parceiros globais.

As mudanças climáticas são um assunto global e não há possibilidade dois estados, menos ainda dois subnacionais, sozinhos resolverem essa situação. Já há um consenso entre os líderes políticos de que somente a partir de acordos globais entre atores públicos e privados é que podemos encaminhar esse tema. Portanto, há uma interdependência muito grande.

As COPs são momentos para estabelecer e rever acordos, em função dos contextos atuais. Sem dúvida, o Brasil deve ter autonomia para discutir e resolver seus problemas políticos internamente. No entanto, atores que trabalham com iniciativas relacionadas ao clima, não podem ignorar o contexto adverso e não traçar uma estratégia que envolva também a cooperação internacional.

Além disso, as relações comerciais são bilaterais, acontecem entre atores privados e, por isso, não é o que os atores de clima falam que irá mudar uma decisão comercial. Compradores que tomam decisões com critérios ambientais já estão considerando todo esse contexto em seus mapas de risco e não é a posição da sociedade civil e outros setores na COP que irá mudar isso.

Inclusive, tenho conversado com atores internacionais e eles dizem que o momento brasileiro não tem sido percebido como um fator de risco.

A solidez do Brasil vai além deste contexto atual, ainda mais quando comparada a outros países. Eles percebem o cenário adverso, principalmente a insegurança jurídica, e já estão monitorando e lidando com isso, mas ainda não houve impacto na tomada de decisão de negócios. O impacto deste contexto acontecerá no médio e longo prazo se não formos capazes de reverter, juntos, esse quadro atual. Para tanto, precisamos ser transparentes na relação com nossos compradores e financiadores, pois eles preferem uma notícia ruim hoje do que uma surpresa amanhã.

Na COP, a Coalizão irá reconhecer esse cenário de retrocesso socioambientais, mas também buscará mostrar o importante trabalho que foi realizado nos últimos anos rumo à implementação da NDC.

Além disso, vale também reforçar a seriedade das equipes executivas dos ministérios e dos governos subnacionais. Isso mostra que o Brasil não está paralisado, que a vida continua, embora estejamos vivendo um momento de riscos para os nossos compromissos.

Quais são os espaços internacionais que debatem os temas de floresta e agricultura no mundo?

Específicos para esses temas, temos os encontros do Forest Dialogue (anuais), da FAO, as assembleias do FSC (trienais), que se tornaram uma grande plataforma para se discutir as florestas do mundo.

A Climate Week e a COP são os dois principais encontros de clima, nos quais as agendas de floresta agricultura tem grande relevância. Além disso, o World Economic Forum (WEF) nas suas reuniões anuais (em Davos) e regionais (em 2018, a reunião regional da América Latina será no Brasil), vem trazendo cada vez mais a discussão de floresta, agricultura e clima estimulando parcerias público-privadas.

A COP, além de ser um espaço para a criação de parcerias, existe um grande acordo público em jogo, que é o acordo dos governos mundiais em clima. O foco da COP é conseguir dar saltos nos acordos internacionais de clima.

Então, esses são três grandes momentos da agenda internacional que a gente pode influenciar o ter decisões que depois iremos operacionalizar.

Quais são os principais desafios da agenda internacional de agricultura, floresta e clima?

O maior desafio é sustentar o aumento da demanda por alimentos, com responsabilidade ambiental, segurança climática e hídrica. Nesse desafio, estamos avançando. O Acordo de Paris foi uma prova e o número de aumento de compromissos e iniciativas de desmatamento zero, inclusive no Brasil, é impressionante.

O segundo é incluir o social, pois essa grande equação precisa priorizar as pessoas. A questão de uso da terra não gera apenas conflitos ambientais, mas também muitos conflitos sociais. Precisamos entender o uso da terra considerando os atores sociais que são os mais vulneráveis e necessitam das terras para sustento e trabalho. Como inserir as populações indígenas, ribeirinhas, os vários trabalhadores da área rural, os pequenos produtores, os povos da floresta? O que temos feito ainda não é efetivo para essa inclusão. Ainda estamos mais no campo do discurso do que na prática. Os conflitos pelo uso da terra estão aumentando, já que as terras são cada vez mais disputadas e essas disputadas nem sempre são leais – a equação “clima, floresta e agricultura” precisa inserir os grupos sociais mais vulneráveis para um balanço mais positivo.

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