Em entrevista, Tainah Godoy afirma que plataforma será relançada em março, após revisão de reporte e qualificação; iniciativa também promove diálogo entre coletivos atuantes em biomas
O Observatório da Restauração e Reflorestamento (ORR), plataforma criada pela Coalizão Brasil e instituições parceiras em 2021, passou por uma estruturação da governança em 2022 e segue avançando no processo de reporte e qualificação dos dados de restauração no país.
Tainah Godoy, secretária-executiva do ORR, explica nesta entrevista que as mudanças na plataforma garantirão robustez às informações disponibilizadas. “Queremos ser a referência nacional em restauração e ver quão próximos estamos de alcançar os acordos climáticos de que o Brasil é signatário”, afirma.
O ORR também deverá integrar dados de outras plataformas existentes no Brasil e no exterior. Dessa forma, o site do observatório será reformulado e relançado em março de 2024.
Até lá, seus registros de áreas em restauração ou reflorestamento ainda serão os mesmos de março de 2021 quando ocorreu seu lançamento, e por isso não refletem as mudanças recentes que ocorreram no cenário brasileiro. “Temos visto um boom de áreas sendo convertidas em áreas de restauração”, afirma ela.
As principais ações realizadas até o momento podem ser vistas em balanço elaborado pelo ORR no primeiro semestre deste ano. Também foi produzido um vídeo que explica os principais objetivos da plataforma.
Confira os principais trechos da entrevista com Godoy:
Você assumiu como secretária-executiva em março de 2022. Qual é seu papel no Observatório da Restauração e Reflorestamento?
Inicialmente, foi arrumar a casa. Criamos uma governança interna, formada por três instâncias: o Grupo Gestor, que toma decisões e está alinhado à Coalizão e seu Grupo Estratégico; o Grupo Técnico; e o Grupo de Articulação dos Coletivos Biomáticos (aqueles com trabalho voltado diretamente a determinado bioma). O papel da secretaria é coordenar as discussões desses grupos.
Vale ressaltar que o Grupo de Articulação surgiu com o intuito de construir um observatório que tenha integração física com outras plataformas, como as da Rede Araticum (atuante no Cerrado) e do Pacto Pela Restauração da Mata Atlântica. Os que ainda não possuem plataforma própria podem usar o Observatório como repositório de dados. Mas, depois, entendemos que a função do ORR é mais ampla que isso, que ele pode ter um papel de articulação dos coletivos.
Como a plataforma evoluiu desde a sua criação, em 2021? Quais foram os desafios que se apresentaram e os avanços realizados?
O Observatório surgiu da tentativa de colocar em um só lugar os dados de restauração que estavam dispersos pelo território nacional. Foi construído quase que em um mutirão de especialistas e representantes do setor privado e do terceiro setor. Houve um aporte inicial de dados, mas estes não foram atualizados, porque o Observatório entrou em um processo de qualificação dos dados. O que fazer com todos aqueles dados? Estão organizados como precisam estar? Tornar o Observatório uma plataforma confiável e robusta sempre foi uma preocupação nossa.
Existem plataformas que trabalham com análise de imagens de satélite, mas a nossa trabalha com reporte de dados. A instituição, o proprietário rural ou a empresa reporta o polígono do trabalho dela. Há uma relação de confiança. Mas aqueles dados precisam ser confiáveis e precisam configurar o máximo possível da realidade. Esse foi o trabalho de qualificação realizado no primeiro ano do Observatório: criar critérios para isso e definir como aplicá-los.
Com a minha chegada, veio também o processo de elaboração dos termos jurídicos, para atender, por exemplo, à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Também escolhemos o tipo de licença, que foi a Creative Commons. Quem usa as informações do ORR não pode lucrar com elas, e toda vez que o dado for replicado, é necessário citar a fonte.
Nesse período, a plataforma também trabalhou na construção de atributos mínimos. O que são eles?
Recebemos cada dado de um jeito e nem sempre era comparável com outros. Então, precisávamos de atributos mínimos, por exemplo, para saber a técnica e a estratégia de restauro utilizadas, se estava relacionado a algum projeto, se é feito o monitoramento em campo. Construímos os requisitos necessários para que aquele dado passasse o máximo de informação, para que possa ser usado em pesquisa e para influenciar políticas públicas, mas sem onerar quem estava participando.
Além dos coletivos, esse trabalho envolveu também o Restor [rede mundial de áreas de restauração e de conservação], com quem queremos fazer uma conexão futuramente. Também nos reunimos com a SOBRE (Sociedade Brasileira de Restauração Ecológica), que nos ajudou a padronizar alguns termos.
Outro processo importante que realizamos foi a consultoria da Moira Adams, para coleta de dados da Amazônia, pois o ORR não tem informações de restauração no bioma.
Também estamos fazendo a reformulação da plataforma como um todo, para lhe dar uma cara nova. Queremos fazer o lançamento em março de 2024, com dados atualizados e a integração com as plataformas dos coletivos.
Desde que o ORR foi lançado, o que mudou no cenário da restauração e reflorestamento no Brasil? O ORR mostra essas mudanças?
Há muito mais sinais de que o governo tem um direcionamento claro para a restauração. A equipe do governo federal tem entrado em contato conosco para escutar o Observatório e os coletivos. Vejo uma fluidez e abertura muito maiores, que demonstram o potencial de alavancar de fato a restauração. O cenário é muito mais instigador também porque hoje temos o setor financeiro e o setor privado atentos à questão do carbono e de Pagamento por Serviços Ambientais. Então temos visto um boom, com áreas sendo convertidas em áreas de restauração, devido a esse interesse em gerar créditos de carbono. É assim no cenário internacional, e no Brasil não é diferente.
