10/2023

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Contribuições da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura à consulta pública sobre a atualização da EPANB

i. Apresentação

A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, movimento multissetorial que reúne mais de 360 membros do setor privado, financeiro, academia e organizações da sociedade civil, vê como positivo o lançamento da consulta pública da Estratégia e Plano de Ação Nacionais para a Biodiversidade (EPANB).

A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) possui três pilares principais, que, em conjunto, orientam as ações dos países signatários: a conservação da diversidade biológica, o uso sustentável da biodiversidade e a repartição justa e equitativa dos benefícios de recursos genéticos.

Na 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-15) as partes aprovaram o Marco Global da Biodiversidade Kunming-Montreal (GBF). O Marco parte da premissa de que somente ações simultâneas e coordenadas em diferentes níveis e com participação de todos os setores da sociedade proporcionam impactos duradouros e eficientes para deter a perda da biodiversidade (CDB, 2022). A partir dessa perspectiva, o documento inclui um conjunto de quatro objetivos com prazo para 2050, relacionados com a Visão de Diversidade Biológica para 2050, e 23 Metas de ação para medidas urgentes até 2030.

O Brasil segue com seus esforços para cumprir os compromissos nacionais perante a CDB. O momento é de construção conjunta para atualizar a Estratégia e Plano de Ação, o que implica na definição das metas nacionais, por meio da participação de diferentes setores da sociedade. Nesse contexto, a consulta pública atual desempenha um papel significativo no processo participativo.

A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura entende que são necessárias medidas urgentes para conter a degradação de serviços ecossistêmicos. Participar desse processo não apenas reflete seu comprometimento com o desenvolvimento sustentável, mas também enfatiza a relevância desse tema para o movimento.

A Coalizão reconhece a urgência de adotar medidas imediatas para conter a perda de biodiversidade (fauna, flora) e degradação dos recursos naturais (água, solo, etc.) que em conjunto proveem serviços ecossistêmicos. Além disso, apoia a retomada imediata do ordenamento territorial, iniciando-se pela demarcação de terras indígenas e territórios quilombolas já oficialmente definidos, e a destinação de 10 milhões de hectares à proteção e uso sustentável. Participar desse processo não apenas demonstra o comprometimento da Coalizão, mas também enfatiza a relevância desse tema para o movimento em prol do meio ambiente e da sustentabilidade.

A proteção da natureza está entre os pilares da Visão 2030-2050, documento que orienta os trabalhos da Coalizão de forma interligada e coesa. A rede reforça que a proteção e a recuperação da natureza, incluindo a restauração de vegetação nativa, são fundamentais para reduzir riscos econômicos, financeiros, de desastres ambientais, segurança hídrica e alimentar, entre outros.

Em seu documento intitulado “O Brasil que Vem“, a Coalizão faz recomendações importantes. Entre elas, destaca-se a agilização dos processos de reconhecimento e titulação de territórios indígenas, populações tradicionais e pequenas propriedades rurais. Além disso, a Coalizão sugere a suspensão das tramitações, em diferentes esferas legislativas, de projetos voltados para a alteração de categorias de unidades de conservação. Outra recomendação relevante envolve a concessão de incentivos às iniciativas de restauração, abrangendo todos os biomas e garantindo sua efetiva implementação.

Assim, a consulta pública visando a atualização da EPANB surge como uma oportunidade para a Coalizão exercer sua contribuição ao processo¹. Nesse intuito, a rede coordenou, entre seus membros, um procedimento consultivo destinado a definir suas metas prioritárias. Inicialmente, nove metas foram selecionadas2, englobando os três eixos delineados pela Decisão 15/5 do Marco Global da Biodiversidade Kunming-Montreal. Além disso, em um estágio subsequente, as metas 22 e 23 decorreram por meio de debate conjunto. Isso não diminui a relevância das demais metas, apenas destaca aquelas prioritárias para a Coalizão, e sobre as quais se debruçou.

Da análise das 23 metas do Marco, emerge a clara importância de que as ações sejam conduzidas de maneira transversal e integrada. Isso é particularmente evidente nas metas selecionadas, uma vez que é crucial que as ações desencadeadas tenham um impacto abrangente e de longa duração.

As metas 2, 3 e 10 estão relacionadas a uma visão de planejamento territorial e olhar de paisagem, que se relaciona com a agenda da Coalizão de uso da terra. Destacam-se entre as recomendações a implantação efetiva da Lei n° 12.651, de 2012, em especial o Cadastro Ambiental Rural (CAR), a regularização ambiental rural e outros mecanismos que auxiliem na identificação dos custos e benefícios dos projetos de restauração. Capacitação e consolidação de incentivos para a cadeia da restauração também são parâmetros essenciais e estão descritos em diferentes metas.

Outra recomendação que merece destaque relaciona-se com a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA). Com a sanção da Lei nº 14.119, de 2021, os propósitos, iniciativas e critérios para a implementação da PNPSA foram consolidados e fixados em um único arcabouço legal. A Coalizão redigiu uma proposta com recomendações para sua regulamentação. O texto evidencia a visão da ferramenta como alternativa inovadora, economicamente eficiente e ambientalmente válida, que complementa instrumentos de comando e controle e direciona investimentos e políticas públicas, contribuindo assim, de forma significativa, para o desenvolvimento socioambiental justo, a proteção e recuperação e restauração dos ecossistemas e o desenvolvimento de projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I).

Finalmente, é imprescindível assegurar a integração coerente das ações de implementação das metas. Isso deve ser acompanhado por critérios de avaliação e monitoramento robustos, bem como pela promoção de políticas públicas articuladas entre os níveis de governo e entre esses e os variados setores da sociedade. Não menos importante é garantir, de modo transversal, participação e equidade de povos indígenas e comunidades locais, com igualdade de gênero e oportunidades para mulheres e meninas.

Reiteramos a importância da implementação de uma estratégia coerente e articulada com todos os setores da sociedade para enfrentar o desafio de proteção e uso racional da biodiversidade. A Coalizão está comprometida em contribuir para essa agenda e continuará trabalhando em conjunto com seus membros e parceiros para a construção de um futuro sustentável para o Brasil.

