10/2024

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Nova meta climática do Brasil deve ser ambiciosa, robusta e factível

O Brasil enfrenta um momento decisivo para reafirmar seu compromisso com o combate às mudanças climáticas. O país deve adotar uma postura ativa, consistente e ambiciosa em sua Nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) e no desenvolvimento de seu Plano Clima Participativo. Suas metas devem se pautar na visão de alcançar a neutralidade das emissões de carbono até 2050, apontando diretrizes, estratégias e políticas efetivas para a redução das emissões em todos os setores da economia brasileira.

Esses instrumentos não apenas definirão suas metas e estratégias rumo à descarbonização e à maior adaptação aos impactos das mudanças climáticas, mas também serão determinantes para posicioná-lo como líder no diálogo climático internacional, especialmente na trajetória até a COP 30. Reconhecendo este papel, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura reafirma seu compromisso em apoiar e contribuir ativamente para a construção do Plano Clima Participativo e uma NDC ambiciosa, robusta e factível, que leve em consideração as potencialidades brasileiras.

O uso da terra, incluindo o setor agropecuário brasileiro, é responsável por uma parcela expressiva das emissões do país e quase a totalidade das remoções de gases de efeito estufa (GEE) da atmosfera. Tem, portanto, grande potencial para liderar soluções climáticas. O combate ao desmatamento e à degradação da vegetação nativa, a adoção de práticas de baixo carbono, como sistemas integrados de lavoura-pecuária-floresta, os sistemas agroflorestais, o plantio direto e a rotação de culturas, assim como o reflorestamento, a restauração florestal e a recuperação de áreas degradadas, são exemplos claros de como é possível garantir a segurança alimentar e a produção rural em geral alinhada aos desafios de uma atividade de baixa emissão de carbono. Essas práticas, além de reduzirem emissões, contribuem para a remoção de grandes quantidades de carbono da atmosfera, reforçando o papel da agropecuária como parte da solução para o atingimento das metas voluntariamente estabelecidas pelo país.  Além disso, as áreas protegidas, sejam elas públicas ou privadas, prestam importantes serviços ambientais, garantindo a conservação da biodiversidade e dos recursos naturais.

Ao mesmo tempo, quase metade das emissões nacionais está associada ao desmatamento – e, de acordo com o MapBiomas, mais de 93% da área desmatada no Brasil em 2023 teve pelo menos um indício de ilegalidade. Na Amazônia, ainda que haja uma tendência de queda, é fundamental compreender que o desafio para zerar o desmatamento no bioma demandará esforços ainda maiores dos agentes públicos e privados. No Cerrado, que já ultrapassou a Amazônia na área desmatada, será preciso aperfeiçoar os instrumentos de comando e controle e, principalmente, implementar políticas públicas e incentivos, inclusive no âmbito estadual, que façam frente aos vetores que têm fomentado o desmatamento.

Paralelamente à elaboração da nova NDC, o governo federal está liderando a construção dos Planos Setoriais de Mitigação e Adaptação. Para embasar e avaliar cenários para esses planos, está sendo utilizado o modelo Brazilian Land Use and Energy Systems (BLUES), desenvolvido pela Coppe/UFRJ.  Em seu processo, o BLUES junta os dados de dois módulos – um focado em energia, indústria e resíduos, e outro voltado para o uso da terra, mudanças de uso da terra e florestas. Os parâmetros usados nestes modelos seguem os adotados globalmente pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) e incluem adaptações especificas para o Brasil.

O módulo referente ao uso da terra é bastante opaco. Durante as apresentações do processo de consulta, não ficou claro quais parâmetros e fatores de conversão em emissões/remoções estão sendo aplicados em cada tecnologia ou atividade considerada no modelo – tampouco os custos são claros. Este fato gera muita incerteza sobre sua aplicação, especialmente para embasar a nova NDC brasileira.

A Coalizão Brasil considera que os esforços para a construção da nova meta no âmbito da NDC, assim como o desenvolvimento dos planos setoriais de mitigação e adaptação no âmbito do Plano Clima, devem ser melhor integrados e coordenados. Nesse sentido, o movimento entende que são necessárias as seguintes ações em relação ao processo da NDC e do Plano Clima Participativo:

