03/2017

Tempo de leitura: 11 minutos

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Entrevista: Jeanicolau de Lacerda explica por que transparência é importante para combater o desmatamento ilegal

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Foto: divulgação

A rastreabilidade e a transparência do setor madeireiro são dois objetivos do Grupo de Trabalho (GT) de Economia da Floresta Tropical da Coalizão Brasil, por serem essenciais para coibir a ilegalidade da madeira nativa e incentivar o aumento da área de manejo florestal sustentável no país. Um passo significativo nessa direção foi dado neste mês, com o lançamento, pelo Ministério do Meio Ambiente e Ibama, do Sistema Nacional de Controle da Origem de Produtos Florestais (Sinaflor). Na entrevista a seguir, Jeanicolau de Lacerda, assessor da Precious Woods Holding, um dos líderes do GT, explica que o Sinaflor responde a alguns desafios, mas que também há ainda muito a ser feito para obter clareza sobre toda a cadeia de custódia da madeira nativa no país. “É uma forma de entender os caminhos verdadeiros da madeira”, afirma. O GT colocou-se à disposição para contribuir com as melhorias do sistema. Também segue atento a outros objetivos, como a implementação da NDC.  “Com o aumento do controle e da transparência, você protege a floresta. Com isso, você diminui emissões de gases do efeito estufa e contribui com o cumprimento da meta de acabar com desmatamento ilegal na Amazônia até 2030”.

Qual foi a reação do GT ao saber da criação do Sinaflor?

Foi positiva, porque esse é o primeiro passo de algo que já vínhamos solicitando há muito tempo, que era, em primeiro lugar, o aumento no nível de segurança do sistema. É o que fizeram com o Sinaflor, pelo menos em parte, e continuarão a fazer. É o primeiro indicador de que as coisas estão acontecendo.  O Sinaflor não está completo, mas veio melhorar o que já existia.

O que significa um sistema que está com maior nível de segurança?

O aumento de segurança vem do fato de que todos os demais “subsistemas” – o Sistema Nacional do Cadastro Ambiental Rural (Sicar), o Plano Operacional Anual (POA), o próprio Documento de Origem Florestal (DOF) – estão sendo integrados. Isso é importante, pois reduz-se a possibilidade de haver dados conflitantes ou errados sobre uma mesma informação, de um sistema para outro. Com a integração, os dados passam a ser únicos. Por exemplo, a possibilidade de uma pessoa declarar que possui área de florestas em locais improváveis, como no meio de uma cidade, não existe mais, pois a integração com o Sicar permite verificar a correção dos dados apresentados. Isso já é visível na primeira fase do Sinaflor. É algo que já era feito em alguns estados, mas agora tudo será colocado a nível federal. Os sistemas estaduais também estarão, a médio e longo prazos, integrados ao Sinaflor.

Quais as principais vantagens do Sinaflor?

A redução da possibilidade fraudes, pela integração dos vários dados, é uma das grandes vantagens, a mais evidente. Mas tem outras. Todas as movimentações que forem feitas no sistema serão informadas simultaneamente à empresa e a seu responsável técnico. Isso vai reduzir a possibilidade do uso indevido dos dados de uma empresa, como a apropriação não autorizada de CNPJ e dados de uma determinada empresa para fazer movimentação irregular de produtos florestais. Agora, o responsável técnico e a empresa serão sempre informados online sobre qualquer movimentação. Funciona como seu cartão de crédito. Toda vez que se faz uma movimentação, o cartão avisa a pessoa, por exemplo, enviando um SMS para o seu celular. Do mesmo modo, cada vez que houver uma movimentação no DOF, a empresa será avisada. Além disso, todos os procedimentos de aprovação ou de plano de manejo, entre outros procedimentos, serão feitos via internet, o que reduz a demanda de tempo e o deslocamento até um órgão público responsável e aumenta o grau de confiabilidade.

Durante o lançamento do sistema, o ministro e a presidente do Ibama afirmaram que haverá uma nova versão. O que se espera dessa versão “2.0”?

O foco das inovações implantadas no sistema está na parte de geração de créditos, ou seja, do volume de madeira que pode ser explorado em uma determinada área ou propriedade. Era um problema sério, que melhorou bastante. Porém, toda a cadeia de custódia continua desguarnecida e precisa que se melhore seu controle. O sistema DOF funciona como um sistema de conta corrente, em que tudo se inicia no saldo de volume de madeira gerado no plano de manejo. Este saldo, após o corte da madeira, vai sendo transferido aos poucos da floresta para uma serraria, desta para um distribuidor, deste para um processador, e assim sucessivamente até o final da cadeia. Esse caminho é o que chamamos de cadeia de custódia. Mas ainda é preciso garantir melhor o conhecimento sobre quem comprou o que de quem. Atualmente, esse esquema pode ser maquiado e não há segurança sobre o caminho que a madeira faz. Já com madeira certificada, você conhece o caminho. No caso da certificação do FSC, você sabe as coordenadas geográficas da localização das árvores que foram abatidas, para qual serraria elas foram enviadas, para qual distribuidor a madeira serrada foi entregue, e para quem (um produtor de piso, por exemplo) ela foi vendida. Você sabe exatamente esse caminho. Isso precisa ser feito no sistema. Isso é a rastreabilidade da cadeia de custódia que deverá ser tratada na “versão 2.0” do Sinaflor. Haverá ainda outra versão, que trabalharia a questão da transparência.