As contribuições a seguir foram elaboradas por meio de uma consulta ampla envolvendo oito Forças-Tarefa temáticas (PSA, Bioeconomia, CF, Regularização Fundiária, Restauração, R&T, Agricultura Familiar e Finanças Verdes) e dezenas de representantes dos diversos setores agregados pela Coalizão.

ii. Eixo I

META 2. Lograr que para 2030 ao menos 30 por cento das zonas de ecossistemas terrestres, de águas continentais, costeiras e marinhas degradadas estejam sendo objeto de uma restauração efetiva, com a finalidade de melhorar a biodiversidade e as funções e os serviços dos ecossistemas, a integridade ecológica e a conectividade.

Para alcançar a restauração em escala, diferentes estratégias devem ser adotadas pelos governos nacional, estaduais e locais. Os cumprimentos dos ditames da Lei de Proteção da Vegetação Nativa, Lei n° 12.651, de 2012, são um dos pontos principais. A norma trouxe ferramentas importantes para reforçar e auxiliar na elaboração de políticas públicas ambientais e mecanismo orientador de acesso às políticas de incentivo. Para a restauração efetiva, que considera os aspectos de estrutura e função de ecossistemas determinados, o CAR e o Programa de Regularização Ambiental (PRA) são essenciais. O CAR permite um diagnóstico sobre a situação do cumprimento da legislação florestal em propriedades rurais. Esse mecanismo encontra dificuldades em sua implementação, seja pelas constantes prorrogações ou pela falta de condições operacionais dos órgãos públicos para analisarem as informações, em especial a localização e a situação das áreas de preservação permanente (APP), reserva legal (RL) e de uso restrito. Atrelado ao CAR, a adesão do proprietário rural ao PRA e a execução dos compromissos assumidos para regularizar os passivos de APP e RL, calculados em 21 milhões de hectares.3

Nesse sentido, torna-se urgente a efetiva implementação da Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Proveg), que instituiu o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), via Decreto nº 8.972, de 2017, e seu alinhamento ao programa de conversão das multas ambientais aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente (§ 4º do art. 72 da Lei nº 9.605, de 1998). Outros planos e programas de restauração devem ser registrados e monitorados pelos órgãos competentes, tanto em nível nacional, estadual ou municipal, de forma a integrar ações, direcionando esforços para ampliar a rede de assistência técnica, de capacitação e de recursos financeiros, que auxilie no planejamento da restauração em larga escala.

É necessário, ainda, que ocorram discussões com diferentes grupos de interesse, que permitam identificar e quantificar a demanda real por programas de adequação ambiental e de projetos de restauração ecológica, a definição da metodologia na escala local, assim como a disponibilidade de sementes e/ou mudas de espécies nativas estratégicas, por exemplo para alimentos aos polinizadores e às populações locais. Também é preciso promover a estruturação e engajamento de redes de coletores de sementes, além da implementação de viveiros com maior diversidade de espécies nativas. Acrescenta-se a importância da melhoria da logística de comercialização de sementes e mudas e o investimento em capacitação de agentes multiplicadores, além da adoção de técnicas mais eficientes de restauração. Por fim, é necessário que haja aporte em pesquisa e inovação para reduzir custos da restauração em todos os biomas. Somente com esse conjunto de fatores, entre outros, os projetos de restauração alcançarão viabilidade econômica, ambiental e social.

Destaca-se que a Lei nº 14.119, de 2021, explicita que o PSA trata de uma transação voluntária, ou seja, o PSA não é obrigatório ou coercitivo, tem natureza contratual e decorre de uma adesão espontânea, em oposição ao que ocorre com os instrumentos de comando e controle, que são impostos pelos formuladores das políticas ambientais. Esse caráter voluntário ajuda a desonerar a Administração Pública e traz avanços efetivos para a proteção do meio ambiente. O PSA representa uma ferramenta e alternativa inovadora, economicamente eficiente e ambientalmente válida, que complementa instrumentos de comando e controle e direciona investimentos e políticas públicas, contribuindo assim, de forma significativa, para o desenvolvimento socioambiental justo e a proteção e recuperação dos ecossistemas. É preciso, contudo, fortalecer os órgãos públicos com marcos legais e institucionais. Os projetos precisam estar integrados no contexto legal, institucional e dentro da economia local.

A proposta de regulamentação da PNPSA precisa incluir dispositivos que assegurem recursos financeiros que garantam a implementação da legislação e a continuidade dos esquemas de pagamento eventualmente implantados. Sabe-se que o maior gargalo dos projetos de PSA é a fonte dos recursos regulares para manter as atividades por longo período. Quem financia o projeto precisa ter interesse no serviço ambiental oferecido4.

Por fim, é preciso consolidar e visibilizar, a nível internacional, iniciativas brasileiras que sistematizam e apresentam, com transparência, os dados sobre a restauração no país. É necessário que o monitoramento inclua projetos executados além das obrigações legais.

A Coalizão apresentou ao Governo Federal uma minuta de decreto presidencial que regulamenta a PNPSA, o Cadastro Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais. A Coalizão também apresentou ao Governo Federal uma minuta de decreto presidencial que regulamenta a PNPSA, o PFPSA e o CNPSA. Essa minuta traz definições, remissões à legislação correlata, princípios e diretrizes, e introduz a Medição, Quantificação, Verificação, Registro e Transparência dos ativos ambientais, dos serviços ambientais e ecossistêmicos. Também dispõe sobre os contratos de PSA, os incentivos tributários e cria a Comissão Nacional do PFPSA, órgão colegiado com competências para supervisionar o PFPSA.

META 3. Conseguir e tornar possível que, para 2030, ao menos 30 por cento das zonas terrestres, de águas continentais e costeiras e marinhas, especialmente as zonas de particular importância para a biodiversidade e as funções e os serviços dos ecossistemas, sejam conservados e manejados eficazmente mediante sistemas de áreas protegidas ecologicamente representativos, bem conectados e governados de forma equitativa, e outras medidas eficazes de conservação baseadas em zonas geográficas específicas, o reconhecimento dos territórios indígenas e tradicionais, quando proceder, integrados em paisagens terrestres, marinhas e oceânicas mais amplas, cuidando ao mesmo tempo que todo uso sustentável, quando proceder nas ditas zonas, seja plenamente coerente com os resultados da conservação, reconhecendo e respeitando os direitos dos povos indígenas e das comunidades locais.

