08/2023

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‘Precisamos coliderar a execução das propostas da Declaração de Belém’, avalia especialista

Em entrevista, Gustavo Souza, da Conservação Internacional, analisa os resultados das recentes reuniões em prol de uma agenda comum para a Amazônia

Gustavo Souza, diretor de Políticas Públicas e Mudança Climática da Conservação Internacional para as Américas. Foto: Divulgação

Diretor de Políticas Públicas e Mudança Climática da Conservação Internacional para as Américas, Gustavo Souza tem acompanhado presencialmente as atuais discussões em torno do clima e conservação da Amazônia. Em junho, na Conferência Pan-Amazônica pela Bioeconomia, contribuiu para a construção, junto a outras organizações da sociedade civil, de uma carta aos chefes de Estado que compõem a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). A carta traz 31 recomendações em prol da bioeconomia na região.   Souza levou o documento no mês seguinte a Letícia, na Colômbia, para a reunião técnico-científica organizada pelo presidente do país, Gustavo Petro. Foi um encontro preparatório para a Cúpula da Amazônia, realizada em Belém em agosto, do qual Souza se despediu otimista. “Sou daqueles que vê o copo meio cheio, mas o que vai acontecer daqui para frente depende de como nós, da sociedade civil, academia e setor privado vamos coliderar a execução das propostas da Declaração de Belém“, afirma.

Em entrevista ao boletim da Coalizão, Souza faz uma análise sobre o atual momento da agenda climática e ambiental na Amazônia e sua visão de futuro para a região.

Implementação da Declaração de Belém

“Desde que a OTCA foi criada, em 1978, esse foi somente o quarto encontro dos presidentes dos países participantes. O último aconteceu há 20 anos.

Eu sou do time que vê o copo meio cheio. Por isso, enxergo uma grande oportunidade para trabalharmos em cima de alguns pontos que estão listados no documento.

Já o que vai acontecer daqui para frente depende de como nós, da sociedade civil, da academia e do setor privado, vamos coliderar o processo de implementação. Isso significa que o governo deve liderar a agenda, mas não vai conseguir implementar todas as ações necessárias, por isso todos os atores devem coliderar, incluindo os governos subnacionais. Há diversos pontos da Declaração a serem trabalhados e as organizações da sociedade civil devem elaborar um plano de trabalho concreto para cada um deles, fortalecer a governança da agenda e medir o impacto das ações.”

Prioridade para proteção da floresta

“Cada uma das nações da região tem a proteção da floresta como uma prioridade na agenda ambiental e climática. Países com baixo índice de desmatamento, como Guiana e Suriname, querem manter o estoque florestal de mais de 90% de cobertura. Para isso, apostam em mecanismos financeiros, como a geração de crédito de carbono. A Guiana já emite créditos de carbono jurisdicionais e comercializa no mercado voluntário, um exemplo muito interessante de aprendizado para toda a região. Peru, Bolívia e Equador estão olhando muito para a agenda de conservação ambiental, de valorização dos indígenas e povos tradicionais.”

Ações conjuntas entre países

“A região como um todo está num momento político bastante favorável para que se possa trabalhar de maneira conjunta. Sabemos que não há fronteiras para o crime e o desmatamento. Quando há políticas firmes de comando e controle em um país, acaba por haver ‘vazamento’ para seus vizinhos. Por isso é tão importante que a Declaração de Belém construa realmente um arcabouço de governança institucional, policial e de fomento à bioeconomia, porque o que importa é conservar a Amazônia como um todo.

O trabalho em conjunto dos países está previsto na Declaração, em especial em temas como ciência, tecnologia, inovação, monitoramento, políticas de comando e controle e cooperação policial nas zonas transfronteiriças. Um exemplo é a previsão de uma unidade de polícia regional, a ser sediada em Manaus, concentrando operações de combate à ilegalidade em conjunto entre os países.”

Bioeconomia contra a ilegalidade

“Há atividades ilegais acontecendo em todos os países, mas com configurações muito distintas. É preciso, portanto, gerar atividades econômicas para combater esses drivers de desmatamento. A bioeconomia é uma saída para isso. Este termo não consta na Declaração de Belém, mas a ideia está ali, em vários parágrafos, seja como sociobiodiversidade ou economia da biodiversidade. Dessa forma, entendo que o tema entrou, de fato, na discussão. E a agenda econômica é o que pode unir as pautas de manejo florestal sustentável, combatendo as pressões da ilegalidade presentes em toda a Pan-Amazônia.”

Disputa pela liderança

“Vejo Brasil e Colômbia com um interesse genuíno em liderar a agenda climática e enxergo isso de forma muito positiva. Precisamos não só de dois países querendo dividir essa liderança, mas de todos os países da região com a mesma vontade política e de protagonismo. É uma vantagem para a Amazônia. Nos últimos anos, não tem havido uma negociação conjunta em fóruns como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC). Acredito que isso não ocorrerá na próxima COP, mas isso pode mudar nos próximos anos. Trata-se de uma construção em médio prazo.”

Perspectivas para a COP

“Acredito que haverá protagonismo brasileiro na COP 28 (Dubai), em novembro, por conta da preparação para a COP 30, que será realizada em Belém. Além disso, a edição deste ano da convenção é a primeira desde a posse do novo governo brasileiro, que tem dados interessantes para mostrar em relação à queda do desmatamento na Amazônia.

Estamos diante de uma excelente oportunidade para os países da região construírem uma rota de ambição e de ações concretas em direção à COP 30 e ao cumprimento do que foi pactuado na Declaração de Belém. Se formos bem-sucedidos, a COP 30 entrará para a História como uma COP amazônica. Isso vai depender de como tocaremos a agenda ambiental e climática até lá.”

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