05/2023

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Contribuições da Coalizão à consulta pública sobre a Fase V do PPCDAm

i. Apresentação

Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, movimento multissetorial que reúne mais de 350 membros do setor privado, financeiro, academia e organizações da sociedade civil, vê como positivo o lançamento da consulta pública sobre a Fase V do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) e a retomada desse importante instrumento que já se mostrou efetivo e eficaz no combate ao desmatamento no país.

Essa iniciativa está alinhada à proposta da Coalizão de reestruturar e implementar o PPCDAm, apresentada no documento “O Brasil que vem: propostas para agenda agroambiental do país a partir de agora”, entregue à equipe de transição do novo mandato. Com 33 propostas para os próximos quatro anos, o documento previa essa ação já para o primeiro dia do mandato presidencial.

Destacamos a transversalidade do Plano, assim como já vinha sendo anunciado pelo governo, envolvendo 13 ministérios. Acreditamos que essa é a forma mais efetiva de tratar dessa questão, considerando suas diversas implicações, e além de identificar possíveis sobreposições entre políticas e projetos, poupando, assim, esforços e recursos. Importante salientar, ainda, a presença do GPTI – Grupo Permanente de Trabalho Interministerial, que já se mostrou importante no passado no mesmo cenário de concretização do PPCDAm. Acreditamos ser essencial garantir, a partir dele, uma interlocução constante com a sociedade civil, por meio de um assento permanente do setor no GPTI, bem como a realização de seminários e eventos para divulgação das deliberações do Grupo.

Como entidade multissetorial, reforçamos a nossa visão, formada a partir do consenso entre nossos membros, de que só é possível avançar rumo a um desenvolvimento sustentável, justo e inclusivo para o Brasil com o fim do desmatamento e a promoção de uma economia baseada na floresta de pé. Acreditamos em uma nova economia, baseada em atividades com baixa emissão de carbono e na promoção da inclusão social.

Os eixos I e IV do Plano vão nessa direção, de que o combate ao desmatamento vai muito além das medidas de comando e controle, sendo fundamental abordar alternativas econômicas e contemplar instrumentos econômicos que viabilizem o desenvolvimento sem desmatamento.

É muito positiva a previsão de articulação com os planos estaduais, conforme mencionado nos eixos I e II. No entanto, o PPCDAm precisa, desde o início, indicar como serão considerados esses planos no âmbito global do programa e sem deixar de fora a ponderação de quão crucial é, para o ordenamento territorial da Amazônia, que os estados avancem em suas análises do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e da conexão deste com outros mecanismos de controle do desmatamento e combate à grilagem de terras públicas.

Ainda, é importante haver mais clareza sobre a operacionalização do Plano, com prazos, orçamento e ordem de implementação (faseamento), bem como uma lógica de acompanhamento da efetividade das linhas de ação por meio de indicadores e o seu monitoramento pelas partes interessadas. Ainda, é interessante entender como esta consulta se encaixa em um processo maior de escuta constante com a sociedade. De fato, é importante que sejam garantidos espaços para que diferentes atores e segmentos da sociedade possam participar do desenvolvimento e implementação dos planos de ação.

Por fim, no atual estágio de amadurecimento da democracia brasileira, que tanto exige transparência e qualidade de informações, é essencial que se inclua no PPCDAm uma estratégia bem estruturada de Comunicação. Um Plano de Comunicação que considere os diversos públicos de interesse dentro e fora da Amazônia é um instrumento fundamental para fatores como a educação sobre a conservação, a consolidação de uma nova visão de economia que considere os saberes, valores e conhecimentos tradicionais, assim como para o suporte às ações de comando e controle na região. Toda a população brasileira deveria reconhecer os valores da floresta em pé e desenvolver orgulho por esse grande patrimônio. Por isso, a consulta pública da Fase V do PPCDAm é uma oportunidade única para que a sociedade civil e demais atores interessados possam contribuir com propostas e sugestões que fortaleçam ainda mais o Plano.

Ainda na linha da transparência, também é fundamental explicitar, como parte do texto principal, o entendimento sobre “desmatamento zero” no âmbito do Plano, hoje disponível apenas na segunda nota de rodapé da seção sobre contexto político-institucional. Esse conceito merece um amplo debate, sob o risco de que seu emprego fragilize o compromisso do Plano de evitar o ponto de não-retorno da Amazônia.