Infelizmente, o Observatório ainda não reflete essa realidade. O ORR mostra os mesmos números de quando foi lançado, mas sabemos que os projetos nos territórios não pararam. Estamos trabalhando para que o ORR reflita isso, e a partir de março a questão da atualização estará resolvida. Com isso, as pessoas terão uma noção muito melhor do que está sendo feito no território brasileiro.
Gostaria de deixar o convite, para quem acessa o Observatório ou para quem tem interesse em restauração, de participar da plataforma reportando dados. Queremos ser essa referência nacional e ver quão próximos estamos de alcançar os acordos climáticos de que o Brasil é signatário, como o Acordo de Paris e o Desafio de Bonn.
Estamos próximos de cumprir essas metas, como a de restaurar 12 milhões de hectares até 2030? Como saberemos?
Essa é a pergunta de 1 milhão de dólares. Ninguém sabe de fato, nem mundialmente. No processo de qualificação de dados, fizemos uma alteração importante. Antes, o contador apontava 10,99 milhões de hectares em regeneração natural. Isso quer dizer que estamos perto da meta de 12 milhões? Mudamos isso. Não consideramos mais aquilo como regeneração natural: é vegetação secundária, que está crescendo com ou sem interferência humana. E queremos contar como restauração ou regeneração apenas aquilo que teve intencionalidade, alguma intervenção humana.
E, nesses dados de vegetação secundária, vamos fazer alguns recortes, porque dentro dessas áreas há aquelas que são de pousio, ou seja, em cinco anos, essa vegetação pode ser suprimida, porque você só deixou essa área descansar um pouco para cortar de novo. É um modo muito tradicional de fazer agricultura na Amazônia. Na Mata Atlântica, esse período é um pouco maior, de cerca de 10 anos. Queremos excluir as áreas de vegetação secundária com menos de seis anos, que são passíveis de serem suprimidas. Vamos aplicar esse filtro em escala nacional.
Vamos entender também onde está essa mata secundária, se está em Área de Preservação Permanente, Reserva Legal, Terra Indígena ou Unidade de Conservação, pois são itens que indicam fator de permanência.
Qual a importância de saber onde as vegetações secundárias estão crescendo e do fator de permanência?
Vários estudos comprovam que projetos de restauração próximos a matas já estabelecidas têm muito mais chance de sucesso por questões como interações ecológicas e redução do efeito de borda. Favorecem o crescimento não só da área restaurada, mas também da área remanescente. Esse entendimento de fazer a conexão com áreas de mata já existentes é importante. E o Observatório quer trazer isso, deixar essas áreas bem visíveis, para conseguir direcionar novos projetos.
Os dados estão sendo utilizados, por exemplo, pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente da Bahia, para saber onde já tinha projeto e onde tem mata secundária e direcionar nessas áreas um projeto de restauração para bacias hidrográficas.
Por que o Observatório está reforçando a articulação com coletivos de restauração e reflorestamento nos biomas?
Os coletivos biomáticos bem estruturados não só favorecem a restauração como são uma fonte de dados. É muito importante que eles tenham a capacidade de coletar os dados em campo, para que essas informações cheguem até nós, seja por meio da integração das plataformas ou diretamente, no caso de coletivos que não possuem plataforma própria. Isso foi sendo construído vagarosamente. Quem tinha mais esse papel de fazer articulação com os coletivos era o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, mas ele também é um coletivo, com seus próprios desafios. Entendemos, então, que o Observatório teria neutralidade territorial para ser um espaço de articulação. O ORR é um espaço rico para os coletivos, para organizar dados e trocar experiências. Tem isenção territorial que permite essas trocas sem muito direcionamento ou influência.
Como é feita a divulgação das informações que estão na plataforma? Como elas têm sido usadas?
Entre nós e os coletivos, favorece ter essa integração, porque às vezes os dados chegam diretamente para o Observatório, e então mandamos para eles. O uso das informações é diverso. Há a possibilidade de influenciar políticas públicas, como no caso da Bahia, que citei. Mas tem muitos pesquisadores que buscam nossos dados e dos parceiros para entender e estudar restauração. E muitas ONGs têm interesse nos dados para direcionar projetos. Os dados favorecem até o surgimento de novos projetos.
O que é preciso para que a restauração e o reflorestamento avancem no país?
O mote agora é, com projetos de carbono, aproveitar o interesse do setor financeiro e privado para restaurar, engajar atores locais, colocar comunidades tradicionais coletando sementes, produzindo e plantando mudas, monitorando.
Houve uma evolução no entendimento da restauração. Tem essa pegada produtiva, de restaurar e obter renda, com manejo controlado. Essa compreensão da restauração tem se ampliado e esse processo acaba por englobar populações que vivem nos territórios. Antes, cercava-se a área em restauração. Mas agora entendemos que a restauração só é possível com as pessoas participando de todo o processo. Fica mais democrático e eficaz.
E como a Coalizão pode contribuir?
A Coalizão tem papel central, por sua característica de conciliadora de diversos interesses dentro de um locus de diálogo. Ela tem o potencial de converter possíveis conflitos em objetivo comum, que é alavancar a restauração em escala.