Em relação às áreas protegidas, o Brasil possui um Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC (Lei nº 9.985, de 2000), que define 12 categorias de unidades de conservação (UCs). Representa uma das principais estratégias para conservação da biodiversidade e proteção de paisagens. O fortalecimento e efetividade dessa rede envolve a criação e manejo de novas áreas, em ambos os grupos de proteção: integral e de uso sustentável. O estabelecimento de novas unidades de conservação deve priorizar os biomas Pampa, Caatinga e Pantanal, que possuem um contingente menor de UCs e forte pressão de perda da vegetação nativa. Deve retomar também a demarcação de terras indígenas e territórios quilombolas já oficialmente definidos e a destinação de 10 milhões de hectares à proteção e uso sustentável. A Meta 3 não se propõe apenas ao quantitativo de área, mas incorpora critérios espaciais à representatividade de ecossistemas e à importância para a biodiversidade, que precisam ser observados. Nesse sentido, é fundamental aumentar o número de unidades de conservação marinhas e de ecossistemas costeiros: manguezais e restingas.

Grande parte das áreas preservadas estão dentro de propriedades particulares, e há um crescente número de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) cumprindo importante função de manutenção dos remanescentes de ecossistemas naturais. As 1.066 RPPNs criadas representam hoje 40,09% das UCs, mas o ritmo de criação decresceu nos últimos anos, conforme mostra o Painel Unidades de Conservação Brasileiras do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA)5. O apoio a novas RPPNs precisa ir além dos incentivos atuais (p. ex. isenção do ITR), valorizando essas iniciativas privadas como forma de incluí-las com maior relevância nessa estratégia.

Paralelamente, mecanismos de avaliação de gestão das unidades devem ser aprimorados e as informações disponibilizadas para a sociedade de forma rápida e objetiva. O Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC)6 tem que ser consolidado como instrumento de gestão do SNUC, com transparência que permita avaliações robustas e dinâmicas a partir de dados atualizados. É necessário ampliar esforços para elaborar e implementar os planos de manejo das UCs. Além disso, a Coalizão entende que é necessário direcionar esforços para resolver os processos de regularização fundiária das UCs. Além da questão dominial e de usos incompatíveis com o regime jurídico definido para cada categoria, regularização fundiária significa, ainda, retirar eventuais posses verificadas em seu interior e incompatíveis com o regime jurídico da unidade. Ao lado dessas ações, é imperioso que sejam consolidados os limites e verificadas eventuais sobreposições com outros espaços protegidos, em especial territórios indígenas e de comunidades quilombolas.

Considerando ainda que muitas UCs abarcam propriedades privadas, ressalta-se, mais uma vez, a importância do CAR para a conservação e o manejo da biodiversidade, uma vez que parte dos espaços legalmente protegidos estão em propriedades rurais. A Lei 12.651/2012 (Lei de Proteção da Vegetação Nativa) tem um papel de nortear políticas públicas de conservação que envolvam, entre outros aspectos, os compromissos assumidos pelos proprietários rurais no Programa de Regularização Ambiental. Dessa forma, a Coalizão, apoia formas de agilizar os registros e análises do CAR, além de concretizar uma rede de governança do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), que defina os papéis das três esferas de governo – União, estados e municípios – para implementação do Código Florestal.

A Coalizão reconhece a importância das diretrizes do novo Marco Global Kunming- Montreal da Biodiversidade, de preservar os direitos dos povos indígenas, quilombolas e das comunidades tradicionais sobre seus territórios e promover a repartição justa e equitativa dos benefícios provenientes do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado. O Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (Decreto n° 5.758, de 2006) adota, entre seus princípios, o “reconhecimento das áreas protegidas, que incluem territórios indígenas e quilombolas, como um dos instrumentos eficazes para a conservação da diversidade biológica e sociocultural”. É necessário, assim, reconhecer os direitos territoriais desses povos, como estabelecido na Constituição.

META 4. Adotar com urgência medidas de gestão para a recuperação e conservação das espécies, em particular, espécies ameaçadas, e manter e restaurar a diversidade genética entre as populações e dentro delas, das espécies autóctones, silvestres e domesticadas, a fim de preservar seu potencial adaptativo, entre outras coisas, mediante a conservação in situ e as práticas de conservação e gestão sustentável, e a gestão eficaz das interações entre seres humanos e fauna e flora silvestres, com vistas a reduzir ao mínimo o conflito entre os seres humanos e a vida silvestre para a coexistência.

Para que o objetivo seja alcançado é imprescindível que as metas tenham ações interligadas. É necessário ampliar e estabelecer métricas adequadas para espécies ameaçadas de extinção e estratégias relacionadas às práticas de conservação: restauração, tamanho de áreas adequadas para conservação, conectividade entre áreas, corredores ecológicos, combate ao tráfico de animais silvestres. Nesse sentido, a Coalizão apoia a destinação de 10 milhões de hectares à proteção e uso sustentável.

Não é possível planejar corredores ecológicos para facilitar os deslocamentos de fauna, sem projetos de restauração. Em paisagens fragmentadas, com diferentes tamanhos de áreas, análises conjuntas de oportunidades e benefícios são necessárias. Valorizar a heterogeneidade de hábitats é básico para o sucesso de restauração, conservação da biodiversidade e diversidade genética. É necessário que haja integração de diferentes políticas e ações públicas para criação e recuperação de corredores de biodiversidade, em particular nas áreas prioritárias para conservação já identificadas. São exemplos que contribuem nesse sentido as ações de fiscalização, a Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, o Programa de Conversão de Multas e diversos aspectos do Plano ABC+.

Considerar a proteção de áreas naturais e combater o tráfico de animais silvestres são estratégias essenciais para a conservação in situ. Estimativas indicam que o tráfico de espécies silvestres (excluídas a pesca e a madeira ilegais) pode movimentar até 23 bilhões de dólares por ano, tornando essa prática ilícita (dominada por grupos criminosos organizados), altamente lucrativa e influente sobre o declínio da biodiversidade.