Reiteramos a importância da implementação do PPCDAm e a necessidade de uma atuação conjunta e articulada de todos os setores da sociedade para enfrentar o desafio do desmatamento na Amazônia. A Coalizão está comprometida em contribuir para essa agenda agroambiental e continuará trabalhando em conjunto com seus membros e parceiros para a construção de um futuro sustentável para o Brasil.

As contribuições a seguir foram elaboradas por meio de uma consulta ampla envolvendo oito Forças-Tarefa temáticas e dezenas de representantes dos diversos setores agregados pela Coalizão.

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ii. Anexo – Contribuições por eixo de ação do PPCDAm

ii.1. Coalizão Brasil: Contribuições sobre o Eixo I – Atividades produtivas sustentáveis

Objetivo 1. Estimular atividades produtivas sustentáveis

O Plano de Ação propõe diversas linhas de ação para o desenvolvimento da bioeconomia na região amazônica, incluindo o Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia (1.1.1), o Programa de Bioeconomia e Desenvolvimento Regional (1.1.2) e o Programa Nacional de Bioeconomia para a Sociobiodiversidade (1.1.20). Embora indiquem, de forma inovadora, a bioeconomia como uma estratégia importante no Plano, é preocupante a falta de clareza sobre a coordenação e articulação para a implementação dessas linhas de ação. É fundamental, ainda, que esta garanta que os mecanismos propostos reconheçam as políticas, instrumentos e iniciativas já existentes, integrando-os e escalonando-os, evitando a duplicação de esforços.

Além disso, é necessário destacar que, embora o foco do PPCDAm seja o bioma Amazônia, há a necessidade de uma estratégia nacional que aborde todos os biomas do país. É fundamental lembrar que a abordagem da bioeconomia varia de acordo com diferentes visões e vocações de cada região, exigindo abordagens específicas de desenvolvimento ancoradas em uma diretriz nacional comum. Para que o plano seja completo, é preciso contemplar todos os setores produtivos, inclusive o de plantações florestais, que tem uma intrínseca ligação com o tema e oferece um leque de oportunidades, inclusive vinculadas à vertente da inovação. Portanto, é importante que o plano leve em consideração essa ausência significativa e ao menos mencione a importância desse setor para a economia e o desenvolvimento sustentável. Consideramos primordial também a participação do setor privado na definição dessa estratégia nacional, de forma a alinhar as políticas públicas aos interesses e oportunidades prioritários aos negócios na região.

O ponto mais crítico de todo o Plano, no entanto, encontra-se em sua estrutura. Há um quadro síntese no anexo do documento que apresenta diversas linhas de ação que não são devidamente abordadas ao longo do texto narrativo do eixo. Isso compromete a contribuição ao plano, pois não fica claro o que é proposto em pontos fundamentais para a implementação da estratégia, bem como a coordenação para implementação entre os diferentes órgãos listados. Falta uma estrutura mais operativa que permita a coordenação e governança para a implementação efetiva da bioeconomia na Amazônia e em outras regiões do país.

Por fim, é importante destacar que o eixo I do PPCDAm não aborda o tema de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, que está intrinsecamente ligado ao desenvolvimento da bioeconomia. É essencial considerar a ciência, tecnologia e inovação ao abordar o desenvolvimento de atividades produtivas sustentáveis na região amazônica.

Objetivo 2. Promover o manejo florestal sustentável e a recuperação de áreas desmatadas ou degradadas

A abordagem do PPCDAm sobre o manejo florestal sustentável, com ampliação de áreas de concessões florestais (resultado esperado 2.1), é bastante alinhada ao que vem sendo debatido e defendido pela Coalizão nos últimos anos. A fim de contribuir para este resultado, sugerimos que sejam incluídos entre as linhas de ação: 1) aumento da capacidade de gestão e pessoal do Serviço Florestal Brasileiro; 2) fortalecimento do diálogo entre o governo federal e os estados da Amazônia para incentivar e dar escala às concessões estaduais; e 3) apoio à elaboração de editais de licitação que diversifiquem as atividades econômicas nos contratos de concessão florestal (tais como restauração, serviços ambientais e produtos florestais não madeireiros).

O resultado esperado 2.2 trata da recuperação da vegetação nativa em áreas públicas e privadas e contempla linhas de ação fundamentais para promover a restauração em escala – tais como apoio e fortalecimento de políticas públicas, capacitação, assistência técnica e incentivos econômicos. Sugere-se, contudo, deixar mais clara a contribuição do Plano para a estruturação da cadeia da restauração florestal, crucial para viabilizar a recuperação das pastagens, haja vista a necessidade de mais viveiros, coletores de sementes, apoio às comunidades para monitoramento e outras atividades.

