05/2023

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Brasil pode conciliar oferta e demanda por restauração, dizem líderes de força-tarefa

Laura Antoniazzi e Rubens Benini analisam atual cenário para setor no Brasil e compromisso internacional assumido pelo país

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Fotos: Divulgação e Erik Lopes

O combate às mudanças climáticas no Brasil não se restringe a conter o desmatamento da Amazônia. Em 2015, o país se comprometeu a restaurar e reflorestar até 12 milhões de hectares de florestas até 2030. A medida integrava um plano de ação entregue à ONU que, se implementado, permitiria a redução em 43% da emissão nacional de gases de efeito estufa até o fim da década.

À época do anúncio, o custo para restauração sequer era conhecido, lembra Rubens Benini, gerente em Restauração Ecológica da The Nature Conservancy (TNC) e conselheiro do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica. “A discrepância entre os valores de um e outro projeto de restauração era muito grande”, conta.

Hoje, o valor a ser investido para restauração já é um dado levantado, e sabe-se também que ele varia de acordo com bioma, técnicas e outros fatores. Mas ainda há muito a se avançar em termos de informações e transparência.

“Quantos hectares têm sido restaurados por ano? Como avançamos em relação aos objetivos? Se não sabemos o que tem sido feito, não temos nem como analisar se a meta de 12 milhões de hectares é muito ou pouco ambiciosa”, diz Laura Antoniazzi, sócia e pesquisadora sênior da Agroicone e secretária-executiva da Articulação pela Restauração do Cerrado (Araticum).

Apesar desses e outros desafios para o cumprimento da meta, o momento pelo qual passa o país é, segundo os entrevistados, bastante favorável, porque há empresas dispostas a investir e já há, ao menos em algumas localidades, uma cadeia estruturada para atender a demanda por restauração.

Benini e Antoniazzi são colíderes da Força-Tarefa de Restauração da Coalizão Brasil e contam, nesta entrevista, as oportunidades e desafios para restauração em larga escala no país.

O Brasil tem a meta de restaurar 12 milhões de hectares. É possível saber o quanto avançamos desde 2015, quando esse compromisso foi feito publicamente?

Rubens Benini: Antes de analisarmos a meta, é preciso dar um passo atrás. Há poucos anos, nem sabíamos quanto custava e como fazer restauração em cada um dos seis biomas do Brasil. As respostas sobre custo tinham uma discrepância enorme. Então, algumas organizações, entre elas a Coalizão, se mobilizaram para criar o Observatório da Restauração e Reflorestamento. Ali, temos informação de cerca de 80 mil hectares de restauração ativa com projetos. E cerca de 11 milhões de hectares em regeneração natural, mas é preciso qualificar esse dado, porque são áreas em que a mata nativa está voltando, o que não significa que esteja protegida e que não será cortada no futuro.

Laura Antoniazzi: Esses dados precisam ser vistos com ressalvas. O dado de 80 mil hectares são as informações que foram coletadas, o que não quer dizer que não haja outras áreas e outros projetos de restauração. Estamos buscando estratégias para conseguir reunir outros dados. O Observatório pretende ser uma referência. Assim como temos, hoje, plataformas com dados oficiais sobre desmatamento, queremos ter o mesmo em relação à restauração. Considerando que ainda não há dados exatos sobre este tema, é difícil avaliar a meta de 12 milhões de hectares. Ela é importante e positiva, mas precisamos pensar como estamos caminhando para alcançá-la. O número de hectares restaurados está crescendo? É possível fazer mais? Não sabemos.

 Rubens Benini: Agora, neste novo governo, temos conseguido voltar a conversar com o Ibama e com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, então acredito que eles poderão impulsionar ainda mais o que a sociedade civil já construiu de conhecimento em relação à restauração. Já foi anunciado que a Conaveg (Comissão-Executiva para Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa) será retomada, o que é um bom sinal e poderá contribuir muito para esse monitoramento.

Quanto há de área disponível no país para a restauração?

Rubens Benini: Estima-se que haja 24 milhões de hectares de vegetação que precisam ser recuperados em propriedades privadas, o que chamamos de passivo ambiental. Mas, ainda que consideremos a metade, já que há propriedades com excedente de florestas, seria possível alcançar a meta da NDC (compromisso climático voluntário apresentado à ONU) caso o Código Florestal fosse totalmente implementado. É um número estimado, porque o país ainda não terminou a validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), e há setores produtivos dos quais não sabemos o passivo.

Laura Antoniazzi: A implementação do Código Florestal é uma oportunidade para impulsionar a restauração. Muitos proprietários rurais estão só aguardando para ver se vão mesmo precisar restaurar – por obrigação legal – ou não. 

Então há área disponível, conhecimento, legislação e uma meta de Estado. O que falta?

Laura Antoniazzi: Falta incentivo para o produtor. Há, por um lado, aqueles produtores que, como dissemos, aguardam a implementação do Código Florestal para fazer projetos de restauração. Por outro, há proprietários e empresas rurais que precisam entender que a restauração pode ser positiva para o seu negócio, seja porque contribui com os compromissos de descarbonização, seja porque melhora o relacionamento com a comunidade ou viabiliza uma renda em uma área que está parada e pode virar estoque de madeira e carbono.

Rubens Benini: A restauração precisa ter sua cadeia de custódia, como qualquer outra. Todos os elos precisam estar envolvidos. Começa com a área para restauração e isso envolve o produtor rural. Ele precisa de dinheiro para bancar a restauração e de mão de obra para executá-la, bem como de terceiros que forneçam mudas e sementes, por exemplo. E o produtor precisa ganhar com isso, seja porque planta mata ciliar, seja porque vai vender madeira, crédito de carbono ou receber pagamento por serviço ambiental (PSA).

Mas há, sim, gente querendo investir. E a boa notícia é que, pela primeira vez, temos a oportunidade, no Brasil, de casar oferta e demanda por restauração. As grandes empresas têm demonstrado interesse em investir para cumprir suas metas ESG (do inglês “ambiental, social e governança”). E nós temos mapeados onde estão atores capazes de fornecer sementes, mudas e mão de obra, o que já diminui muito o risco do investimento.

Assista aqui a um vídeo com Laura Antoniazzi e Rubens Benini para saber mais sobre os benefícios da restauração em larga escala. 

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