Entre as diretrizes para o combate ao tráfico de animais silvestres é necessário integrar a fiscalização federal com a dos órgãos estaduais correlatos, aumentar a capacitação em técnicas investigativas e a dotação orçamentária de todos os órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), assim como melhorar a base de conhecimentos sobre os mecanismos de comando e controle e os processos judiciais envolvendo tráfico de fauna.

O tráfico de animais impõe grande pressão extrativa, muitas vezes sobre espécies raras ou mesmo ameaçadas, mas que desempenham papéis chave nos ecossistemas, e sua retirada compromete a manutenção de áreas naturais remanescentes, a regeneração de áreas degradadas e os serviços ecossistêmicos de que a agricultura precisa. Se por um lado a vegetação é monitorada remotamente, por outro surgem florestas vazias, pela perda de fauna, comprometendo a sucessão vegetal e o conceito de sistema de suporte à vida7 representado pela biodiversidade como um todo.

É necessário e urgente ampliar os incentivos para pesquisa e desenvolvimento em apoio às políticas públicas, inclusive a Ciência Básica. Os planos de ação em Ciência, Tecnologia e Inovação do Ministério da Ciência e Tecnologia são divididos em planos específicos. O Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação para os Biomas Brasileiros apoia ações de PD&I para os biomas com objetivo de produzir o avanço e a articulação do conhecimento científico e do desenvolvimento tecnológico, como subsídio às políticas públicas e de promoção de benefícios sociais, econômicos e ambientais. Além de articular a implementação do plano, é necessário que tenha como meta específica aumentar o financiamento de pesquisas para aplicação prática em políticas públicas de conservação e restauração.

Em todos os aspectos relacionados a essa meta, deve-se atentar para a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (Lei nº 14.119, de 2021). O PSA, como já destacado anteriormente, representa uma ferramenta e alternativa inovadora, economicamente eficiente e ambientalmente válida, que complementa instrumentos de comando e controle e direciona investimentos e políticas públicas. É preciso, contudo, fortalecer os órgãos públicos com marcos legais e institucionais. Os projetos precisam estar integrados no contexto legal, institucional e dentro da economia local.

A proposta de regulamentação da PNPSA precisa incluir dispositivos que assegurem recursos financeiros que garantam a implementação da legislação e a continuidade dos esquemas de pagamento eventualmente implantados. Na minuta de decreto presidencial apresentada pela Coalizão que regulamenta a PNPSA, o CNPSA e o PFPSA há definições, princípios e diretrizes, como já detalhado na meta 1.

iii. Eixo II

META 10. Lograr que as superfícies dedicadas à agricultura, à aquicultura, à pesca e à silvicultura sejam manejadas de maneira sustentável, em particular através da utilização sustentável da diversidade biológica, entre outras coisas, mediante um aumento substancial da execução de práticas amigáveis com a diversidade biológica, tais como a intensificação sustentável, métodos agroecológicos e outros métodos inovadores, contribuindo assim à resiliência e ao rendimento de longa duração, e à produtividade destes sistemas de produção e à segurança alimentar, conservando e restaurando a diversidade biológica e mantendo as contribuições da natureza às pessoas, incluindo os serviços e as funções dos ecossistemas.

Proteger a biodiversidade é essencial não somente por razões éticas, mas também por ser imprescindível ao desenvolvimento econômico, pelo valor das espécies como recursos extrativos, pelos serviços ambientais que prestam e pela oportunidade de se descobrir novos produtos biológicos. Por outro lado, é preciso prover as necessidades de uma população humana crescente, em sociedades modernas abastecidas por longas cadeias de suprimentos e seus gargalos. Esse desafio moderno só pode ser alcançado mediante estratégias de intensificação sustentável da produção.

A agropecuária brasileira, ao longo das últimas décadas, desenvolveu-se pelo avanço da fronteira, por um lado, e por ganhos expressivos de produtividade, por outro. É necessário ampliar a adoção de Sistemas, Práticas, Produtos e Processos de produção Sustentáveis (SPSABC): sistemas em integração lavoura-pecuária-floresta e sistemas agroflorestais; plantio direto; fixação biológica do nitrogênio; florestas plantadas; recuperação de pastagens degradadas; e tratamento de dejetos animais.

Os ganhos de produtividade têm sido alcançados graças a políticas de apoio à Ciência e Tecnologia, adaptando cultivos e raças animais às diversas condições de produção em um país continental. Entretanto, investimentos em ciência, tecnologia e inovação continuam sendo escassos frente à diversidade de desafios do País. Nesse sentido, é necessário fomentar o desenvolvimento e a difusão das tecnologias priorizadas nos Planos de Ação Tecnológica para os Setores da Agricultura, Florestas e outros Usos da Terra, em conjunto com o Plano ABC+.8

O fato de que as terras públicas são insumo barato historicamente favoreceu a grilagem e a substituição de florestas tropicais por pastagens. Um dos resultados dessa estratégia foi a perda de fertilidade dos pastos por deficiências no manejo, conforme constatado pelo Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (LAPIG/UFG), integrante da Coalizão. Em seu Atlas das Pastagens, o LAPIG aponta que 63,4% das pastagens brasileiras apresentam níveis intermediário ou severo de degradação. São mais de um milhão de quilômetros quadrados de terras (12% do território nacional) com produtividade reduzida por práticas inadequadas. Essa situação é incompatível com uma agricultura de baixo carbono.

Na publicação “O Brasil que vem – propostas para a agenda agroambiental do país a partir de agora”, a Coalizão advoga que o agronegócio seja o motor do avanço de métodos regenerativos e de baixo carbono, incentivando a produção nacional de insumos e a intensificação da produção em áreas degradadas. Isso vale tanto para os grandes produtores rurais, com capacidade de investimento, quanto para a agricultura familiar, as populações tradicionais e os pequenos e médios produtores que trabalham com as cadeias da sociobiodiversidade. Defendemos a ampliação maciça do Plano ABC+, com atualização do modelo de assistência técnica e extensão rural (ATER), incorporando nela a regularização ambiental, estimulando o cooperativismo, a gestão da propriedade, a formação de lideranças locais e a inclusão de indicadores de desempenho e metas no acompanhamento, controle, fiscalização e avaliação dos resultados. Também é necessário aprimorar os critérios socioambientais para concessão de crédito rural com a implementação do Bureau de Crédito Rural Sustentável.

