03/2021

Tempo de leitura: 17 minutos

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Plano Safra 2021/2022: Contribuições da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura

Documento elaborado pelos membros da Força-Tarefa de Finanças Verdes do Fórum de Diálogo de Agropecuária e Silvicultura em resposta ao ofício-circular nº 1/2021/SPA/MAPA e enviado à Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura

CONTEXTO

A Coalizão acredita que é necessário promover um setor agropecuário moderno, produtivo, competitivo e responsável na utilização dos recursos naturais.

A visão geral da Coalizão é que o crédito rural precisa incentivar uma maior produtividade do setor agrícola, de modo que os produtores mais eficientes, produtivos e dependentes do crédito subsidiado com recursos públicos tenham prioridade no acesso a financiamento.
A Coalizão defende que o Plano Safra, como principal instrumento de implementação da política agrícola brasileira, seja completamente alinhado às metas climáticas do Brasil e, portanto, tenha seu portfólio totalmente vinculado a práticas de baixa emissão de carbono, assim como funciona hoje o Programa para Redução da Emissão de Gases de Efeito Estufa na Agricultura (Programa ABC). Além disso, é preciso garantir que qualquer projeto financiado não inclua a prática de desmatamento ou conversão de áreas naturais.

O aprimoramento do crédito rural e do seguro é um caminho para consolidar a importância da dimensão climática na análise de risco das instituições financeiras.

Também é fundamental dar efetividade ao que preconiza o artigo 41, II e parágrafo 1o. do Código Florestal (Lei 12.651/2012), que coloca o crédito (entre outros instrumentos) como caminho para regularização ambiental de imóveis rurais.

Principal política agropecuária brasileira, o Plano Safra tem importância central em direcionar os produtores para esses objetivos. As propostas aqui apresentadas visam contribuir para o contínuo aprimoramento do crédito e do seguro rural no Brasil.

A eficiência do sistema de crédito requer a simplificação e desburocratização de programas e fontes de financiamento. Lidar com uma multiplicidade de regras e de linhas de crédito distintas é custoso tanto para os produtores como para as instituições financeiras. Reduzir a complexidade e distorções do crédito rural facilitará o acesso pelos produtores e estimulará a competição entre as instituições financeiras, melhorando as condições de financiamento no mercado.

O sucesso de longo prazo da atividade rural está associado com a adoção de práticas sustentáveis e a preservação adequada de vegetação nativa. A exploração continuada e produtiva da agropecuária depende de um equilíbrio com os ecossistemas naturais, de forma a preservar os padrões de chuva que irrigam a nossa agricultura. Assim, o alinhamento das políticas de crédito com objetivos de sustentabilidade e conservação ambiental deve ser reforçado.

Instrumentos de crédito têm papel central na conciliação entre produção e conservação. Estudos do Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio) em conjunto com o Banco Central do Brasil mostram que o aumento da oferta de crédito pode aumentar a produtividade rural e, ao mesmo tempo, reduzir as pressões por desmatamento. Uma parcela significativa de produtores, em geral pequenos, enfrentam restrições relevantes no acesso ao crédito e não conseguem investir adequadamente em suas operações. Um aumento da disponibilidade de crédito para esse grupo permite, portanto, que eles façam um uso mais intensivo da terra. A consequência é uma menor expansão da área agropecuária e maior preservação das florestas.

A incorporação da sustentabilidade e da conservação como objetivos explícitos e relevantes da política agrícola é primordial também para o êxito do Brasil em negociações e acordos comerciais. Indicadores ambientais têm sido cada vez mais determinantes para a inserção internacional do Brasil e promoção de suas exportações, sendo fundamentais para o sucesso da agropecuária brasileira. A preocupação internacional crescente com a preservação das florestas e da biodiversidade, as mudanças climáticas e os riscos de catástrofes exige do Brasil um comprometimento com práticas sustentáveis e a proteção das vegetações nativas, por meio de políticas eficazes para o setor.

Recentemente, a política agropecuária brasileira teve avanços relevantes no alinhamento entre instrumentos financeiros e práticas sustentáveis. O Banco Central lançou, em 2020, a dimensão sustentabilidade de sua agenda BC#, com o anúncio do Bureau Verde de Crédito Rural e da intenção de gerar incentivos para tornar o crédito rural mais verde. A Resolução No. 4.824 do Conselho Monetário Nacional (CMN) de junho de 2020 aumentou em até 10% o limite de crédito de custeio no Plano Safra 2020-2021 para produtores com o CAR (Cadastro Ambiental Rural) validado, que é um primeiro passo para a conformidade com o Código Florestal. Outra medida importante nesse Plano Safra foi permitir o financiamento da aquisição de CRA (Cotas de Reserva Ambiental, cuja principal função é servir como mecanismo de compensação de Reserva Legal). Para o Plano Safra 2021-2022, o Banco Central sinalizou a possibilidade de aumento dos limites de crédito para operações com características sustentáveis em até 20%.