Além disso, a Coalizão propõe que o objetivo 2 considere um terceiro resultado esperado, centrado na promoção da silvicultura com espécies nativas, uma forma de destinar áreas degradadas para finalidade produtiva e, ao mesmo tempo, reduzir a pressão por uso madeireiro de florestas primárias e contribuir para o combate e adaptação às mudanças climáticas. Detalhamos abaixo a proposta de resultado esperado e linhas de ação, nos colocando à disposição para construir essa frente de forma colaborativa.

Proposta para resultado esperado e linhas de ação:

2.3. Nova economia florestal baseada na silvicultura de espécies nativas desenvolvida e promovida.

2.3.1. Priorizar a silvicultura de espécies nativas no Plano Nacional de Desenvolvimento de Florestas Plantadas (PNDF), no Plano ABC+ (Plano Setorial para Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária com vistas ao Desenvolvimento Sustentável) e no Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg) como opção econômica, social e ambiental para o combate e adaptação às mudanças climáticas;

2.3.2. Apoiar a implantação do Programa Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento em Silvicultura de Espécies Nativas (PP&D-SEN);

2.3.3. Incentivar o uso da Reserva Legal para arranjos produtivos com silvicultura de espécies nativas;

2.3.4. Desenvolver e disseminar modelos de negócios para a silvicultura de espécies nativas;

2.3.5. Estimular o setor financeiro público e privado na criação de linhas de financiamento adequadas para a atividade da silvicultura de espécies nativas;

2.3.6. Criar políticas públicas e marco regulatório para estimular investimentos em silvicultura de espécies nativas pelos produtores, investidores e empresas privadas;

2.3.7. Oferecer capacitação e ATER pública e privada a produtores rurais e comunidades no desenho e implementação de projetos e programas de silvicultura de espécies nativas;

2.3.8. Combater o mercado ilegal de produtos madeireiros e não madeireiros de florestas naturais;

2.3.9. Estimular o mercado nacional e internacional de produtos madeireiros e não madeireiros sustentáveis da silvicultura de espécies nativas; e 

2.3.10. Promover a silvicultura de espécies nativas como um importante gerador de empregos diretos e indiretos através da sua cadeia de produção.


Objetivo 3. Fortalecer a articulação com os estados da Amazônia legal nas ações de fomento às atividades sustentáveis.

A articulação com estados e municípios da Amazônia e estruturas de governança como o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável é indispensável para o fomento às atividades produtivas sustentáveis e para o cumprimento do objetivo 3 do eixo I do PPCDAm. Nesse sentido, enfatizamos a participação e coordenação do governo federal como fundamentais para garantir uma boa governança e a operacionalização eficiente das linhas de ação propostas (3.1.1).

ii.2. Coalizão Brasil: Contribuições sobre o Eixo II – Monitoramento e controle ambiental

O resultado esperado 5.1 trata da capacidade de monitoramento do desmatamento, dos incêndios e da degradação florestal, porém sem mencionar a importância do monitoramento da vegetação secundária de forma frequente e regular. A Coalizão vem discutindo e buscando aprimorar a integração de dados de monitoramento da regeneração natural, restauração e reflorestamento, a fim de traçar um panorama da recuperação da vegetação nos biomas brasileiros (veja mais sobre o Observatório da Restauração e Reflorestamento aqui). O monitoramento da vegetação secundária é fundamental para acompanhar a efetividade dos Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento (PPCDs) em atingir seu objetivo de desmatamento zero – considerado como a manutenção ou incremento da área de vegetação nativa no nível do bioma. Dessa forma, propõe-se que o PPCDAm esclareça qual será a ferramenta e o processo de monitoramento da vegetação secundária, que irá contribuir especialmente para os objetivos 2 e 5 do plano.

A rastreabilidade das cadeias de suprimento é uma das principais ferramentas para garantir a sustentabilidade da produção de carne e outras commodities na Amazônia. É necessário que os produtores implementem sistemas de monitoramento e rastreamento desde a origem até o destino final dos produtos. A partir da consulta aos membros da Coalizão, percebe-se que diversos atores da cadeia produtiva agropecuária apoiam a criação de um sistema público integrado de rastreabilidade dos produtos agropecuários na Amazônia (5.2.1), desde que seja realizado de forma ampla e abrangendo todos os níveis de inspeção (federal, estadual e municipal), independentemente do tamanho da empresa.

