Para Marcelo Furtado, diretor-executivo do Alana Foundation, presidente do Conselho do WRI Brasil e membro fundador da Coalizão Brasil, o ano de 2020 começou com uma nova guinada na agenda climática: os investidores sinalizaram que esse tema passa a ser central em suas estratégias. Cabe ao Brasil provar que é um bom destino desses investimentos e que está alinhado às oportunidades do mercado de baixo carbono.
Nesta entrevista, Furtado aponta os principais momentos da agenda internacional, que envolve os esforços de todos os países no enfrentamento das mudanças climáticas, o papel do Brasil e da Coalizão. Confira:
2020 começou quente, com uma sinalização clara em Davos: o mundo dos investidores recebeu pressão suficiente, dos seus clientes e dos seus negócios investidos, de que a emergência climática faz parte, hoje, da decisão de investir. Na reunião anual dos grandes fundos, na qual a alta diretoria define em que irão investir, o principal indicador que interessa é o risco-oportunidade. E, dentro do risco, nas questões típicas que são analisadas, está a dimensão socioambiental. O contexto de Davos deixou muito claro que, além do risco climático, a leitura sobre externalidades positivas do investimento (resiliência) a ser feita também passou a ser realidade. Agora, naquela sala onde a “ESG” (dimensão ambiental, social e governança) não estava na mesa, ela passou a ser um dos elementos fundamentais na tomada de decisão. Isso é muito significativo.
Foi dito, por exemplo, que o BlackRock, fundo de 7 trilhões de dólares, após anunciar que as questões climáticas estariam no centro de sua tomada de decisão, teria imediatamente perdido um cliente de 100 bilhões de dólares de alguns clientes. Por outro lado, outros 300 bilhões de novos investimentos ingressaram no fundo, demonstrando alinhamento a essa decisão.
A BlackRock e outros fundos têm sido alvo de denúncias pelo financiamento da indústria fóssil e destruição da biodiversidade. A sinalização é que o mundo financeiro mainstream resolveu olhar com mais seriedade para a questão climática como uma matéria de risco e oportunidade.
Teremos uma Conferência das Partes – COP da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) 2020 em Kunming, na China, em outubro, e o país certamente estará muito interessado em fazer anúncios significativos, já que a última COP foi um fracasso e há uma expectativa de avanços neste ano. Existe um interesse estratégico da China de mostrar ao mundo como esta nova economia chinesa olha para a questão clima e biodiversidade. A junção entre essas duas agendas é fundamental, mas ainda não aconteceu. Vale lembrar que, neste cenário do coronavírus, há o desafio de conseguir que as Nações Unidas mantenham a reunião na China e que chefes de estado se comprometam a ir para lá.
Teremos também a COP 26 do Clima, que será realizada em novembro, em Glasgow, Reino Unido. Será a primeira COP em um contexto de Brexit. A pergunta que está no ar agora é: no momento em que o Reino Unido sai da União Europeia, a sua visão sobre clima, economia de baixo carbono e sustentabilidade muda? E, se muda, é para pior? Acho que eles farão um enorme esforço para mostrar que continuam comprometidos com a agenda climática, como um país que quer investir nessa economia de baixo carbono.
Em tese, o papel desses encontros internacionais é construir os grandes acordos multilaterais do mundo. As convenções da ONU são a instância multilateral maior que existe, em que os países negociam e compartilham sua visão, sua política, suas necessidades para o cumprimento das metas acordadas. O mandato da CBD é biodiversidade, e o mandato da UNFCCC é o enfrentamento da mudança climática. Já o Fórum Econômico Mundial, de Davos, é outra coisa. Ele não é um evento do sistema ONU, multilateral etc. Davos traz uma sinalização sobre o que os setores da economia global estão pensando e como o mercado está reagindo ou vendo as ações e políticas públicas que são acordadas no foro multilateral da ONU. O que está absolutamente claro é que os desafios do enfrentamento da crise climática e da não destruição da biodiversidade só podem ser encarados se nós trabalharmos juntos e remando na mesma direção.