Como parte dessas estratégias, o planejamento rural deve adotar uma visão de paisagem, indo além da propriedade individual, até atingir os diversos níveis de sustentabilidade dos sistemas agrícolas e dos projetos de restauração. Nesse sentido, a regulamentação e implementação da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA) será instrumental, garantindo o direcionamento dos recursos inclusive para a esfera municipal.

Por fim, são necessários indicadores agrossilvipastoris que permitam monitorar as metas de intensificação, integrando os dados do Atlas das Pastagens, dos levantamentos sistemáticos da produção agropecuária conduzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dos sistemas de controle e vigilância do Ministério da Agricultura e Pecuária e das secretarias estaduais, entre outros.

META 11. Restaurar, manter e melhorar as contribuições da natureza às pessoas, entre elas as funções e os serviços dos ecossistemas, tais como a regulação do ar, da água e do clima, a saúde dos solos, a polinização e a redução do risco de enfermidades, assim como a proteção frente a riscos e desastres naturais mediante soluções baseadas na natureza e estratégias baseadas nos ecossistemas em benefício de todas as pessoas e da natureza.

No campo da prevenção contra desastres e eventos extremos, é necessário adotar duas abordagens, uma que vai das escalas regional à global, de plena implantação da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), instituída pela Lei nº 12.187, de 2009, e outra contingencial, de atendimento aos desastres que efetivamente vierem a ocorrer em território brasileiro.

Quando a Lei nº 12.608, de 2012, instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, determinou que ela fosse integrada às políticas setoriais de ordenamento territorial, desenvolvimento urbano, meio ambiente, mudanças climáticas e gestão de recursos hídricos, promovendo o desenvolvimento sustentável. Essa vinculação reconheceu a interligação entre grande parte dos desastres, naturais ou influenciados pelo homem, com os padrões de atividades econômicas, de ocupação do solo e com os efeitos protetores da vegetação.

O passivo ambiental decorrente das paisagens ocupadas ganhou com a aprovação da Lei nº 12.651, de 2012, uma possibilidade de dar escala na regularização, com a instituição de dois instrumentos, o CAR e o PRA.

É mais do que premente o cumprimento integral da Lei nº 12.651, de 2012, e para tanto o monitoramento e a fiscalização devem ser eficientes. Em “O Brasil que vem”, a Coalizão defendeu ações de comando e controle contra o desmatamento já nos 100 primeiros dias de governo, o que foi efetivado com operações conjuntas entre os diversos órgãos da União. É fundamental, para o cumprimento da legislação, que a fiscalização continue a ser priorizada, otimizando recursos com o uso de dados de satélites, notificação eletrônica de autuações, interligação entre sistemas governamentais e retomada do Programa de Conversão de Multas. Somente essa estratégia tem condições de acabar com o passivo ambiental, trazendo todo o setor produtivo para a legalidade e permitindo planejamento de fato para as próximas décadas de incerteza climática.

A Meta 11 se relaciona com a Meta 2, de restauração de ecossistemas degradados. Nesse sentido, torna-se urgente a retomada da Proveg, que instituiu o Planaveg via Decreto nº 8.972, de 2017, e sua associação ao programa de conversão das multas ambientais aplicadas pelo Ibama em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente (§ 4º do art. 72 da Lei nº 9.605, de 1998).

O Congresso Nacional aprovou a Lei nº 14.119, de 2021, que instituiu a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA) e instrumentos correlatos. Assim como o PSA, outros tipos de categorias de incentivos econômicos estão previstos no Código Florestal. Os artigos que versam sobre o tema compõem o Programa de Apoio e Incentivo à Preservação e Recuperação do Meio Ambiente (art. 41). Outras categorias do Programa encontram amparo, em especial, em normas infralegais dispersas. Entretanto, o Programa, com diretrizes e critérios que se apliquem a todos os instrumentos econômicos, não foi inteiramente regulamentado. Sendo assim, propõe-se ampliar os esforços junto às diferentes organizações públicas para regulamentar todos os dispositivos que fazem parte do Programa.

META 13. Tomar medidas jurídicas, normativas, administrativas e de criação de capacidade em todos os níveis, conforme apropriado, com vistas a lograr a repartição justa e equitativa nos benefícios que resultem da utilização dos recursos genéticos e da informação digital sobre sequências de recursos genéticos, assim como dos conhecimentos tradicionais associados aos recursos genéticos, e a lograr que para 2030 seja propiciado um aumento significativo de benefícios compartidos, de conformidade com os instrumentos internacionais aplicáveis para o acesso e repartição justa e equitativa dos benefícios.

Em atendimento à CDB, a Lei de Acesso aos Recursos Genéticos (Lei nº 13.123, de 2015) estabeleceu que os benefícios resultantes da exploração econômica de produto acabado ou material reprodutivo, quando oriundos de acesso aos recursos genéticos ou ao conhecimento tradicional associado, deverão ser repartidos com os provedores, nas modalidades monetária (entre 0,1 e 1% da receita líquida) ou não monetária.

O desenvolvimento de novos produtos biológicos é uma atividade complexa, e a legislação tende, por isso mesmo, a ser também intrincada. Não obstante, as exigências burocráticas que forem necessárias devem ter um caráter de colaboração entre partes interessadas, incorporando uma linguagem executiva, não estritamente acadêmica ou jurídica, evitando-se que a comunicação se torne hermética, em especial para empresas de pequeno e médio portes e as comunidades tradicionais.

Da parte dos provedores de conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos, traduzir a informação em termos simples e objetivos é ainda mais importante, além de desenvolver e implementar os protocolos de consulta. Essas populações conhecem o valor da biodiversidade para seus próprios modos de vida, mas podem desconhecer o valor econômico dos produtos derivados, e necessitam de apoio para entender os direitos do detentor de conhecimento tradicional, e assim negociar em melhores condições as formas de repartição de benefícios.