Para garantir transparência e visibilidade adequadas na cadeia produtiva, é crucial que a implantação do sistema seja planejada de forma gradual, por Estado e setor produtivo. Cada fase deve depender da existência de ferramentas de monitoramento que permitam às empresas monitorar suas cadeias de suprimento de forma efetiva e compatível, começando pela integração de base de dados prevista no item 5.2.5.

Na pecuária, é fundamental avançar com o estabelecimento de um plano estratégico para o atingimento de 100% de visibilidade e transparência de fornecedores diretos e indiretos através da adoção da rastreabilidade individual obrigatória de bovinos e bubalinos na Amazônia  (como já defendido pela Coalizão em processo de consulta pública do MAPA) e nas demais cadeias, com o mapeamento de riscos. Isso inclui ações para priorização e direcionamento de estratégias de verificação mais ou menos exigentes conforme a classificação de riscos em todo o território nacional. É importante destacar a importância de o Estado atuar nas causas do desmatamento relacionado à pecuária, por meio de assistência técnica, extensão rural, recuperação de pastagens e intensificação sustentável.

Por fim, é fundamental considerar ações educativas e de reinserção de produtores em casos de irregularidades, para garantir a efetividade do sistema de rastreabilidade e a promoção da sustentabilidade na cadeia produtiva agropecuária. É crucial identificar sobreposições ou oportunidades de escalonamento de políticas públicas entre as diferentes esferas de poder. Pará e Mato Grosso contam com planos estaduais de referência na reinserção de produtores rurais irregulares.

É possível produzir commodities de forma sustentável, desde que sejam implementados sistemas de rastreabilidade em toda a cadeia. Trata-se de uma condição vital para combater o desmatamento e atrofiar atividades predatórias, que têm levado a Amazônia à beira de um ponto de não-retorno, que poderá culminar na falência de ecossistemas e na extinção em massa de espécies, além de prejudicar o fornecimento das chuvas tão necessárias ao cultivo. A implementação de um sistema de rastreabilidade eficiente garantirá a valorização dos produtos locais no mercado internacional e contribuirá para a construção de uma imagem positiva da produção na região, criando novas oportunidades de negócio.

ii.3. Coalizão Brasil: Contribuições sobre o Eixo III – Ordenamento fundiário e territorial

Objetivo 8. Garantir a proteção das terras públicas não destinadas

A destinação de terras públicas não destinadas é fundamental para o controle do desmatamento na Amazônia. Quase metade do desmatamento no bioma ocorre em áreas públicas, muitas vezes relacionado à grilagem de terras. São 56 milhões de hectares de terras não destinadas na Amazônia, que estão na mira desses grileiros. Dessa forma, a Coalizão sugere que o objetivo 8 (“Garantir a proteção das terras públicas não destinadas”) seja revisto para conferir mais assertividade em “Garantir a destinação das terras públicas não destinadas para proteção ou uso sustentável, especialmente para povos indígenas e comunidades tradicionais”. A destinação de um grande volume de florestas contribuirá para a queda efetiva do desmatamento, reduzindo as emissões provocadas por atividades ilegais no campo e mantendo os estoques de carbono. Dessa forma, espera-se que o plano operativo do PPCDAm esclareça as metas de destinação e estime a provisão de recursos necessários para tanto – já que o custeio dos processo de destinação e regularização fundiária é uma lacuna conhecida.

O texto explicativo do resultado esperado 8.1 (“Insegurança fundiária reduzida”) aborda a necessidade de estruturação de um sistema integrado para superar a dispersão de bases de dados existentes sobre a posse e a propriedade de terras. Certamente, esse passo é fundamental; porém, vale ressaltar que, tal como mencionado na linha de ação 8.1.2, antes de concentrar esforços na integração de sistemas, é imprescindível construir um Cadastro Único dos imóveis e posses do Brasil e garantir sua operacionalização. Ao avançar na consolidação de um Cadastro Único, é importante garantir a transparência das informações utilizadas, o que poderia ser otimizado pelo SINTER/RFB – essa ação poderia contribuir, ainda, para as linhas de ação do resultado 8.3 (“Bases fundiárias e ambientais com controles aprimorados”).

