09/2024

Tempo de leitura: 13 minutos

Compartilhar

Distinção entre REDD+ e projetos de restauração: Garantindo a integridade e competitividade do mercado de carbono no Brasil

A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura reconhece o progresso significativo representado pela regulamentação da Lei nº 11.284/2006 por meio do Decreto nº 12.046/2024. Este marco representa um passo significativo na construção de uma governança robusta para o uso sustentável de nossos recursos naturais, fortalecendo o compromisso do Brasil com a conservação de seus recursos florestais e a mitigação das mudanças climáticas. No entanto, apesar desse avanço, a Coalizão tem preocupações que precisam ser adequadamente abordadas para garantir a eficácia e a integridade das políticas de mitigação climática no país. 

Nossa principal preocupação está relacionada à inclusão das atividades de Florestamento, Reflorestamento e Revegetação (ARR, em sua sigla em inglês) dentro do escopo de REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal). A inclusão dessas atividades pode gerar confusões regulatórias e comprometer tanto a eficácia quanto o financiamento de projetos distintos, que possuem metodologias e objetivos próprios. Assim como em posicionamentos anteriores, reiteramos a importância de manter uma distinção clara entre as diferentes abordagens. A inclusão de ARR no escopo de REDD+ pode enfraquecer significativamente o papel desses projetos no mercado de carbono, impactando negativamente a atratividade para investidores e a valorização dos créditos de restauração.

Além disso, a Coalizão expressa sua preocupação com a falta de definição de metodologias claras para desmatamento evitado (REDD+), uma vez que a  CONAREDD está atualmente inoperante. A ausência de diretrizes robustas nessa área, que é crucial para combater o desmatamento, paralisa a capacidade de implementação eficaz dessas atividades, enfraquecendo os esforços de mitigação climática no Brasil. Sem essas definições metodológicas, os projetos de desmatamento evitado ficam numa situação de incerteza, o que desestimula a atração de investimentos e dificulta sua integração nos mercados de carbono.

A Coalizão Brasil já destacou em outras ocasiões que a verdadeira função do mecanismo REDD+ é conservar e proteger florestas existentes, enfrentando diretamente as causas do desmatamento e da degradação florestal. Misturar projetos de restauração com REDD+ pode desvalorizar os créditos de ARR, prejudicando tanto a captação de investimentos quanto a aceitação desses créditos no mercado internacional. Além disso, a falta de diretrizes robustas para a implementação de REDD+ pode bloquear o desenvolvimento do mercado de carbono relacionado ao desmatamento evitado.

Abaixo evidenciamos alguns temas para aprofundamento:

I – Diferenciação entre o conceito de REDD+ sob a UNFCCC e restauração no mercado voluntário de carbono

É fundamental que as atividades de “Restauração” não sejam incluídas no conceito de “REDD+”, ainda que este último inclua o componente de “aprimoramento dos estoques de carbono”. Ambos os mecanismos possuem objetivos diferentes, e suas metodologias e valorações seguem abordagens distintas.

A distinção mais básica e fundamental entre REDD+ e ARR reside nos conceitos de remoção e redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE). O REDD+ é essencialmente uma atividade voltada para a redução de emissões de GEE, enquanto o ARR foca na remoção de carbono da atmosfera, ou seja, no sequestro de carbono. Essa diferença é crucial, tanto do ponto de vista operacional dos projetos quanto da captação de financiamentos, sendo um diferencial importante para o sucesso dos projetos.

Embora o “+” em REDD+ possa ser considerado enriquecimento, essa prática é complementar e não central à atividade. O foco principal do REDD+ continua sendo a redução das emissões resultantes do desmatamento e da degradação florestal. O aumento de estoque de carbono associado ao REDD+ está relacionado ao “plus”,adicionado posteriormente ao conceito original, mas não deve ser visto como o cerne da atividade. 

