01/2021

Tempo de leitura: 12 minutos

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Entrevista: Aprovação da Política Nacional PSA é um avanço sem precedentes, mas próximos passos trazem grandes desafios

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Foto: Divulgação

O Projeto de Lei 5028, de 2019, que institui a Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) foi aprovado, em dezembro pela Câmara dos Deputados, e sancionado pela Presidência da República, com vetos, tornando-se a Lei 14.119, de 13 de janeiro.

O tema estava em discussão desde 2007 e tem sido acompanhado pela Coalizão Brasil desde sua fundação. “A lei representa um avanço sem precedentes para a valoração de esforços capazes de impulsionar a agenda da sustentabilidade no país”, diz Erika Pinto, pesquisadora no Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), líder do Fórum de Diálogo de Políticas Públicas e Instrumentos Econômicos e da Força-Tarefa Pagamento por Serviços Ambientais (FT PSA) na Coalizão Brasil

Nesta entrevista, Erika contextualiza a lei, fala sobre a importância dessa conquista e também sobre os desafios que a Coalizão e o Brasil enfrentarão nos próximos passos do PSA. 

O que é o PSA e por que ele é importante para a agenda de clima, florestas e agricultura?

O pagamento por serviços ambientais é um incentivo econômico com o papel de estimular a conservação ambiental a partir de uma mudança de comportamento gerada pela valoração de um serviço (ambiental) que, até então, era visto e tratado como um bem gratuito. Ainda, os instrumentos econômicos devem ser vistos como medidas complementares aos instrumentos de comando e controle.

Para a agenda de clima, florestas e agricultura, é uma estratégia fundamental, uma vez que a perda de cobertura florestal e sua biodiversidade contribui para o agravamento das alterações climáticas responsáveis pela redução do volume de chuvas, entre outros efeitos, e consequentemente compromete a capacidade da produção agropecuária no país. De acordo com alguns especialistas, o desmatamento e a degradação florestal na Amazônia são responsáveis pela perda de 40% a 50% da sua capacidade de bombear e reciclar água. O estresse hídrico na região resultará em uma queda drástica na produtividade agrícola e de pastagens.

Assim, os incentivos econômicos podem ser usados para valorar aqueles que promovem a manutenção e/ou recuperação das funções desempenhadas pela floresta em pé, por exemplo, regulação do clima, ciclagem de nutrientes, controle de erosão, reduzindo as vulnerabilidades aos impactos das mudanças climáticas.


A Lei nº 14.119, que institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, foi sancionada esta semana. O que essa notícia significa para a agenda agroambiental do Brasil?

Ela representa um avanço sem precedentes para a valoração de esforços capazes de impulsionar a agenda da sustentabilidade no país. A lei reconhece os serviços ambientais como passíveis de remuneração, define diretrizes e cria segurança jurídica para as iniciativas de PSA. Ainda, a política gera um ambiente favorável capaz de atrair investimentos em prol da conservação e recuperação do capital natural no país. Ao reconhecer “a utilização do pagamento por serviços ambientais como instrumento de promoção do desenvolvimento social, ambiental, econômico e cultural das populações em área rural e urbana e dos produtores rurais, em especial das comunidades tradicionais, dos povos indígenas e dos agricultores familiares”, a lei integra o setor produtivo e ambiental numa mesma agenda e define como prioritárias aquelas populações mais vulneráveis do ponto de vista socioeconômico e climático.


Como foi o trabalho de diálogo por trás da construção dessa lei e qual foi o papel da Coalizão?

A matéria tramita no Congresso Nacional desde 2007 via PL 792/2007. Eu e muitos especialistas que hoje são membros da FT PSA já acompanhamos este debate desde então, antes de a Coalizão Brasil ser criada. Dentro da Coalizão, foi criado, inicialmente, um grupo de Instrumentos Econômicos com esses representantes de diversas entidades e promovemos, no âmbito do movimento, um diálogo na Câmara dos Deputados com o deputado Evair de Melo, relator na época do PL 792/2007. Com a aprovação do PL 312/2015 no final de 2019 (lembrando que o substitutivo do PL 312/2015 é o mesmo texto do PL 792/2007, exceto pela exclusão de um Fundo Nacional de PSA), o texto foi para o Senado e nós fizemos um trabalho de diálogo com a Comissão de Meio Ambiente e com a assessoria legislativa do então relator, o senador Fabiano Contarato (REDE). A influência da FT PSA foi fundamental para corrigir aspectos críticos no texto da lei que ameaçavam a existência de esquemas subnacionais de PSA viabilizados graças à alocação de recursos públicos. Estimulamos a realização de três audiências públicas no Senado para qualificar e legitimar o debate. No final de 2020, o parecer do senador Fabiano Contarato foi votado contemplando grande parte das nossas demandas. Um acordo com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) neste processo foi fundamental para alinhar as sugestões propostas pela Coalizão e garantir a aprovação do texto. Além disso, mantivemos um diálogo constante com os parlamentares da Câmara envolvidos no tema como, por exemplo, os deputados Arnaldo Jardim, Camilo Capiberibe e Rodrigo Agostinho. Ainda no final de 2020, o texto foi votado na Câmara, aprovado e encaminhado para a sanção presidencial que, na semana passada, o aprovou com vetos que ameaçam a efetividade do programa federal previsto na lei.