Com relação ao resultado esperado 8.2 (“Florestas públicas destinadas e protegidas”), a Coalizão celebra a iniciativa do plano em reestruturar e reinstalar a Câmara Técnica de Destinação e Regularização Fundiária de Terras Públicas Federais Rurais (8.2.1). Contudo, ressaltamos que essa reestruturação precisa garantir a participação ativa da sociedade civil junto à Câmara – o que pode ocorrer com um assento oficial no órgão ou por meio de processos de escuta aos representantes em eventos e seminários oficiais (a exemplo do Seminário Técnico-Científico de Análise de Dados do Desmatamento na Amazônia), de forma a compilar os posicionamentos e considerá-los no momento da deliberação.

Objetivo 9. Ampliar e fortalecer a gestão das áreas protegidas

Ao abordar no texto as linhas de ação 9.3.1 e 9.3.2 – referentes às iniciativas de elaboração e revisão do MacroZEE e dos ZEE estaduais -, o PPCDAm menciona a ausência de uma Política Nacional de Ordenamento Territorial, sem maiores detalhes. A Coalizão entende que o plano deve sinalizar como o governo pretende endereçar essa política, incluindo metas de arrecadação e destinação de terras públicas, formas de monitoramento constante da integridade dos perímetros e/ou sinais de invasão para responsabilização dos criminosos e das instituições públicas diretamente envolvidas – a depender de sua categoria fundiária.

Objetivo 10. Avançar na regularização ambiental com o aprimoramento do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar)

O Cadastro Ambiental Rural, implementado pela Lei nº 12.651/2012 (Código Florestal), é um instrumento fundamental para a gestão ambiental das propriedades privadas e para o combate ao desmatamento ilegal. Até o momento, apenas 100 mil cadastros já tiveram a sua análise finalizada, o que representa somente 1,5% do CAR do país. Portanto, tal como expresso na proposta da Coalizão para os 100 primeiros dias de governo (Proposta #2 – “O Brasil que vem”), é fundamental acelerar a análise dos cadastros ambientais rurais, criar mecanismos eficazes para impedir o uso ilegal do CAR e elaborar e implementar uma robusta e eficiente estrutura de governança do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) que estabeleça os papéis dos entes federados na implementação do Código Florestal. Essa posição da Coalizão está alinhada ao resultado esperado referente ao objetivo 10 do PPCDAm, embora até os primeiros 100 dias não tenham sido anunciadas ações que poderiam conferir maior agilidade à análise dos cadastros.

A integração do Sicar com outras bases de informação, como GTA, DOF, ASV e outras, é fundamental, porém não deve ser uma justificativa para desacelerar as análises dos cadastros. E, por fim, além de avançar na verificação do CAR, é importante que as informações ambientais também sejam incorporadas ao cadastro fundiário (Proposta #11 – “O Brasil que vem”), retroalimentando e atualizando um sistema de administração de terras integrado.

Objetivo 11. Alinhar o planejamento dos grandes empreendimentos e projetos de infraestrutura com as metas nacionais de redução do desmatamento

Com relação ao resultado referente ao objetivo 11, nos chama atenção a ausência do termo “licenciamento ambiental”. As linhas de ação falam em tomada de decisão sobre grandes empreendimentos e projetos de infraestrutura, com consideração de Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental, avaliação de potenciais impactos indiretos e ações de mitigação nas áreas de influência (11.1.1 a 11.1.4), porém seria fundamental esclarecer a relação dessas ações com o licenciamento ambiental, importante instrumento da política ambiental brasileira e que precisa ter seu processo aperfeiçoado – com a definição de critérios nacionais, conexão com outros instrumentos de planejamento ambiental e aumento da capacidade dos órgãos responsáveis em níveis federal e estadual.

ii.4. Coalizão Brasil: Contribuições sobre o Eixo IV – Instrumentos normativos e econômicos

Além dos instrumentos apresentados como linhas de ação no Objetivo 12 (“Criar ou aperfeiçoar instrumentos normativos e econômicos para controle do desmatamento”), é necessário inserir algum incentivo de crédito rural ou outro instrumento que contemple o programa de reinserção produtiva de produtores irregulares, mencionado no 1.3.1. Essa é uma demanda clara do setor financeiro e produtivo para que haja financiamento para viabilizar o programa de reinserção.