As restrições fiscais e as taxas de juros em declínio no Brasil devem levar a uma redução dos subsídios e direcionamento do crédito em nível agregado. Nesse contexto, se torna mais importante garantir que os recursos empregados sejam eficazes e com impactos socialmente desejáveis. Portanto, o crédito rural deve focar em aumentar a produtividade e incentivar a adoção de práticas mais sustentáveis.

O Brasil também precisa seguir avançando na expansão de seguros e produtos de gerenciamento de riscos para o setor rural. Melhorar a gestão de riscos é necessário para a modernização e a sustentabilidade da produção agrícola brasileira. A baixa capacidade de gestão de risco leva os produtores, muitas vezes, a abandonarem atividades economicamente mais lucrativas e ambientalmente menos degradantes em favor de outras com menor variação de resultados. Essa ineficiência gera custos econômicos e ambientais, como subinvestimento, menor produção agropecuária e impactos adversos no uso da terra.

Expandir o mercado de seguros rurais é uma frente importante de política pública. Para os anos agrícolas de 2019/2020 e de 2020/2021, foram anunciados aumentos significativos no financiamento do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), alcançando R$ 1 bilhão e R$ 1,3 bilhão, respectivamente. No entanto, a disponibilidade de seguros rurais e outros instrumentos de gestão de risco ainda é limitada e de difícil acesso em muitas regiões. É importante viabilizar instrumentos para reduzir as assimetrias de informação e permitir às seguradoras avaliarem melhor o risco dos produtores. O Bureau Verde que está sendo construído pelo Banco Central pode contribuir nessa direção ao permitir que seguradoras tenham informações confiáveis sobre produtores com boas práticas de manejo e, em consequência, com risco menor. Há o potencial para a formação de um ciclo virtuoso.

Aprimorar as políticas públicas voltadas ao setor rural consiste em reduzir distorções e canalizar recursos para ações e programas com maior retorno econômico, social e ambiental. A sinergia e coordenação de esforços entre os diversos órgãos e esferas governamentais é primordial para tornar a política pública mais eficiente e eficaz. As propostas apresentadas a seguir foram construídas com esse objetivo.  



PROPOSTAS PARA O PLANO SAFRA 2021/2022

As propostas para o Plano Safra 2021/2022 foram desenvolvidas pela Agroicone, sendo debatidas e endossadas pela Força Tarefa de Finanças Verdes da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

As propostas visam fomentar o aumento da produtividade e a adoção de boas práticas produtivas com base na adoção de tecnologias, na adaptação dos sistemas produtivos e na implementação do Código Florestal. A premissa central é a de que essas ações permitirão aprimorar investimentos na agropecuária brasileira, essencial para promover inovações nos diferentes sistemas produtivos, consolidando o Brasil como grande produtor sustentável de alimentos.

São apresentadas as seguintes propostas para o Plano Safra 2021/2022:

1. Direcionar a subvenção econômica da política de crédito rural para investimentos, especificamente ao Programa ABC, voltada para sistemas produtivos resilientes

2. Aprimorar o Programa ABC criando o subprograma “Correção dos Solos” e inclusão do financiamento de investimento em energia renovável nas propriedades rurais

3. Incorporar o MODERAGRO nos Programas ABC, INOVAGRO e demais linhas de crédito de investimento

4. Priorizar a alocação de recursos de investimentos dos Fundos Constitucionais em melhoria de produtividade, renda e resiliência da propriedade rural (Programa ABC)

5. Fortalecer os instrumentos de gestão de risco voltados para produtores que adotam sistemas produtivos resilientes e tecnologias de baixo carbono (seguro rural)


Sobre as propostas para fortalecer o Programa ABC (Propostas 1 e 2):

O objetivo em relação ao Programa ABC é aprimorá-lo, visto que é o único que permite financiar atividades produtivas com uma visão sistêmica das propriedades impulsionando a adoção de tecnologias e sistemas produtivos mais resilientes e sustentáveis na agropecuária, garantindo ganho de produtividade ao longo do tempo e de forma constante. Assim, aprimorar o Programa ABC pode ser uma forma estratégica de canalizar recursos públicos para atividades que requerem investimentos e se justificam pelo fato de reunirem critérios socioambientais. Ademais, são fatores que justificam a atuação do governo ao subsidiar programas de investimento no âmbito da política agrícola. Nesse sentido, propõem-se:

a) elevar o montante de recursos alocados pelo BNDES no Programa ABC: o BNDES direciona recursos para diversas instituições financeiras que operam o crédito rural. O aumento na demanda pelos recursos do Programa ABC e o esgotamento dos recursos no BNDES antes de terminar o primeiro semestre dos últimos anos-safra mostram a necessidade de aumentar a oferta de recursos via BNDES. Isso irá fomentar a oferta do Programa ABC por diversas instituições financeiras aos produtores rurais.

b) direcionar recursos dos bancos cooperativos e cooperativas de crédito para o Programa ABC, visto que houve aumento na contratação de recursos desta linha de crédito por meio dessas instituições financeiras nos últimos cinco anos-safra utilizando como fonte de recursos o BNDES. Sugere-se que parte da poupança rural subvencionada para Investimento Empresarial do Bancoob e Sicredi seja direcionada para o Programa ABC.

c) criar o subprograma de “Correção dos Solos” no Programa ABC, incorporando as intervenções no solo (correção, adubação, proteção), independente se for utilizado pela agricultura ou pecuária, tendo em vista que esta prática recupera e evita a degradação dos solos e, consequentemente, o evita o desmatamento, aprimoramento do alcance da agropecuária de baixo carbono.

d) incluir o financiamento de itens de investimento em energia renovável nas propriedades rurais no Programa ABC, como o uso da energia solar, biomassa e eólica.


