06/2021

Tempo de leitura: 8 minutos

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Especialistas debatem caminhos para a mitigação e adaptação à mudança climática no uso da terra

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A mitigação, a adaptação e a resiliência à mudança climática foram temas do debate realizado na Primeira Plenária de 2021 da Coalizão Brasil. Os especialistas convidados discutiram o que precisa ser feito para enfrentar os impactos das alterações do clima no uso da terra. Em especial, destacou-se que muitas ferramentas e soluções já estão disponíveis, mas é necessário implementá-las e levar o conhecimento sobre elas a quem precisa.

Participaram do debate Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Leila Harfuch, gerente geral da Agroicone, Raimundo Deusdará, coordenador geral de Informações Estratégicas da Secretaria de Inovação, Desenvolvimento Rural e Irrigação, do Ministério da Agricultura, e Renata Nogueira, gerente de Sustentabilidade do Negócio Agropecuário da Cargill na América do Sul. A moderação ficou a cargo de Miguel Calmon, consultor sênior do Programa de Florestas do WRI Brasil. O debate pode ser visto no vídeo da plenária.

Na abertura do painel, intitulado “Produzir, conservar e adaptar: o futuro do uso da terra”, Rachel Biderman, vice-presidente sênior para as Américas da Conservação Internacional (CI) e cofacilitadora da Coalizão, destacou um estudo recente do Swiss Re Institute. “Ele mostra que o Brasil está entre os países com grandes vulnerabilidades à mudança climática. Muitas perdas podem acontecer. Mas a notícia não será tão ruim se fizermos a adaptação e trabalharmos nessa direção”, disse. Lembrou, ainda que, se o Brasil quer ser um grande produtor de alimentos para o planeta, ele precisa estar saudável do ponto de vista ambiental “Isso tem a ver com adaptar-se à mudança climática, e temos tecnologia para isso”.

O relatório do Swiss Re Institute, divulgado em abril deste ano, afirma que, se nada for feito pelo Acordo de Paris e pela meta de neutralizar emissões de carbono até 2050, o mundo pode perder 10% de sua economia global. Além disso, 48 das maiores economias do mundo (90% do PIB global) podem ser impactadas. O Índice de Clima do instituto analisa quais dessas 48 economias serão mais afetadas, quais estão mais expostas e quais estão mais bem posicionadas para se adaptarem ao risco climático, e o Brasil está na 38ª posição.

“Uma das maiores vulnerabilidades do Brasil é o aumento de temperatura e diminuição da precipitação”, disse Miguel Calmon. “A boa notícia é que o país sabe o caminho que precisa seguir e tem como sair desse ranking.”

Raimundo Deusdará, do Ministério da Agricultura, apresentou o Observatório da Agropecuária Brasileira. No portal on-line, lançado em maio, é possível visualizar diferentes dados, organizados em duas plataformas de navegação: uma estatística, com dados numéricos e representações gráficas, e outra geoespacial, que integra dados territoriais que podem ser visualizados e combinados em um mapa. As informações foram agrupadas em temas como agropecuária sustentável, crédito rural, produtos agrícolas, programa nacional de solos e zoneamento agrícola de risco climático. “É um data lake que possibilita aos usuários trabalhar seus cenários e análises da forma que lhes convier”, disse Deusdará. Segundo ele, o observatório é uma ferramenta que pode, ainda, orientar a formulação e o monitoramento de políticas públicas e melhorar a qualidade de tomada de decisão.

Em seguida, Eduardo Assad, da Embrapa, apresentou os impactos que a mudança climática já traz à agropecuária. Como exemplos, mostrou a perda de produtividade do café e da laranja e a morte de gado causada por alta temperatura. Afirmou, ainda, que a queda de produtividade da soja no Rio Grande do Sul chegou a R$ 15 bilhões no ano passado. Para Assad, é preciso agir com ações de restauração e adaptação, mas também conter o desmatamento, que é o maior emissor de gases de efeito estufa.

Entre as soluções para enfrentar e mitigar as mudanças climáticas na agropecuária, destacou aquelas “com árvores”, como os sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta e o lavoura-floresta (ILPF e ILF). Lembrou, ainda, que a biodiversidade brasileira é rica e precisa ser usufruída. “Vamos trabalhar a adaptação e buscar na biodiversidade brasileira as soluções mais equilibradas para a nossa economia.”

Leila Harfuch, da Agroicone, abordou o Plano ABC e o que se espera da nova fase do plano, o ABC+. Na nova fase, a narrativa será a da gestão integrada da paisagem, na qual se quer fomentar mitigação junto com adaptação e resiliência às mudanças climáticas, afirmou a especialista. “Os riscos e a crise climática já estão batendo à porta do agro e precisamos fomentar práticas e tecnologias com baixa emissão de carbono.” Para fomentar tais tecnologias, o crédito rural e o financiamento desempenham um papel de destaque. “Temos visto uma evolução importante do Programa ABC, com demanda crescente dos produtores”. Para ela, porém, é importante pensar como atrair, também, o financiamento privado para as tecnologias do ABC.

Uma forma seria a criação de um selo ou protocolo com essa visão de gestão integrada da paisagem, com adoção das tecnologias, junto à adequação ambiental perante o Código Florestal e contemplando assistência técnica para implementar as tecnologias de forma adequada. Ela acredita que isso irá reduzir riscos sob a ótica do financiador. Em paralelo, seriam necessários instrumentos de gestão de riscos também para o produtor, como seguro rural. “Precisamos dos atributos ambientais sendo integrados aos protocolos ABC+ para atrair investidores e financiamento verde.”

Renata Nogueira, da Cargill, concorda que a agricultura está sendo impactada pela alteração do clima e que ela também é chave para a mitigação. Porém, é preciso uma atuação firme para levar os conhecimentos e ferramentas necessários para isso aos produtores, incluindo os pequenos agricultores, afirmou. “Existem provas de como a agricultura pode impactar positivamente na mitigação, mas precisamos ainda engajar produtores para que isso seja regra, não exceção.” Nogueira citou algumas iniciativas da empresa em relação à soja e os biomas que foram avaliados e recebem mais atenção na América do Sul, como Cerrado, Amazônia e Chaco. Segundo ela, houve um aumento de 75% de soja certificada adquirida no Brasil no último ano, o que mostra o apetite dos produtores em ter sua propriedade se diferenciando no mercado.

Nogueira destacou dois pontos como importantes para avançar essa agenda. Um é o combate ao desmatamento ilegal, e ela lembrou que “a Coalizão já mostrou como fazer isso.” O outro é implementar, de fato, o Código Florestal, para acabar com inseguranças jurídicas, entre outros impasses.

Ao final, os debatedores destacaram que o Brasil precisa recuperar o protagonismo ambiental e climático, assumindo esse desafio como programa de estado, implementando tecnologias e promovendo pesquisa e desenvolvimento destes, principalmente para o pequeno produtor, para que ele não seja excluído desse movimento. Ainda, é preciso enfrentar o desmatamento ilegal e implementar o Código Florestal. Comunicar e levar o conhecimento que já existe para quem precisa dele também foi destacado como um desafio a ser superado.

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