Ao encaminhar aos candidatos das eleições de 2022 a publicação “O Brasil que vem”, a Coalizão apresentou diversas propostas que deveriam compor uma Política Nacional de Bioeconomia. Entre elas está acelerar a revisão da regulamentação e desburocratização da Lei de Acesso à Recursos Genéticos, com foco na ampliação de investimentos privados em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) em sociobiodiversidade, além da aprovação do plano e do manual de operações do Fundo Nacional para a Repartição de Benefícios (FNRB).

O FNRB recebe parte dos recursos oriundos da repartição monetária de benefícios, e sua gestão deve se pautar pela transparência devida aos fundos públicos, permitindo à sociedade pleno acesso às receitas e à destinação de valores, de modo instantâneo, sem necessidade de requerimentos com base na Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527, de 2011). Transparência e livre acesso aos dados deve ser garantida também no que diz respeito ao Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen), ressalvado o sigilo de informações especialmente protegidas por lei.

Hoje, a consulta aos dados do SisGen é possível, embora limitada por uma interface antiquada, com dificuldades de exportação dos relatórios. Mas a consulta ao FNRB é ainda impossível. O BNDES, gestor do fundo, não disponibiliza nem mesmo valores agregados dos depósitos ou dos desembolsos. Não é facultado às populações tradicionais avaliar se um acordo de repartição de benefícios eventualmente proposto é comparável aos acordos em casos semelhantes para outras comunidades. Essa informação privilegiada somente é acessível ao usuário que explora economicamente o conhecimento e ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen), o que representa uma séria assimetria de informação entre as partes. É necessário garantir instrumentos adequados – como marco regulatório claro, canal de consulta acessível às populações tradicionais e fiscalização contínua – para garantir a repartição justa dos benefícios.

iv. Eixo III – Ferramentas e soluções para a implementação e a integração

META 15. Tomar medidas administrativas ou normativas para incentivar e promover a atividade empresarial, e em particular cuidar para que as empresas transnacionais e as instituições financeiras:
a) Controlem, avaliem e divulguem com transparência e regularidade seus riscos, dependências de e efeitos na diversidade biológica, entre outras coisas com requisitos para todas as grandes empresas e as empresas transnacionais e instituições financeiras, junto com suas operações, suas cadeias de suprimento e de valor e suas carteiras de projetos;
b) Proporcionem a informação necessária aos consumidores a fim de promover modelos de consumo sustentável;
c) Reportem dando conta da observância da regulamentação e as medidas em relação ao
acesso e repartições dos benefícios;
Tudo com a finalidade de reduzir gradualmente os efeitos negativos na diversidade biológica, aumentar os efeitos positivos, reduzir os riscos relacionados com a diversidade biológica para as empresas e instituições financeiras, e fomentar ações para lograr modelos de produção sustentáveis.

Em atendimento à CDB, a Lei de Acesso à Recursos Genéticos (Lei nº 13.123, de 2015) estabeleceu que os benefícios resultantes da exploração econômica de produto acabado ou material reprodutivo, quando oriundos de acesso aos recursos genéticos ou ao conhecimento tradicional associado, deverão ser repartidos com os provedores, nas modalidades monetária (entre 0,1 e 1% da receita líquida) ou não monetária.

Parte dos recursos oriundos da repartição monetária é destinada ao FNRB, cuja gestão deve se pautar pela transparência devida aos fundos públicos, permitindo à sociedade pleno acesso às receitas e à destinação de valores, de modo instantâneo, sem necessidade de requerimentos com base na Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527, de 2011). Transparência e livre acesso aos dados deve ser garantida também no que diz respeito ao SisGen, ressalvado o sigilo de informações especialmente protegidas por lei.

Do ponto de vista dos relatórios empresariais relativos à biodiversidade, e não restritos ao acesso a recursos genéticos, mas ampliado a todas as facetas da bioeconomia, é preciso definir interlocutores entre o setor privado e o Governo Federal. Dessa interlocução devem advir as regulações referentes ao teor a ser reportado. Deve-se considerar as iniciativas já existentes, como o Global Reporting Initiative (GRI) e outras em desenvolvimento, como Taskforce on Nature-related Financial Disclosures (TNFD), de forma a prevenir a proliferação de parâmetros que implicam em retrabalho e demandas adicionais às empresas sem necessariamente agregação de valor em termos de efetiva proteção, conservação e recuperação da biodiversidade.

META 18. Para 2025, identificar e eliminar, eliminar gradualmente ou reformar os incentivos, incluindo as subvenções prejudiciais para a diversidade biológica, de maneira proporcionada, justa, efetiva e equitativa, reduzindo-as substancial y progressivamente em pelo menos 500 bilhões de dólares dos Estados Unidos por ano até 2030, começando pelos incentivos mais prejudiciais, e intensificar os incentivos positivos para a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica.

Em todas as nações, há os chamados subsídios perversos, que fomentam com recursos públicos ou mediante isenções tributárias diversas atividades que fazem uso insustentável dos recursos biológicos. Esses subsídios podem ser, por exemplo, estímulo à extração de recursos pesqueiros mesmo quando os estoques estão comprometidos, leniência com a ocupação de terras públicas, ou a falta de critérios ambientais na concessão de crédito rural. Todos esses subsídios comprometem a manutenção da biodiversidade em níveis seguros, e incentivam o uso de bens comuns em detrimento das futuras gerações (a tragédia dos comuns).

A Coalizão defende, na publicação “Visão 2030-2050: O Futuro das Florestas e da Agricultura no Brasil”, o reconhecimento da interdependência entre economia e conservação da biodiversidade, e a necessidade de sinergia na produção de alimentos e biocombustíveis, exploração florestal, proteção da natureza, a adaptação às mudanças climáticas e o bem- estar humano. Em um conjunto de propostas elaboradas durante o último período eleitoral, a instituição elencou um conjunto de propostas para o Governo Federal, algumas delas relacionadas à redução dos incentivos públicos perversos, e sua substituição gradual por incentivos positivos.