Um dos grandes desafios que marcou a COP 25 foi a negociação sobre o Artigo 6, é o que se pode fazer para caminhar na precificação de carbono, para que você possa valorizar, criar uma externalidade positiva para aqueles países que estão reduzindo suas emissões ou que eventualmente cumprem um papel de serviço ecossistêmico para o mundo. Esse jogo, para dar certo, tem duas regras muito simples: a primeira é que tem que ter integridade socioambiental, e a segunda, que não pode ter contagem dupla ou hot air, que é criar créditos de carbono que não existem.
Dito isso, entra uma terceira conversa, que é como essas reduções poderão ser feitas. E dentro disso, há uma discussão sobre o papel das florestas e da agricultura nesse processo de redução, porque, dependendo de como for feito, tanto a agricultura como até a pecuária podem ser carbono positivo. É possível manejar pasto, integrar boi com floresta, entre outras maneiras de olhar para a agricultura e a pecuária, com vantagens para o Brasil em termos de absorção de carbono.
Na COP 25, o Brasil levou apenas o objetivo de conseguir o Pagamento por Serviços Ambientais. PSA é muito importante, mas não suficiente. O país precisa levar uma agenda de desenvolvimento socioambiental para a COP 26. A Coalizão já identificou que este debate tem que ser levado também para o Ministério da Economia, em diálogo com os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura. O ministro Guedes (ME) foi para Davos e a declaração principal dele foi “we are open for business”. Agora queremos que o Brasil, internamente, implemente o Código Florestal, combata o desmatamento, fomente a inovação na agricultura e floresta. No plano internacional, que passe pela COP da Biodiversidade da China e depois vá para a COP 26 do Clima, com uma estratégia integrada, com a mensagem “we are open for the bioeconomy business”, que é exatamente onde as duas COPs se encontrarão.
A Coalizão pode atuar como um articulador de um esforço no qual o foco será criar essa nova economia. O movimento ajudou a fazer a primeira NDC. Então, este é o momento que nós, como Coalizão, entendemos que não podemos aceitar retrocessos. Devemos ampliar nossa base de membros e os esforços para que o setor de agricultura e floresta dê uma contribuição ainda maior na boa gestão do uso da terra. Assim, poderemos ser mais ambiciosos no enfrentamento da crise climática, geração de emprego, renda e uma verdadeira economia de baixo carbono.
Eu faria a pergunta de um jeito diferente. Como é que a Coalizão pode fazer a agenda de biodiversidade e clima avançar no país? Nossa primeira preocupação é conseguir resultados aqui no Brasil. O que a gente vai precisar é destravar essa negociação do que chamamos de Artigo 6, mas que na verdade é uma discussão sobre Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) e crédito de carbono. Precisamos que isso seja regulamentado e que se torne um mercado nacional. Com isso, muitas outras coisas serão destravadas também, como o dinheiro do ABC (Programa Agricultura de Baixa Emissão de Carbono), porque você vai estimular essa agricultura e o acesso a esses recursos. Ou seja, todo nosso discurso deve estar voltado para as ações que a gente precisa para criar essa economia de baixo carbono.
Esses fundos de investimento, como a BlackRock, precisam saber que no Brasil você vai ter bons projetos. Para que isso aconteça, vamos precisar de políticas que viabilizem isso.
E como elas têm que ser aprovadas no Congresso, é super importante que o Parlamento esteja alinhado. Pelas falas dos parlamentares em Madri (COP 25), me parece que eles já entenderam isso. Onde precisamos fazer a ficha cair agora é no mundo dos investimentos, para sinalizar que o Brasil é um lugar “investível” e criar o ambiente necessário para que isso aconteça. Mas a credibilidade das ações do Brasil só acontecerá se o país fizer duas coisas: 1) bloquear as iniciativas no Congresso de leis que fomentam mais ilegalidade, desmatamento e fragilização do Código Florestal; e 2) cumprir a sua NDC e se posicionar no campo dos países que concordam com o aumento de ambições.
Quem vai atrair os investimentos é a parte mais progressista do agronegócio, porque os investidores não querem arriscar a botar dinheiro em atividades com risco de violência, desmatamento, mão de obra escrava etc. O Brasil deve se posicionar a favor do aumento das ambições do Acordo de Paris para todos os países. Porque, ao fazer isso, estaremos também ampliando o mercado para produtos de baixo carbono do Brasil.