Para garantir a efetividade da legislação proposta no item 12.2.4 (“Propor legislação para que as empresas sejam obrigadas a mensurar e publicizar os impactos socioambientais e a neutralizá-los”), é essencial que ela esteja alinhada com frameworks internacionais já estabelecidos para ESG e que o setor produtivo seja envolvido no processo de definição, de modo a assegurar a sua viabilidade e efetiva implementação.

O resultado esperado 12.4 fala sobre aprimorar o crédito rural e elevar seu padrão de sustentabilidade, porém sem maiores detalhes e valores. Seria importante esclarecer o que estaria contemplado, além de mencionar explicitamente instrumentos de gestão de riscos da política agrícola – tais como o Prêmio do Seguro Rural (PSR), Proagro e garantia-safra (pagamento ao pequeno produtor em caso de perda de produção) com maior subvenção aos produtores que adotam boas práticas, além de vedação àqueles que possuem irregularidades ambientais e fundiárias. A Coalizão enviou um conjunto de propostas ao Plano Safra 2023-2024 e se coloca à disposição para aprofundar esse debate. Além disso, para além da regularização fundiária, é importante direcionar ou facilitar o crédito e/ou isenções fiscais a produtores que estejam em “conformidade fundiária” – conceito que vai além da regularização, pois inclui a adequada correspondência ao perímetro certificado pelo INCRA e Registro de Imóveis com o CAR, adimplência fiscal (ITR), desmatamento, não ocorrência de trabalho escravo, adequação às regras do ZEE do estado ou região e outras exigências públicas pertinentes aos imóveis rurais.

É fundamental saber que o plano considera, em sua linha de ação 12.5.1, a revisão da Estratégia Nacional para REDD+ (ENREDD+). Contudo, seria interessante esclarecer como será feita a articulação da estratégia nacional com as estratégias estaduais, projetos e debate internacional – inclusive, considerando a possibilidade de os recursos captados pelos estados retornem para a implementação das metas do PPCDAm.

Com relação ao resultado esperado 12.12, que trata da regulamentação da Lei n. 14.119/2021, referente ao Pagamento por Serviços Ambientais, vale ressaltar que a Coalizão tem um conjunto sólido de propostas, bastante alinhadas ao arranjo de implementação com governança participativa, mecanismos de gestão e transparência das informações sobre os projetos e salvaguardas socioambientais apresentado no PPCDAm. De todo modo, cabem algumas contribuições às linhas de ação apresentadas. No item 12.12.1, é importante ressaltar que a regulamentação se refere à Política, ao Cadastro Nacional e ao Programa Federal de PSA – e não apenas a este último -, então sugere-se corrigir a redação.

Com relação ao item 12.12.3, referente à revisão dos contratos de repasse de recursos de PSA em terras públicas e territórios coletivos sem a autorização prévia e avaliação do órgão federal competente e consentimento livre, prévio e informado das populações afetadas: é fundamental entender quem fará essa revisão. A Política Nacional de PSA já traz uma instância que deve ser formada para isso, então deve-se avaliar a efetividade de se criar um processo paralelo de revisão. A Coalizão propõe que essa linha de ação seja excluída, ou que seja revisada para explicitar o apoio do plano à composição de uma Comissão Nacional para a PNPSA e PFPSA, tal como previsto na Lei n. 14.119/2021.

A linha de ação 12.12.5 aborda a criação de metodologia para avaliação do valor monetário da biodiversidade em áreas preservadas, para estímulo à emissão de títulos certificados como produtos originários de atividades de conservação de florestas nativas, assunto crucial para consolidar as alternativas econômicas para o desenvolvimento da Amazônia. Contudo, antes de criar novas metodologias, caberia um levantamento de metodologias existentes para a valoração econômica da biodiversidade, no Brasil e com base em referências internacionais.

Por fim, regular e implementar o mercado brasileiro de carbono (12.13) é um passo fundamental para viabilizar a transição para a descarbonização da economia e o fato de esse resultado esperado ser explicitado como um objetivo no PPCDAm evidencia a relevância das florestas e do uso da terra para a geração de créditos de carbono no contexto brasileiro. A Coalizão propõe que o mercado regulado no Brasil seja estruturado como cap-and-trade, com arranjos robustos de governança e com ampla participação social. E que atenda às particularidades do país, ao mesmo tempo que permita aos créditos de carbono serem gerados com integridade ambiental e respeito às salvaguardas socioambientais, a partir da redução de emissões de GEE por desmatamento e degradação florestal, emissões evitadas e/ou remoção de gases de efeito estufa da atmosfera, neste caso a partir da restauração florestal.

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