07/2021

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Posicionamento da Coalizão Brasil sobre o Projeto de Lei de Licenciamento Ambiental

Em função da aprovação, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei (PL) 3729/04, que propõe o estabelecimento de uma nova Lei Geral de Licenciamento Ambiental para o país, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, movimento composto por mais de 300 representantes do agronegócio, sociedade civil, setor financeiro e academia, vem a público manifestar seu posicionamento quanto às perspectivas de votação do projeto no Senado Federal.

Conforme já consta em nossa manifestação pública de 2017, entendemos que é possível aperfeiçoar o processo de licenciamento ambiental, simplificando procedimentos, sem abrir mão do objetivo final desse importante instrumento de política ambiental, que é garantir que as atividades produtivas não comprometam o direito constitucional de toda a sociedade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Para tanto, são necessárias regras claras e procedimentos capazes de tratar de forma diferente empreendimentos com graus de impacto distintos. Isso trará segurança jurídica para os empreendedores, aumentará a eficiência dos órgãos ambientais e ampliará a eficácia dos mecanismos de controle de impactos socioambientais.

Para se alcançar esse objetivo, no entanto, entendemos ser imprescindível que o PL 3729/04 seja aprimorado no Senado Federal. O projeto oriundo da Câmara dos Deputados não apenas afasta o Brasil dos melhores sistemas internacionais de avaliação de impactos ambientais como, também, de forma inadvertida, traz desnecessária e indesejável insegurança jurídica para aqueles que pretendem empreender. Mas é possível adequá-lo.

Para tanto, a Coalizão entende que a legislação federal deve estabelecer critérios nacionais para os procedimentos de licenciamento ambiental, de modo a ter maior padronização e, com isso, mitigar a discricionariedade entre entes federativos. O PL 3729/04, no entanto, vai em sentido contrário. Ao permitir que cada agência ambiental estadual defina, sem qualquer parâmetro nacional e sem nenhum tipo de controle social, quais empreendimentos ou atividades devem ou não ser licenciados (art.4º, §1º), bem como os procedimentos que devem ser seguidos para cada tipo de empreendimento (art.17, §1º), o projeto aumentou a discricionariedade e diminuiu a segurança jurídica. Um mesmo empreendimento poderá ser dispensado de licença num estado, ser objeto de licenciamento simplificado num estado vizinho e de licenciamento com elaboração de Estudo de Impacto Ambiental num terceiro estado. Com isso, a quantidade e diversidade de regras sobre licenciamento aumentará, tornando o sistema mais complexo, e não mais simples, como esperado. Além disso, ao delegar aos órgãos licenciadores a competência para definir ritos e regras, o projeto entra em choque com a realidade jurídica da maior parte dos estados, nos quais as regras sobre licenciamento são, corretamente, definidas em órgãos colegiados, inclusive com participação da sociedade, o que criará uma desnecessária situação de insegurança jurídica assim que a lei entrar em vigor.

O PL ainda dispensa de licenciamento treze categorias de empreendimentos (art.8º), em completo desacordo com o avanço do conhecimento científico em relação à interferência no ambiente.

A possibilidade de licenciamento por adesão e compromisso de empreendimentos de médio impacto (art.21, I), de acordo com a decisão de cada órgão licenciador, é outro dispositivo que não só vai suscitar disputas judiciais como, desnecessariamente, criará uma grande insegurança à sociedade. A automatização de processos é possível, em determinadas situações, desde que com critérios técnicos seguros e controláveis. A maior parte dos empreendimentos sujeitos a licenciamento ambiental junto aos estados e municípios são de baixo impacto ambiental e a aplicação dessa modalidade de licença – desde que feita de forma correta – restrita a essa categoria de empreendimentos já aumentaria a eficiência dos órgãos licenciadores sem expor a sociedade a riscos graves e impactos relevantes.