Figuram entre os incentivos positivos restaurar a governança do Fundo Amazônia, medida adotada pelo novo governo, regulamentar a Lei de Pagamento por Serviços Ambientais, condicionar a regularização fundiária ao cumprimento do Código Florestal, investir em rastreabilidade das cadeias produtivas, implementar um Bureau de Crédito Rural Sustentável, incentivar o crédito rural privado com critérios de ESG, retomar o Programa Bolsa Verde e, em especial, implementar um mercado regulado de carbono.

META 19. Aumentar consideravelmente e progressivamente, de modo eficaz e oportuno, e com fácil acesso, o nível de recursos financeiros procedentes de todo tipo de fontes nacionais e internacionais, públicas e privadas, em conformidade com o artigo 20 da Convenção, a fim de executar as estratégias e planos de ação nacionais relacionados à diversidade biológica, tendo mobilizado para 2030 ao menos 200 bilhões de dólares dos Estados Unidos, entre outras coisas:
a)  Aumentando o total de fluxos financeiros internacionais destinados à diversidade biológica procedentes dos países desenvolvidos, incluindo a ajuda oficial ao desenvolvimento, e dos países que voluntariamente assumam as obrigações das Partes que são países desenvolvidos, para os países em desenvolvimento, em particular, para os países menos desenvolvidos e as pequenas Nações insulares em desenvolvimento, assim como os países com economias em transição, a 20 bilhões anuais para 2025 e a 30 bilhões anuais para 2030;
b)  Aumentando significativamente a mobilização de recursos internos, facilitado pelos planos de financiamento para a diversidade biológica ou instrumentos similares;
c)  Alavancando o financiamento privado, promovendo o financiamento misto, executando estratégias de levantamento de recursos novos e adicionais, e encorajando o setor privado a investir na biodiversidade, entre outras coisas, mediante fundos de impacto e outros instrumentos;
d)  Estimulando planos inovadores, como o pagamento por serviços dos ecossistemas, bônus verdes, compensações da perda de diversidade biológica, créditos, mecanismos de repartição dos benefícios;
e) Otimizando os co-benefícios e sinergias do financiamento destinado à diversidade biológica e à crise climática;
f)  Reforçando o papel das ações coletivas, incluindo as dos povos indígenas e das comunidades locais, as ações centradas na Mãe Terra e as abordagens não baseadas no mercado, incluindo a gestão comunitária dos recursos naturais e a cooperação e solidariedade da sociedade civil focadas na conservação da diversidade biológica;
g) Reforçando a efetividade, a eficiência e a transparência na provisão e utilização dos recursos.

Instrumentos econômicos são reconhecidos pela Política Nacional do Meio Ambiente desde 2006, mas apenas recentemente o Congresso Nacional aprovou um marco legal mais abrangente, a Lei nº 14.119, de 2021, que instituiu a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais e instrumentos correlatos. O tema foi aprovado por uma convergência de interesses de setores produtivos e organizações da sociedade civil, com grande potencial para tornar atrativa a conservação de ecossistemas e para valorar a biodiversidade.

Essa lei, no entanto, carece de regulamentação, e, em junho de 2022, a Coalizão publicou uma nota técnica com dez propostas9 para regulamentação da Lei nº 14.119, de 2021:

  1. Promover o Cadastro Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (CNPSA) como um repositório de informações de programas e projetos de PSA de todo o país, e não restrito apenas àqueles ligados ao Programa Federal de PSA;
  2. Garantir o caráter retroativo dos incentivos tributários de isenção de tributos e contribuições federais (PIS, COFINS, CSLL e IRPJ) incidentes nos pagamentos de PSA;
  3. Adotar salvaguardas ambientais para que os contratos públicos ou privados de PSA resguardem direitos de povos indígenas, agricultores familiares e comunidades tradicionais;
  4. Ampliar as modalidades de pagamento de PSA, abrangendo os direitos relacionados aos pagamentos que poderiam ser dados em penhor ou alienação fiduciária em garantia de financiamentos, de contratos de seguros, emissão de títulos ou outras formas de captação de recursos.
  5. Definir critérios que comprovem os resultados dos projetos e programas de PSA, a partir da adoção de padrões de Medição, Quantificação, Verificação, Registro e Transparência (MQVRT) dos ativos ambientais, dos serviços ambientais e/ou dos serviços ecossistêmicos;
  6. Instituir a Comissão Nacional do Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais (CN-PFPSA), assim como as regras gerais sobre sua governança e competência;
  7. Ampliar as atividades elegíveis para PSA no âmbito do Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais, incluindo aquelas ligadas ao tratamento de resíduos, melhoria dos solos e dos recursos hídricos, práticas do setor agropecuário, entre outras;
  8. Estabelecer cláusulas obrigatórias aos contratos de PSA constituídos no âmbito do programa federal além daquelas já previstas na lei, com regras de controle e comprovação dos serviços ambientais prestados, entre outras;
  9. Elencar novas oportunidades para a captação de recursos que poderão ser destinados ao Programa Federal de PSA, como verbas provenientes de pagamentos por compensações ambientais;
  10. Estabelecer prioridades para investimentos em PSA no âmbito do programa federal, dando atenção especial a iniciativas desenvolvidas em áreas de formação de corredores de biodiversidade, ou aqueles envolvendo Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), entre outros.”

A Coalizão também apresentou ao Governo Federal uma minuta de decreto presidencial que regulamenta a PNPSA, o PFPSA e o CNPSA. Essa minuta traz definições, remissões à legislação correlata, princípios e diretrizes, e introduz a Medição, Quantificação, Verificação, Registro e Transparência dos ativos ambientais, dos serviços ambientais e ecossistêmicos. Também dispõe sobre os contratos de PSA, os incentivos tributários e cria a Comissão Nacional do PFPSA, órgão colegiado com competências para supervisionar o PFPSA.

Também é urgente a retomada da Proveg, que instituí instituiu o Planaveg, via Decreto nº 8.972, de 2017, e sua associação ao programa de conversão das multas ambientais aplicadas pelo Ibama, em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente (§ 4º do art. 72 da Lei nº 9.605, de 1998). Outros planos e programas de restauração devem ser registrados e monitorados, tanto em nível nacional, estadual ou municipal, de forma a integrar ações, direcionando esforços para ampliar a rede de assistência técnica, de capacitação e de recursos financeiros, que auxilie no planejamento da restauração em larga escala.