  1. É necessário dar transparência às premissas utilizadas no modelo BLUES (ou outro que venha a ser utilizado), assim como à origem de seus dados. Embora o governo federal tenha se empenhado em apresentar a metodologia, que serve de base para a construção das curvas de descarbonização setorial, ainda há incertezas significativas em torno do modelo. A clareza desses critérios e os parâmetros (custo e emissões/remoções) utilizados é essencial para garantir a legitimidade das projeções e o engajamento dos setores envolvidos.
  1. O Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa, principal instrumento oficial para mensuração das emissões setoriais, precisa ser atualizado para eliminar suas lacunas significativas, especialmente no que se refere à falta de consideração das emissões e remoções oriundas das mudanças nas práticas de manejo em atividades de uso do solo. Estes dados devem ser incluídos o quanto antes para que os esforços dos setores econômicos relativos ao cumprimento da NDC sejam refletidos com precisão e coerência.
  1. Deve haver desde já um esforço de interoperabilidade entre o Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa e o sistema de modelagem de cenários (seja o BLUES ou qualquer outro a ser utilizado), de modo a garantir, também, a precisão e coerência entre os sistemas em uso.
  1. A construção dos Planos Setoriais de Mitigação e Adaptação devem considerar a participação dos respectivos setores e a construção de normas que contemplem um planejamento de transição efetivo e ambicioso, contemplando um rol de incentivos e medidas de comando e controle destinados à efetiva implementação dos planos.
  1. O Brasil deve se comprometer assertivamente em atingir a meta de desmatamento zero em todos os biomas até 2030. Ações de comando e controle contra o desmatamento ilegal na Amazônia e o Cerrado são cruciais para que o aumento da temperatura global não ultrapasse o patamar de 1,5 grau Celsius, dado o seu efeito sobre os estoques de carbono e o efeito refrigerador das florestas tropicais. 
  2. Os planos para controle do desmatamento nestes biomas (PPCDAm e PPCerrado) precisam estar claramente vinculados a outras políticas públicas sinérgicas, tais como a Política Nacional sobre Mudança do Clima, a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais e o Código Florestal. Ao mesmo tempo, é necessário desenvolver uma agenda de incentivos e inovação como estratégias para redução do desmatamento legal, almejando a erradicação do desmatamento até o fim da década.
  3. É preciso reforçar a liderança dos governos federal e estaduais na efetiva implementação do Código Florestal, ampliando o papel do Executivo federal na articulação, integração e cooperação com e entre os entes federados, provendo instrumentos, ferramentas e insumos para acelerar a regularização ambiental dos imóveis rurais. É fundamental engajar todos os segmentos da sociedade em torno de um compromisso nacional, com metas claras para a implementação deste marco legal. Destaca-se que do cumprimento do Código Florestal depende parcela importante das metas de redução de emissões e remoções associadas ao uso do solo no Brasil.
  4. Deve-se, ainda, fortalecer os mecanismos de rastreabilidade e transparência na cadeia de commodities, de modo que o país atenda às crescentes demandas globais por sustentabilidade e segurança alimentar, assegurando que sua produção agropecuária e florestal seja reconhecida como exemplo de responsabilidade socioambiental.
  5. O desenvolvimento de um mercado de carbono robusto, que incorpore o uso da terra, valorize atividades de remoção e atraia investimentos, será um diferencial competitivo crucial para o país. O Brasil tem o potencial de se tornar uma das maiores potências mundiais na captura de carbono. A restauração de florestas e outros ecossistemas pode se tornar uma fonte significativa de remoção de GEE e desenvolvimento socioambiental.  
  6. É preciso aferir e valorizar as iniciativas de pagamento por serviços ambientais, igualmente essenciais para reverter o perfil de emissões de GEE e ascender a curva de prosperidade e desenvolvimento em comunidades e assentamentos. Para isso, é urgente a regulamentação e implementação da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais.

O Brasil tem a tarefa histórica de liderar o diálogo entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, construindo pontes para a COP 30. Sua vasta biodiversidade, capacidade de remoção de carbono e matriz energética relativamente limpa o colocam em uma posição privilegiada para mediar discussões globais sobre a transição energética e a descarbonização. O país deve adotar uma agenda propositiva que inclua o combate ao desmatamento, o fortalecimento da agricultura regenerativa, o desenvolvimento de um mercado de carbono transparente e eficaz e o bem-estar das pessoas.

Durante sua Presidência do G20, o Brasil inovou ao promover um maior protagonismo das agendas do clima, natureza e equidade na economia global com os temas de financiamento da bioeconomia, mecanismos inovadores para soluções baseadas na natureza e pagamentos por serviços ambientais. Na COP 30, pode se consolidar como um líder global na agenda climática.

A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura reafirma seu compromisso com uma agenda climática ambiciosa, que una diferentes setores em torno de objetivos comuns. A Nova NDC do país deve ser construída com transparência, participação, pragmatismo e ambição, garantindo que o Brasil não só cumpra suas metas internacionais, mas também se torne um exemplo de desenvolvimento sustentável.

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A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura é um movimento composto por mais de 400 organizações, entre entidades do agronegócio, empresas, organizações da sociedade civil, setor financeiro e academia.

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