O projeto impõe prazos aos órgãos licenciadores (art. 43) sem garantir que esses órgãos, deficitários em recursos, sejam estruturados. Na prática, transforma a licença ambiental, resultado de um processo tecnicamente complexo, em mero rito burocrático, concedida por decurso de prazo. O Tribunal de Contas da União, ao avaliar o desempenho do IBAMA, concluiu que a maior parte dos atrasos dos processos era devida a erros nos estudos e documentos fornecidos pelos empreendedores.

Um ponto muito importante, que a Coalizão julga que deve ser necessariamente revisto, é o que dispensa o empreendedor da obrigação de adoção de medidas para evitar o desmatamento induzido pela instalação e funcionamento de obras de infraestrutura (rodovias, hidrelétricas, linhas de transmissão e outros) em regiões remotas do país. Todos sabemos que a abertura e pavimentação de rodovias induz o aumento exponencial da ocupação em suas margens, razão pela qual a maior parte do desmatamento ilegal se concentra em áreas próximas a elas, sobretudo em áreas de florestas públicas. O projeto proíbe que ações de controle do desmatamento sejam adotadas pelo empreendedor, por entender que são eventos causados por terceiros (art.13, §1º e §2º), mesmo que potencializados pela obra. Associado à possível aprovação de projetos de lei que anistiam e facilitam a grilagem de terras públicas, esse dispositivo inviabilizará o tão almejado fim do desmatamento ilegal no país até 2030, condição necessária para que a agropecuária brasileira continue relevante numa economia mundial que busca rapidamente neutralizar suas emissões de carbono. Além disso, está evidenciada pelos dados dos últimos dois anos a perda de controle dos desmatamentos por parte do poder público, fruto da extinção do Plano de Prevenção e Controle dos Desmatamentos na Amazônia (PPCDAm).

Esse dispositivo, ademais, significa um retrocesso de décadas na política brasileira de avaliação de impacto ambiental, que surgiu nos anos 1980 justamente para evitar a instalação de obras que induzissem o desmatamento e a invasão de áreas protegidas. Ele afasta o Brasil das melhores práticas mundiais de prevenção de impacto ambiental, inclusive das diretrizes do Banco Mundial e do Banco Interamericano para o Desenvolvimento, o que pode afugentar investimentos. Esse risco poderia ser reduzido se o projeto conectasse o licenciamento ambiental com outros instrumentos de planejamento econômico e ambiental mais abrangentes, como é o caso do Zoneamento Ecológico Econômico e a Avaliação Ambiental Estratégica, os quais são capazes de evitar que sejam submetidos a licenciamento obras ambientalmente inviáveis. Embora essa conexão constasse de versões preliminares do texto, ela foi suprimida no substitutivo aprovado pela Câmara dos Deputados, cabendo ao Senado Federal resgatá-la. Não é coerente aprovar uma nova lei, em pleno século XXI, que não promova essa integração entre instrumentos de planejamento e de controle e que despreze tais instrumentos na aplicação do licenciamento ambiental.

Acrescente-se à lista de melhorias que o projeto merece receber no Senado a obrigatória oitiva dos órgãos intervenientes no caso de licenciamento ambiental de obras com impactos em territórios indígenas (inclusive os ainda não homologados) ou quilombolas (ainda não titulados). Por fim o projeto ignora por completo o tema do aumento de emissões no âmbito do licenciamento ambiental, oportunidade para que haja, no mínimo, senão o controle, o monitoramento de emissões de CO2 e de medidas mitigadoras.

Por todas as razões acima expostas, Coalizão Brasil sugere aos senadores que revisem com cuidado o texto aprovado pela Câmara dos Deputados, reequilibrando o balanço entre simplificação processual e segurança socioambiental.

Sobre a Coalizão Brasil
Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura é um movimento multissetorial que se formou com o objetivo de propor ações e influenciar políticas públicas que levem ao desenvolvimento de uma economia de baixo carbono, com a criação de empregos de qualidade, o estímulo à inovação, à competitividade global do Brasil e à geração e distribuição de riqueza a toda a sociedade. Hoje ela congrega mais de 300 empresas, associações empresariais, centros de pesquisa e organizações da sociedade civil. Para outras informações, acesse www.coalizaobr.com.br

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