Portanto, ao debatermos sobre a inclusão de atividades de ARR no escopo de REDD+, é fundamental lembrar que o foco principal do REDD+ é a redução de emissões. Colocar ênfase excessiva no componente de remoção pode desviar a atenção da função original de redução de emissões e comprometer a integridade do conceito. Essa diferença de abordagem também reflete nas metodologias:

  1. Linha de base: Em REDD+, a linha de base estima as emissões de GEE que aconteceriam se a área florestal continuasse sendo desmatada ou degradada conforme as tendências históricas, ou seja, calcula-se a quantidade de emissões evitadas pela implementação do projeto de conservação florestal e/ou estratégias de combate ao desmatamento e degradação. Adicionalmente pode ser contabilizado o incremento dos estoques de carbono mediante práticas de manejo. Em ARR a linha de base parte de um cenário sem floresta, onde a terra permanece degradada, sem aumento no sequestro de carbono. Portanto, quantifica-se o carbono removido da atmosfera pela implantação de novas florestas.
  2. Metodologia: REDD+ e restauração possuem diferentes metodologias nos diferentes Padrões de Certificação, inclusive na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).
  3. Valoração: créditos de REDD+ e ARR têm valores distintos, sendo a segunda categoria mais valorizada no mercado devido ao componente de remoção. Além disso, REDD+ foi criado pela UNFCCC inicialmente como um mecanismo de pagamento por resultado, pela quantidade de desmatamento evitado, não pela área de floresta plantada ou restaurada.
  4. Custo: no REDD+, o custo de geração de créditos está diretamente relacionado com os esforços de conservação, ações que evitem o desmatamento e degradação (ex. comando e controle, ações de prevenção e gestão territorial). Já em ARR, além dos custos de proteção da área, existem os custos relacionados ao plantio de árvores, semeadura, condução da regeneração natural, entre outras técnicas. Essas atividades que promovem a restauração são muito mais custosas, envolvendo aquisição de insumos e mais mão-de-obra em campo. Enquanto as atividades de REDD+ possuem custo razoavelmente constante ao longo do projeto, as de restauração tendem a ser muito maiores nos primeiros anos. Dessa maneira, o perfil de investimento das duas modalidades é significativamente diferente, motivo pelo qual requer uma remuneração também distinta. 

II – REDD + na UNFCCC: fatores de desmatamento e restauro

Desde sua criação sob a UNFCCC, o mecanismo de REDD+ tem como foco principal a redução de emissões associadas ao desmatamento e à degradação florestal. A Decisão 1/CP.16 (FCCC/CP/2010/7/Add.1) e as decisões subsequentes das Partes da Convenção encorajam os países a adotarem políticas para enfrentar as causas do desmatamento.

Importante ressaltar que nenhuma decisão no âmbito da COP inclui atividades de restauração como parte do escopo do REDD+. Mesmo nas decisões que mencionam “reflorestamento” ou “restauro”, essas atividades estão relacionadas a florestas existentes, e não a áreas degradadas. Inclusive, ao descrever as atividades de REDD+, as Salvaguardas de Cancún (Decisão 1/CP.16 (FCCC/CP/2010/7/Add.1)) não fazem qualquer menção à restauração. A restauração, por sua vez, foca em áreas que foram degradadas para uso alternativo do solo, o que significa que não lida diretamente com as causas atuais do desmatamento.

A análise das diversas decisões da COP, incluindo o “Marco de Varsóvia”, mostra que a UNFCCC criou o mecanismo REDD+ com o objetivo de abordar os fatores de desmatamento e degradação de áreas florestais1, ou seja, identificar e enfrentar as causas atuais desses fenômenos em florestas existentes. Mesmo quando o Marco de Varsóvia fala em atividades de reflorestamento e restauro, isso é feito no âmbito de florestas existentes. 

Por sua vez, projetos de restauração focam em áreas que já foram degradadas há pelo menos dez anos, com mudanças no uso do solo consolidadas há ao menos uma década. Isso significa que esses projetos não abordam diretamente as causas atuais do desmatamento e degradação florestal, pois lidam com problemas ocorridos em outro período.

III – Estoque de carbono: pressupõe floresta existente

É importante destacar o conceito e a abrangência do “aprimoramento do estoque de carbono florestal” dentro das atividades do REDD+, item “e” do parágrafo 70 da Decisão 1/CP.16 (FCCC/CP/2010/7/Add.1). Nem toda atividade que aumenta o estoque de carbono é automaticamente considerada parte do REDD+. O Programa UN-REDD define “estoque de carbono” como a quantidade de carbono armazenado em um reservatório; no contexto do REDD+, esse reservatório é a floresta existente.

