11/2016

Tempo de leitura: 8 minutos

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Entrevista: ABC precisa envolver produtor e dar escala à assistência técnica

JulianaMonti OK

Foto: Solange Barreira

Já existem tecnologias agrícolas que promovem a redução de emissões e o sequestro de carbono de maneira significativa e também favorecem a produtividade. Entretanto, elas precisam chegar ao produtor rural, de ponta a ponta do país, para que saiba aplicá-las, promovendo de vez a agropecuária de baixo carbono (ABC).

Esforços nesse sentido trariam grandes resultados. Por exemplo, a recuperação de 75% dos 52 milhões de hectares de pastagem degradadas no país, associada à implantação de sistemas de integração lavoura-pecuária e integração lavoura-pecuária-floresta (ILP e ILPF) nos 25% restantes, pode evitar a emissão de 670 milhões de toneladas de CO2e, segundo estudo do Observatório do ABC. Além disso, haveria a captura de mais de 1,1 bilhão de toneladas de CO2e.

Na entrevista a seguir, Juliana Monti, coordenadora de Sustentabilidade da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), e uma das líderes do Grupo de Trabalho da Agricultura de Baixo Carbono, explica como o movimento tem atuado e a percepção de que parcerias entre poder público, setor privado, academia, federações agropecuárias, sindicatos e cooperativas são essenciais para o sucesso dessa jornada.

O que é agricultura de baixo carbono comparada com o que se pratica hoje no país?

Ela tem algumas práticas que são diferentes da agricultura chamada tradicional. Às vezes, é um pouco difícil separar uma da outra, porque há técnicas de ABC que também são utilizadas na tradicional. Basicamente, é objetivo da ABC emitir menos gases de efeito estufa (GEE) enquanto se mantém a produção. Em alguns casos, essas técnicas podem até sequestrar carbono. Por exemplo, um sistema de produção pecuária que contemple o componente arbóreo, como o ILPF ou o IPF, pode balancear as emissões de GEE do gado, uma vez que as árvores sequestram o carbono.

A partir de que momento poderemos considerar que o ABC ganhou escala?

Um bom indicador é o cumprimento dos compromissos assumidos em Paris até 2030, ou seja, alcançar a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagem degradada e implantação de 5 milhões de hectares de iLPF. Porém precisamos avançar no que diz respeito a MRV (mensuração, relato e verificação) na agropecuária brasileira. Algumas iniciativas importantes estão caminhando, como o GHG Protocol Agrícola e a Plataforma ABC da Embrapa, que são ferramentas de relato e monitoramento de GEE. Essa é, inclusive, uma demanda fundamental: a parte de monitoramento precisa ser melhorada, para se saber o quanto o Plano ABC, por exemplo, está sendo eficiente. Neste ano o Observatório ABC verificou que a maioria dos recursos acessados vão para recuperação de pastagem e plantio direto. Mas isso não quer dizer que essas práticas ocorram somente em função dessa linha de crédito.

No início do ano, o GT fez um documento apresentando oito maneiras de se dar escala ao ABC, incluindo agroenergia e valorização do carbono sequestrado pela vegetação nativa nas propriedades. Dentro dos itens listados, o GT escolheu focar, no restante do ano, em assistência técnica e difusão de tecnologias do ABC. Por que isso aconteceu?

Existem aspectos satisfatórios, como técnicas de agropecuária de baixo carbono, que já estão bem desenvolvidas no Brasil. Mas a assistência técnica e a difusão de tecnologia são historicamente defasadas. E uma vez que mostramos ao produtor rural que a agropecuária de baixo carbono existe, ele precisa saber que o conceito pode ser aplicado, sim, em suas terras.

O GT idealizou e realizou uma mesa-redonda sobre assistência técnica e difusão de tecnologias em Brasília, em outubro. Por que o evento foi lá?

Resolvemos promover esse debate em Brasília para ter a participação do poder público, pensando sempre em construir um caminho juntos. Já que a Coalizão é formada por organizações da sociedade civil, iniciativa privada e academia, quisemos chamar a outra ponta, que é o setor público, para refletir sobre as soluções para a assistência técnica e difusão de tecnologias.

Qual o papel do setor público nessa busca por soluções?

Ele tem uma relevância fundamental para chamar atenção para essas ações. Não achamos que o papel da assistência técnica é só do governo, mas ele já tem trabalhado com isso há muito tempo. Então, tem o know-how e conhece os gargalos a serem superados para que se ganhe escala. É importante conversar e visualizar como cada um pode contribuir. Há iniciativas boas do governo, mas não são suficientes.

Quais foram os principais resultados da mesa-redonda?

Conseguimos trazer alguns setores importantes do governo envolvidos com ABC e com capacitação e assistência técnica. Ficou claro que a difusão de tecnologias deve ser participativa, com o produtor se envolvendo ativamente nesse processo. Uma alternativa é que o planejamento para dar essa assistência seja feito em nível municipal ou estadual, pois pode ser mais fácil do que fazer em escala maior. Outra conclusão é que precisa haver parcerias entre poder público, setor privado, academia, federações agropecuárias, sindicatos e cooperativas, pois o ganho de escala de assistência técnica e difusão de tecnologias só vai ser um sucesso se houver uma convergência de atores envolvidos com agropecuária no Brasil. Além das técnicas de produção em si, é importante que a assistência consiga abranger a gestão do negócio. Essa parte ainda é muito incipiente, em especial para o médio e pequeno produtor. Finalmente, tem a questão da formação dos técnicos que vão levar a assistência para o produtor. Precisa haver mais desses profissionais, e eles devem ser valorizados.

O que será feito com os resultados da mesa-redonda?

Vamos lançar um posicionamento e planejar ações de advocacy. Daí, sentaremos novamente com governo, tendo esse produto em mãos, para sinalizar como a Coalizão pode colaborar.

No webinar que o GT fez em 21 de novembro colocou-se que tanto no Plano ABC como na NDC brasileira a recuperação de pastagens degradadas e o ILPF são carros chefe. Esse é o rumo certo para economia de baixo carbono?

Sim. Um ponto importante é que o Brasil tem uma pecuária em grande parte extensiva, baseada em pastagem como a base da produção. Assim, é de interesse do produtor que a pastagem esteja boa, pois ele produzirá mais e aumentará sua eficiência. O ILPF tem essa mesma base — ter uma pastagem melhor— e você ainda consegue diversificar sua produção, correndo menos risco financeiro, porque não depende de um produto só, vai ter pelo menos três. Está bem claro que são duas técnicas que, além de descarbonizar, aumentam a eficiência produtiva da agropecuária.

A questão da agricultura familiar aparece como um ponto de atenção especial. Qual a importância de se direcionar ações específicas para esse grupo?

A agricultura familiar não pode ser excluída do processo de descarbonização. Na maioria das vezes ele envolve investimentos que têm que ser usados a curto prazo, e temos de ficar atentos para como inserir o agricultor familiar e o pequeno agricultor, que geralmente têm menos recursos para aplicar na propriedade. O ABC deve ser inclusivo.

Para 2017, quais serão as primeiras ações do GT?

Queremos continuar a trabalhar com o tema da assistência técnica, começando por fechar um posicionamento. Mas isso é só o começo da história, o importante é trabalhar com o governo, darmos nossa colaboração para um processo em construção. Outro tema que estamos estudando é a questão do crédito e financiamento para ABC. 

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