08/2017

Tempo de leitura: 10 minutos

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Reserva Legal pode render retornos econômicos

Foto: Divulgação

O Brasil tem o enorme desafio de recuperar cerca de 22 milhões dehectares até 2030, devido à adesão a compromissos internacionais de biodiversidade e clima. Desse total, estima-se que cerca de 11 milhões de hectares sejam de áreas de Reserva Legal (RL).  A lei brasileira estabelece que as áreas de RL nas propriedades rurais têm a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural e promover a conservação da biodiversidade. Além de gerar serviços ambientais, a RL pode também trazer ganhos econômicos aos produtores e contribuir significativamente para garantir que o Brasil alcance sua meta, atraindo investimentos públicos e privados.

Mas, para isso, é preciso definir com clareza as regras de exploração em áreas de RL. Aurélio Padovezi, gerente de florestas do WRI e coordenador da câmara técnica de política pública do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, fala sobre o potencial econômico das RL e o papel da campanha “Que Reserva Legal queremos na Mata Atlântica” para ouvir a sociedade sobre a exploração dessas áreas. 

O Brasil tem a meta de recuperar cerca de 22 milhões de hectares até 2030, devido à adesão a compromissos internacionais como o Desafio de Bonn, a Iniciativa 20×20 e o Acordo de Paris. Que medidas o Brasil precisa tomar para viabilizar essa meta?

São várias ações, é um quebra-cabeças. As principais medidas são aquelas que promovem engajamento e compromisso social, o desenvolvimento tecnológico, articulação política e planejamento a longo prazo. Para uma meta tão ambiciosa é preciso uma grande articulação para engajar proprietários rurais e os demais atores da cadeia de restauração, além de fortalecer políticas públicas a favor dessa agenda. Financiamento público é importante para fortalecer essa incipiente cadeia econômica, por meio de recursos provenientes da conversão de multas, compensação ambiental ou de bancos públicos, como as linhas de financiamento que o BNDES tem colocado à disposição daqueles que querem tomar atitude. Além disso, a atração de investimentos privados para essa agenda será fundamental, pois o investimento público não será suficiente para dar conta deste desafio .

Desses 22 milhões de hectares, cerca de 11 milhões são áreas de Reserva Legal (RL). Quão complexo é esse desafio?

Estimativas apontam que hoje existem cerca de 16 milhões de hectares de RL no Brasil a serem recuperadas. Claro que esse número flutua num constante ajuste, mas qualquer número de dois dígitos na ordem de grandeza de milhões exige um planejamento enorme. Para se ter uma ideia, a produção de pinus e eucalipto no Brasil está presente, hoje, em cerca de 7,8 milhões de hectares, isso com investimentos há mais de 100 anos, incluindo recurso público em pesquisa e desenvolvimento.
Restaurar alguns milhões de hectares de RL não será nada trivial. É possível, mas exigirá apoio da sociedade brasileira e internacional, assim como muita vontade política.

Como viabilizar a recuperação de áreas de RL?

A legislação atual diz que a recuperação de RL, além de manter os produtos e serviços oferecidos gratuitamente pela natureza, pode gerar ganhos econômicos ao proprietário. Mas não define que tipo de manejo é possível nessas áreas. Um produtor que quiser maximizar os ganhos econômicos, pode acabar anulando os benefícios ecológicos e vice-versa. Precisamos encontrar um meio termo.
A grande virada na paisagem das propriedades rurais pela ação restauradora virá quando a sociedade olhar para a RL não apenas como uma obrigação legal, mas sim pelo seu potencial econômico e papel social.
São, pelo menos, três abordagens possíveis para que a sociedade reconheça os benefícios da restauração de RL. A primeira é o benefício natural, pois uma área de RL ajuda na regulação hídrica, armazena carbono, condiciona o microclima, preserva recursos da biodiversidade e outros atributos ecológicos. A segunda é a diferenciação da commodity agrícola brasileira no mercado internacional como um produto que traz o valor agregado da conservação ambiental.  A terceira abordagem é a valorização do nosso maior patrimônio nacional, os produtos da nossa sociobiodiversidade. A regionalidade única desses produtos agrega valor. É o caso da cachaça mineira do açaí e inúmeros cosméticos fabricados com plantas nativas do Brasil.

Que tipo de manejo é possível desenvolver em áreas de RL?