O GT começou a atuar, no ano passado, na transparência do setor. Pode fazer uma avaliação desse trabalho e o que o Sinaflor significa para esse objetivo?

A questão da transparência tem a ver com deixar claro, para os consumidores, quem compra madeira de quem. É uma forma de entender os caminhos verdadeiros da madeira. Os dados poderiam ser abertos agora, independentemente do Sinaflor. Mas a questão da transparência é vinculada a uma decisão jurídica interna do Ibama, e a Procuradoria do Órgão tem posição contrária, alegando sigilo comercial de transações. O ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, disse que é favorável à abertura dos dados, e a presidente do Ibama, Suely Araújo, também. Mas a questão é, o que pode ser aberto? Precisamos tornar transparente quem comprou madeira de quem, assim como o volume negociado. Caso contrário, nunca vamos entender a cadeia de custódia. E isso não tem nada a ver com o Sinaflor. Está muito mais vinculado a uma decisão jurídica do que a uma solução técnica.

A transparência pode ser contemplada pelo Sinaflor?

Sim. Na versão “2.0” do Sinaflor, seria colocada a questão da cadeia de custódia. E a outra versão seria a do sistema aberto. É importante dizer que a Coalizão Brasil se comprometeu a ajudar na versão “2.0” e na “3.0”. Os problemas que nós apontamos são frutos de discussões, mas também temos por norma levar as soluções. Nós nos dispusemos a colaborar, e tanto o ministro quanto a presidente do Ibama, bem como o Serviço Florestal Brasileiro, já contam com nossa ajuda. Na questão da cadeia de custódia, disponibilizamos a experiência individual das empresas e das organizações participantes do GT: a Amata e a Precious Woods podem testar o sistema. O FSC e o Imaflora também se prontificaram a ajudar no desenvolvimento do sistema. Dentro do FSC, por exemplo, as questões de cadeia de custódia vêm sendo discutidas há mais de 20 anos. Criamos também um grupo de apoio técnico, que se reunirá em breve. E haverá novas visitas de campo, com participação do Ibama, para desenvolver o tema. Passaremos tudo que sabemos para facilitar o processo de construção das novas versões.

Na visita do ministro Sarney Filho à Precious Woods na Amazônia, no mês passado, o GT apresentou três pleitos: transparência no setor, compras públicas de produtos madeireiros certificados e a criação de um grupo intersetorial para debater o manejo florestal. Qual a situação dessas outras reivindicações?

A transparência está sendo discutida. Há boa vontade do Ibama, mas há questões jurídicas que precisam ser trabalhadas. Porém, não é algo que a gente sinta que não tem solução. Quanto ao pleito sobre a criação de grupos intersetoriais, de alguma forma isso está acontecendo. A gente vem participando de processos dentro do Ibama e do ministério do Meio Ambiente. Um primeiro grupo vai ser esse de ajuda para o Sinaflor, e outros virão na esteira. Portanto, está caminhando. Já quanto à reivindicação de exigência de produtos madeireiros certificados em compras públicas, o ministro falou favoravelmente, mas ainda não sabemos o quanto ela andou.

Quais são os próximos passos do GT de Economia da Floresta Tropical?

Uma meta mais específica do GT, agora, é contribuir com o desenvolvimento e implantação do Sinaflor, na versão atual e futuras, e sua integração com os estados. Hoje, o grande objetivo desse grupo é conseguir reduzir a ilegalidade no setor, aumentando o nível de controle de emissões de autorizações de extração e comercialização, entre outros. Isso está muito vinculado ao Sinaflor e à abertura dos dados. Fora isso, temos as outras questões, como a implementação da NDC brasileira e o aumento da área de manejo florestal sustentável no país. O grande foco disso tudo é o combate à ilegalidade.

Qual a relação entre a transparência e rastreabilidade no setor madeireiro e o combate à ilegalidade com a implementação da NDC brasileira?

Tem tudo a ver, porque a questão do desmatamento ilegal tem a ver com a diminuição de estoque de carbono, e parte do desmatamento ocorre também para atender à produção de madeira. Portanto, o aumento do controle e da transparência estão diretamente ligados à NDC. São fatores importantes, pois você protege a floresta. Com isso, você diminui emissões de gases do efeito estufa e contribui com o cumprimento da meta de acabar com desmatamento ilegal na Amazônia até 2030.

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