Assim, o aprimoramento do estoque de carbono florestal no REDD+ refere-se ao aumento do carbono armazenado na floresta existente. Um exemplo de tal aprimoramento é a interrupção da extração de madeira em uma área.

Para ser considerada uma atividade de REDD+, a ação que promove o aprimoramento do estoque de carbono deve estar de acordo com os parâmetros definidos pela COP, ou seja: i) reduzir as emissões provenientes do desmatamento e da degradação florestal e ii) floresta existente.

Adicionalmente, é importante notar que restauração é uma atividade específica que geralmente ocorre em áreas sem florestas, que perderam suas características ecossistêmicas naturais originais, com o objetivo de reverter essa degradação.

IV – Implicações de restauro ser REDD+: desvalorização do crédito de ARR

Os projetos de restauração historicamente têm maior aceitação em comparação com projetos de REDD+, já tendo sido aceitos no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto e, atualmente, eles são bem recebidos no mercado voluntário de carbono. Por exemplo, a iniciativa SBTi (Science Based Target Initiative), que estabelece orientação às empresas quanto a suas estratégias de descarbonização, só aceita os créditos de remoção como forma de compensação de emissões. Por esse motivo, muitas vezes os créditos de ARR são vendidos a valor maior que os de projetos de conservação, além do projeto de restauração apresentar um custo superior.

Ainda, é importante que as definições estabelecidas nas normas brasileiras tenham coerência com as adotadas internacionalmente, considerando um contexto de futura integração com mercados internacionais no âmbito do Acordo de Paris. Nesse contexto, uma definição excessivamente ampla de REDD+, que inclua atividades não reconhecidas como tal por outros mercados, pode ter impactos negativos. 

Portanto, reconhecer a diferença dos dois tipos de projetos permitiria evitar que projetos de restauração e seus créditos sejam negativamente impactados nos mercados de carbono, i) levando à falta de financiamento para os projetos que estão se formando atualmente e, ainda, ii) prejudicando a aceitação desses créditos durante futura integração com mercados internacionais, resultando, em ambos os casos, relevante queda de preço.

V – Considerações finais: financiamento de projetos de restauro em jogo

A venda de créditos de carbono de remoção é essencial para financiar atividades intensivas de restauração de espécies nativas em larga escala no Brasil. Equiparar atividades de restauração a REDD+ na nova legislação remove a vantagem competitiva dos créditos de restauração brasileiros, afastando investimentos e comprometendo o crescimento de atividades de restauração no país, que já são uma prioridade para o Executivo.

O escopo de atividades do REDD+ não deve ser confundido com o de restauração na regulamentação brasileira. Para garantir a eficácia da legislação e a integridade dos mercados de carbono, é fundamental que o CONAREDD desenvolva regulamentações detalhadas sobre as metodologias de desmatamento evitado, assegurando que as distinções entre os diferentes tipos de projetos sejam mantidas e que o mercado de carbono continue a valorizar adequadamente as iniciativas de restauração.

A Coalizão Brasil permanece comprometida com o desenvolvimento de políticas públicas que promovam a conservação e restauração florestal. Acreditamos que uma regulamentação bem delineada será crucial para garantir o sucesso dos esforços de mitigação das mudanças climáticas e para manter a competitividade do Brasil no mercado de carbono internacional.


1 –  Vide as decisões: 15/CP.19 (FCCC/CP/2013/10/Add.1); 2/CP.13 (FCCC/CP/2007/6/Add.1); 4/CP.15 (FCCC/CP/2009/11/Add.1); 1/CP.16 (FCCC/CP/2010/7/Add.1).

Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura é um movimento composto por mais de 400 organizações, entre entidades do agronegócio, empresas, organizações da sociedade civil, setor financeiro e academia.

Assine nossa Newsletter
Não foi possível salvar sua inscrição. Por favor, tente novamente.
Sua inscrição foi realizada com sucesso.