A recuperação da vegetação nativa em RL permite o plantio e o manejo de espécies nativas com potencial de gerar retorno econômico. No início do processo de recuperação, é possível utilizar espécie de ciclo anual, como grãos, milho e feijão, por exemplo. Evoluir para o feijão-guandu, o jaborandi, banana emandioca e, assim, sucessivamente, se espelhando na sucessão ecológica natural, e chegar ao clímax do manejo de espécies de madeira nobre, como a peroba e o jequitibá.
Hoje, existem diversas iniciativas espalhadas pelo Brasil. O projeto Verena tem identificado e sistematizado algumas dessas experiências. Embora promissora, essa nova economia carece de investimentos em tecnologia e desenvolvimento de práticas para potencializar seus ganhos econômicos.

A maioria dos produtores ainda não está atenta às oportunidades econômicas das RL, não é?

Ainda não, mas projetos iniciais, com técnicas como integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) com 3 ou 4 espécies, já são um avanço neste sentido. Se considerarmos que um único hectare de floresta tropical pode conter mais do que 450 espécies de árvores, a ILPF são sistemas extremamente simples, mas já considera a interação positiva entre as espécies e aproveita melhor o espaço. É como se houvesse uma evolução de pensamento na forma de se fazer agricultura. Em vez de produzir apenas carne, agora há “andares”, nos quais pode-se produzir também milho e madeira, por exemplo. A nossa floresta tropical funciona assim – em “andares” – só que de forma muito mais complexa. Reconhecer esse valor e aprender a lidar com essa complexidade é o caminho para viabilizar o reconhecimento do real valor da Reserva Legal.
Em diversos momentos históricos, os produtos da sociobiodiversidade foram centrais para o país. Não é à toa que temos a araucária como símbolo do Paraná e Brasil como nome do nosso país, já que em vários momentos importantes do nosso desenvolvimento econômico, a madeira foi fundamental.
Apostar nos produtos da sociobiodiversidade é, sobretudo, uma estratégia para diversificar a produção, desenvolver tecnologias inovadoras, atrair investimentos e guiar nosso país a um outro patamar de desenvolvimento econômico e social.

Qual é o principal obstáculo ao produtor que quiser obter retornos econômicos com sua RL?

A legislação, hoje, reconhece a necessidade de se preservar os benefícios ambientais das RL e também a possibilidade de gerar ganhos econômicos de maneira sustentável. Mas a lei não diz como isso pode acontecer. Nem teria como dizer pois a diversidade do nosso país exige soluções regionais. Por esse motivo, a lei delega aos Estados a regulamentação dos Programas de Regularização Ambiental (PRA). São os PRAs que vão definir como se dará a recuperação RL e seu manejo para fins econômicos. É o PRA que vai definir as “regras do jogo”.
O problema é que na Mata Atlântica, por exemplo, somente 5 dos seus 17 Estados possuem PRA em vigor. Mesmo assim, carecem de definições claras sobre como conduzir ações de recuperação em RL que permitam ganhos econômicos. É preciso dar mais clareza como, por exemplo, a intensidade e periodicidade do manejo da RL restaurada ou em processo de restauração. Sem essa definição é impossível gerar um plano de negócios confiável.
Dependendo de como esse e outros pontos forem definidos na legislação, é possível atrair ou limitar investimentos privados nesta agenda. E, aí, voltamos a um dos pontos iniciais: precisamos de financiamento privado para alavancar a agenda da restauração para chegar à escala de milhões de hectares em 20 anos. Portanto, temos que mostrar a investidores que investir em RL é interessante e seguro. Sem perder de vista a importância social e ambiental dessa porção de área.

Esse é o objetivo da campanha “Que Reserva Legal queremos na Mata Atlântica”?

Sim, é um deles. Essa campanha é uma iniciativa do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, com o apoio da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Um grupo de pesquisadores olhou profundamente para as questões econômicas, ecológicas e legais que cercam o debate. Esse grupo selecionou questões-chave que são fundamentais para viabilizar a restauração dessas áreas, garantindo retorno econômico e mantendo seu valor ambiental. Queremos ouvir a opinião dos envolvidos nessa agenda (investidores, produtores, sociedade civil etc.). Para isso, foi criado um questionário online, que se encerrou em 2 de setembro. O resultado final dessa pesquisa irá gerar um relatório que tem por objetivo influenciar a construção dos PRAs estaduais. 

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