(Os vetos presidenciais preocupam a Coalizão Brasil, pois o movimento considera que comprometem temas relacionados a governança e transparência do Programa Federal de PSA previsto na lei. Leia posicionamento da Coalizão que solicita a derrubada dos vetos pelo Congresso).

Quais foram os maiores desafios ao longo do advocacy com o governo nesse processo?

O primeiro desafio foi o conceito de adicionalidade. Explico: tivemos que mudar a visão sobre a adicionalidade de diversos parlamentares e parceiros da sociedade civil, que a associavam ao cumprimento de lei. As experiências de Pagamento por Serviços Ambientais já em curso no país, seja com recursos públicos, privados ou ambos, têm demonstrado adicionalidade nos resultados alcançados, uma vez que o uso do incentivo econômico se mostra capaz de promover uma mudança de comportamento em prol da provisão e/ou recuperação de serviços ambientais, os quais, na ausência de tal incentivo, estariam inviabilizados.

Em segundo lugar, as dificuldades de interlocução com o Ministério do Meio Ambiente (MMA) num momento crítico de lançamento de um programa de PSA, o Floresta +, para, em um esforço conjunto, avançarmos nesta agenda. Por fim, o outro desafio foi harmonizar o texto do projeto de lei de PSA com o Artigo 41 do Código Florestal que trata do mesmo tema.

Como você vê a contribuição do Congresso Nacional (Câmara e Senado) nessa agenda?

Há muitos parlamentares que entendem o tema e o fortalecem no Congresso. Porém, é uma matéria que demanda um processo mais amplo de debate e de sensibilização diante do potencial que ela representa. Isso ainda é muito frágil no Congresso Nacional, na minha visão. Falta também o alinhamento da discussão com outras políticas relacionadas ao tema, como a PNMC (Política Nacional sobre Mudança do Clima), a retomada da discussão de regulamentação do Artigo 41 do Código Florestal, a ENREDD+ (Estratégia Nacional para REDD+) e os estudos sobre precificação de carbono lançados recentemente pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE), entre outros.


Agora que temos uma Política Nacional, quais são os próximos passos?

Temos que articular a estratégia para a derrubada dos vetos e ampliar o debate, trazendo para ele outras instituições de extrema importância e o setor privado. Também devemos criar caminhos alternativos para mitigar os danos que podem ser causados num cenário de não derrubada dos vetos.


Ainda sobre os próximos passos, como a aprovação dessa política brasileira de PSA dialoga com a agenda internacional de clima, que deve ganhar mais relevância agora com as mudanças no cenário mundial, como a eleição americana e a discussão de acordos multilaterais como UE-Mercosul?

Essa lei cria segurança jurídica e um ambiente mais favorável para PSA no país, mas ela está longe de resolver muitos problemas. Precisamos analisar as oportunidades nesse novo cenário global e partir desse ambiente jurídico mais favorável para estimular o avanço das iniciativas, atrair o setor privado e ajudar a garantir um ambiente regulatório favorável para além do alcance desta política. Por isso, estamos promovendo diálogos mais frequentes entre a FT PSA e a FT Mercado de Carbono, no âmbito da Coalizão Brasil.


De onde deve vir a maior parte dos recursos para PSA? Qual é o papel dos setores privado e financeiro, nacional e internacional, para que o PSA saia do papel e se torne uma realidade?

No contexto atual, eu acredito que os esquemas de PSA ainda vão depender por um bom tempo de recursos de filantropia, recursos públicos, fundos estaduais, financiamento de bancos de investimento etc. O ICMS Verde já utilizado para este fim compensatório pode ser também uma saída, mas demanda um trabalho junto aos gestores municipais para fortalecer a aplicação do recurso para fins de incentivo na forma de PSA, por exemplo. O setor privado pode ser mais atraído para os esquemas se pudermos oferecer, pelo menos, isenção fiscal. Para isso, teremos que derrubar o veto que retira os incentivos tributários e fiscais. Nesta fase de recuperação da economia pós-pandemia, acredito que o setor privado tenha um papel fundamental de aumentar os esquemas de PSA para compensar suas emissões ou outros fins. De qualquer forma, a política fortalece as discussões sobre um potencial mercado de serviços ambientais que foi inserido entre seus objetivos e diretrizes (Art 4º), mesmo sendo esta uma meta possível apenas no médio e longo prazo.

A Coalizão é um movimento que busca construir consenso entre os diferentes setores da sociedade por meio do diálogo e levar as propostas que são fruto desse consenso ao governo. Que aprendizados você poderia compartilhar como líder da FT PSA à frente desse processo de diálogo-consenso-advocacy?

Acho que o principal aprendizado de todo o processo é ter humildade de ouvir todos os diferentes interesses e visões e entender que, às vezes, é melhor conseguir o bom do que batalhar pelo excelente e não conseguir nada. A Coalizão traz a oportunidade de você acionar especialistas de diversas áreas para te ajudar a avaliar do ponto de vista técnico, jurídico e político o caminho que você deve traçar para alcançar sua meta. Então, você tem uma rede que realmente funciona se você promove os espaços de diálogo e lidera um processo em que cada um pode dar o melhor de si. Outro ponto importante é saber lidar com as discordâncias, porque são elas que nos forçam a fortalecer ou rever nossa narrativa, sempre evoluindo.

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