Quanto à necessidade de simplificação das linhas de crédito (Proposta 3):

A política agrícola tradicional, via Plano Safra, financia boas práticas agropecuárias por meio de outros programas, sem que consiga, no entanto, rotular esse financiamento nos moldes do Programa ABC. Isso, na prática, prejudica o fortalecimento de uma política que permite agregar atributos sustentáveis ao setor agropecuário. De outro lado, há práticas que embora não estejam contempladas no Plano ABC, representam ações condizentes com os elementos que qualificam a agropecuária de baixo carbono e a adaptação às mudanças climáticas. Dessa forma, sugere-se simplificar e harmonizar as linhas de crédito de investimento que tenham objetivos comuns, especificamente incorporando os produtos financiados pelo MODERAGRO nos Programas ABC, INOVAGRO e nas demais linhas de crédito.


Sobre a alocação eficiente de recursos de investimento dos Fundos Constitucionais (Proposta 4):

Busca-se propor melhorias na alocação de recursos especialmente voltados à adoção de tecnologias, melhoria de produtividade e resiliência nas propriedades rurais. Vale ressaltar que os Fundos Constitucionais não operam os programas de investimentos oferecidos pelo Sistema Nacional de Crédito Rural, alocando os recursos conforme as prioridades determinadas pelos Conselhos Deliberativos Regionais. Assim, sugere-se:

a) alocar recursos dos Fundos Constitucionais no Programa ABC, buscando fomentar a recuperação de áreas degradadas, sistemas produtivos resilientes e adequação ambiental das propriedades rurais, bem como alocar parte dos recursos de investimentos classificados como “sem vínculo a programa específico” para financiar o projeto de investimento como um todo, não apenas itens específicos.

b) garantir que recursos dos Fundos Constitucionais tenham os mesmos requisitos e incentivos dos programas do SNCR para harmonizar e simplificar o crédito rural, o que deve trazer melhor alocação de recursos sob a ótica de desenvolvimento regional.


Sobre a proposta para o seguro rural (Proposta 5):

Além de ser um garantidor de renda ao produtor em caso de catástrofe, o seguro rural é um importante instrumento para a segurança alimentar. Adicionalmente, o seguro rural pode ser um instrumento de incremento de produtividade, desde que fomente o uso de boas práticas agropecuárias e de tecnologias. Frente a isso, propõem-se:

a) incluir as seguradoras no debate do bureau verde do crédito rural pois, uma vez que o bureau permitirá diferenciar produtores pelas tecnologias, produtividades esperadas e práticas de manejo, esse escore (exógeno ao sistema de seguros) tem grande potencial de reduzir assimetria de informação no mercado de seguros, abrindo espaço para uma melhor precificação das apólices;

b) uso do critério de elegibilidade do bureau verde de crédito rural para a diferenciação de apólices do seguro rural pelas seguradoras (via produtor rural). Uma sugestão é a emissão de um documento oficial atestando que o produtor foi contemplado com o aumento de limite de crédito (dentre outros incentivos) devido ao atendimento dos critérios de sustentabilidade. Desta forma a seguradora teria margem para melhorar as condições de apólice, uma vez que a assimetria de informação é reduzida, assim como os riscos.

c) atuação conjunta da política de crédito rural e do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) utilizando os critérios de elegibilidade do bureau verde de crédito rural, na busca por uma relação mais sinérgica entre as políticas, tal que sejam indutoras da adoção tanto de boas práticas e tecnologias como de ações de mitigação de riscos, sejam eles financeiros, climáticos ou de outra natureza pelos produtores rurais.

Cada proposta foi detalhada em notas técnicas e, adicionalmente, também apresentamos ao MAPA propostas de minutas de Resolução do CMN (das normas gerais do crédito rural e da definição das taxas de juros), tais que incorporem as propostas de alteração do Manual de Crédito Rural apresentadas, assim como da Portaria do Ministério da Economia, que autoriza o pagamento de equalização de taxas de juros do crédito rural.

Sobre a Coalizão Brasil

Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura é um movimento multissetorial que se formou com o objetivo de propor ações e influenciar políticas públicas que levem ao desenvolvimento de uma economia de baixo carbono, com a criação de empregos de qualidade, o estímulo à inovação, à competitividade global do Brasil e à geração e distribuição de riqueza a toda a sociedade. Mais de 280 empresas, associações empresariais, centros de pesquisa e organizações da sociedade civil já aderiram à Coalizão Brasil – coalizaobr.com.br

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