09/2016

Tempo de leitura: 8 minutos

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Entrevista: Mauricio Voivodic explica como a transparência de dados promove a madeira legal

Mauricio VoivodicFoto: Clóvis Fabiano

Aumentar em dez vezes até 2030 a área de manejo florestal sustentável rastreada e combater a ilegalidade de produtos madeireiros de florestas nativas no país é uma das propostas da Coalizão Brasil e o objetivo principal do Grupo de Trabalho de Economia da Floresta Tropical. Para tornar essa proposta uma realidade, o GT identificou como prioritária a promoção da transparência de dados no setor, o que levará ao combate à ilegalidade nessa cadeia produtiva, esclarece Mauricio Voivodic, gerente de projetos do Imaflora e um dos líderes desse GT. “Uma vez que tenhamos conseguido a transparência de dados, geraremos inteligência para o seu uso e estabeleceremos uma conversa com governos sobre outras pautas da agenda florestal nessa rota de manejo sustentável.”

Qual é o objetivo do GT para 2016 e por qual razão ele foi escolhido, frente ao objetivo geral do grupo?

O objetivo geral do grupo é decuplicar a área de manejo florestal rastreada de nativas até 2030 e acabar com a ilegalidade. Ao analisarmos qual seria a prioridade para avançar nesse caminho, percebemos que, qualquer que seja a rota para reduzir a ilegalidade ou para promover o manejo florestal, ela esbarra na falta de transparência no setor. Ela não permite enxergar onde estão os problemas, o que impede que as ações certas sejam tomadas pelo mercado e pelo governo. Então, o objetivo para 2016 é a promoção de transparência do setor, por meio do acesso e disponibilização pública dos dados de produção, comercialização e transporte de madeira nativa da Amazônia.

Que benefícios a transparência trará para o setor e para o país, quando esse objetivo for cumprido?

Ao dar mais transparência, conseguiremos perceber as inconsistências dos dados e sinais de ilegalidade no setor. Ela vai jogar luz nas questões relacionadas às fraudes nesse mercado. A transparência também é o ponto de partida para que o mercado possa adotar mecanismos de rastreabilidade e ter mais conhecimento da origem da madeira que está sendo comprada. E a nossa expectativa com isso é que se possa optar por manejo florestal de origem legal e sustentável. Em relação às questões para o país, reduzir a ilegalidade significa reduzir a corrupção, a sonegação de impostos, o trabalho informal e as relações de trabalho insalubres no setor. O estudo que a GVces realizou para a Coalizão sobremanejo florestal mostra que essa transição para legalidade na madeira tropical impacta o Produto Interno Bruto (PIB), porque gerará mais emprego e aumentará a arrecadação de impostos.

Tem uma questão de confiança do comprador…

Tem essa questão, também. Nos últimos anos, a exportação de madeira da Amazônia caiu muito, mas a demanda internacional de madeira tropical não está caindo na mesma proporção. O que tem diminuído realmente é a participação brasileira neste mercado. Esse é um sinal de que os compradores internacionais perderam a confiança na madeira oriunda da Amazônia brasileira. A transparência permite retomar essa confiança e, com o tempo, aumentar a exportação.

Em junho, houve uma reunião de representantes do GT e da Coalizão com o Ibama, para falar sobre a transparência de dados. A que dados se referiam? Que avanços houve após esse encontro?

A discussão com o Ibama começou como uma estratégia do GT. Era uma articulação política de alto nível, feita pela Coalizão diretamente com o ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, e a presidente do Ibama, Suely Araújo. Essa articulação inicial resultou em outra reunião com a presidência do Ibama e seus principais diretores. Tratamos da disponibilização do banco de dados do chamado DOF (Documento de Origem Florestal), que o Ibama detém e concentra dados da Amazônia, à exceção do Pará e MT, que possuem sistemas próprios. Esses dados não são públicos, mas nosso entendimento é que, por lei, deveriam ser tornados públicos. A presidente do Ibama sinalizou positivamente e propôs uma nova reunião, de encaminhamento com sua equipe técnica, quando se falou novamente de transparência dos dados. Agora, estamos no momento de verificar como isso está andando dentro do órgão e para quando podemos esperar o acesso aos dados. Ou seja, ainda não temos o produto que queremos e precisamos entender por que não, os desafios para que isso aconteça e quando acontecerá.

Há algum exemplo de país ou região onde essa questão da rastreabilidade, transparência e redução da ilegalidade foi bem resolvida? Podemos aprender com ele?

Não em países de floresta tropical. Há vários setores que têm essa questão de transparência definida por acordo e convenção internacional. A madeira é um recurso natural e deveria ter os dados de extração e produção disponibilizados. Há uma rede internacional, promovida pelo WRI, chamada Forest Legality Alliance, que discute esse tema de rastreabilidade e da transparência com governos e mercados compradores, mas nos países de floresta tropical não há exemplo de que essa questão tenha sido superada. A proposta da Coalizão é pioneira em realmente enfrentar a ilegalidade e tratar da transparência de frente.

O setor de florestas nativas ainda é pouco representado na Coalizão? O que isso quer dizer e como o GT pretende mudar essa realidade, caso necessário?

A Coalizão tem um foco muito forte no setor do agronegócio e de florestas plantadas. Até por uma questão de distância, não houve no início uma aproximação da Coalizão com empresas madeireiras – elas estão em Belém, Cuiabá, Porto Velho etc., e a maior parte das reuniões do movimento se dá em São Paulo. Nosso GT já está conversando sobre a Coalizão com empresas que compartilham a preocupação com ilegalidade. Mas ainda não houve um processo real de engajamento. É fundamental fazer essa aproximação, estabelecer esse diálogo, que poderá resultar em empresas madeireiras se tornando membros da Coalizão. Mas o que mais importa é que esse diálogo aconteça de forma periódica.

Quais são os próximos passos do GT?

Vamos para a fase final na disponibilização desses dados. Uma vez que forem a público, os membros da Coalizão estão se propondo a criar sistemas de visualização dessas informações [veja iniciativas já em andamento do Imaflora e do BVRio aqui]. E para 2017 nosso objetivo é continuar essa discussão, com o poder público, sobre as políticas para o setor. Uma vez que tenhamos conseguido a transparência de dados, o diálogo com o governo e com o setor privado para acabar com a ilegalidade assume um outro patamar. Aí, poderemos começar uma discussão propositiva sobre outras pautas da agenda florestal que fomentem a sustentabilidade e que estrangulem a exploração ilegal e predatória.

Há uma relação da atuação do GT com o Acordo de Paris ou o cumprimento da NDC brasileira?

A promoção do manejo florestal sustentável e a redução de práticas ilegais estão presentes na NDC brasileira, ainda que sem nenhuma meta específica. Mas a questão central é que nenhum modelo de desenvolvimento de baixo carbono na Amazônia pode coexistir com a exploração ilegal e predatória de madeira. Estas são atividades que geram degradação florestal, emissões de gases de efeito estufa e desmatamento. Acabar com a ilegalidade é um pressuposto para avançarmos com a agenda da economia de baixo carbono no Brasil.

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