META 22. Lograr a participação e representação plena, equitativa, inclusiva, efetiva e com perspectiva de gênero dos povos indígenas e das comunidades locais na tomada de decisões, e seu acesso à justiça e à informação em matéria de diversidade biológica, respeitando suas culturas e seus direitos sobre as terras, os territórios e os recursos, e os conhecimentos tradicionais, assim como a participação das mulheres e das meninas, meninos e a população jovem, e as pessoas com deficiências, e assegurando a proteção plena dos defensores dos direitos humanos ambientais.

A EPANB anterior teve caráter essencialmente participativo, por meio de diálogos com a sociedade, reuniões presenciais entre os diversos setores e ministérios governamentais, adotando uma metodologia de trabalho com base no Biodiversity Indicator Partnership (BIP). Isso foi realizado mediante parceria com a IUCN e recursos do GEF/PNUD.

Na agenda apresentada pelo MMA constam “Consultas específicas envolvendo diferentes setores da sociedade: Povos indígenas, comunidades tradicionais, academia, setor privado, órgãos governamentais, entidades da sociedade civil, em particular as ambientalistas, entre outros.” Vale ressaltar que o Brasil é signatário da Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho, relativa aos direitos dos povos indígenas e tribais, que foi adotada durante a 76ª Conferência Internacional do Trabalho em 1989. Esta convenção representa uma revisão da anterior Convenção n° 107 e se destaca como o pioneiro instrumento internacional legalmente vinculativo a abordar de forma específica os direitos dos povos indígenas.

A Coalizão enfatiza a necessidade de uma construção realmente coletiva, envolvendo todos os setores e as diversas realidades locais, povos indígenas e comunidades tradicionais, seus interesses e focos distintos, incluindo empresas e terceiro setor. Espera-se uma governança multinível, inclusive considerando as esferas de governo e as legislações e exemplos locais.

Nesse sentido, espera-se que o Poder Público garanta, aos povos indígenas, auxílio para elaboração e implementação de seus protocolos autônomos de consulta e consentimento livre, prévio e informado, de forma a assegurar seus direitos de participação sobre decisões públicas que lhes afetam diretamente.

Além da construção coletiva envolvendo a diversidade da sociedade brasileira, as discussões em torno da EPANB devem assegurar o engajamento de representantes das diversas etnias, das populações tradicionais, de quaisquer gêneros e idades.

META 23. Zelar pela igualdade de gênero ao aplicar o Marco aplicando uma abordagem com perspectiva de gênero segundo a qual todas as mulheres e meninas tenham as mesmas oportunidades e capacidades para contribuir aos três objetivos da Convenção, incluindo o reconhecimento de sua igualdade de direitos e acesso à terra e aos recursos naturais e sua participação e liderança plenas, equitativas, significativas e informadas em todos os níveis de ação, compromisso, política e tomada de decisões relacionados com a biodiversidade.

Idem à Meta 22.


Notas de rodapé

¹ A Coalizão considerou prioritário contribuir na forma descrita neste documento. Alguns parágrafos poderão ser repetidos em diferentes metas, em virtude do formato da Consulta Pública (https://www.gov.br/participamaisbrasil/consulta-publica-epanb). Portanto, a leitura no presente documento pode parecer redundante, mas a inserção dos comentários na Consulta Pública é independente em cada meta.

² Metas 2, 3, 4, 10, 11, 13,15, 18 e 19.

³ Ver em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9227/1/Elabora%C3%A7%C3%A3o%20da%20proposta.pdf;
https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/servicosambientais/ecossistemas-1/conservacao-1/politica-nacional-de- recuperacao-da-vegetacao-nativa/planaveg_plano_nacional_recuperacao_vegetacao_nativa.pdf

4 Ver em: https://coalizaobr.com.br/wp-content/uploads/2023/07/Coalizao_Regulamentacao-PSA_Minuta-decreto.pdf

5 Ver em: https://cnuc.mma.gov.br/powerbi

6 Ver em: https://cnuc.mma.gov.br

7 OECD. 2018. Mainstreaming Biodiversity for Sustainable Development, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/9789264303201-en.

8 Ver em: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/sirene/publicacoes/tna_brazil/arquivos/pdf/planos-de-acao- tecnologica-para-os-setores-do-sistema-energetico-agricultura-florestas-e-outros-usos-da-terra.pdf

9 Ver em: https://coalizaobr.com.br/posicionamentos/coalizao-brasil-apresenta-proposta-para-a-regulamentacao-da- politica-nacional-de-pagamentos-por-servicos-ambientais/


Índice de Siglas

APP – Área de Preservação Permanente ATER – Assistência Técnica e Extensão Rural BIP – Biodiversity Indicator Partnership

CAR – Cadastro Ambiental Rural

CDB – Convenção sobre Diversidade Biológica CGen – Conselho de Gestão do Patrimônio Genético

CN-PFPSA – Comissão Nacional do Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais

CNPSA – Cadastro Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais CNUC – Cadastro Nacional de Unidades de Conservação

COP 15 – Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica EPANB – Estratégia e Plano de Ação Nacionais para a Biodiversidade

FNRB – Fundo Nacional para a Repartição de Benefícios GEF – Global Environmental Facility

GBF – Marco Global da Biodiversidade Kunming-Montreal GRI – Global Reporting Initiative

Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IUCN – The International Union for Conservation of Nature

LAPIG/UFG – Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento

MMA – Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima

MQVRT – Medição, Quantificação, Verificação, Registro e Transparência PD&I – Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação

PFPSA – Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais Planaveg – Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa PNMC – Política Nacional sobre Mudança do Clima

PNPSA – Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais PRA – Programa de Regularização Ambiental

Proveg – Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa PSA – Pagamento por Serviços Ambientais

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento RL – Reserva Legal

RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Natural Sicar – Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural

SisGen – Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado

Sisnama – Sistema Nacional de Meio Ambiente

SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação

SPSABC – Sistemas, Práticas, Produtos e Processos de produção Sustentáveis TNFD – Taskforce on Nature-related Financial Disclosures

UC – Unidade de Conservação

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