04/2023

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‘Setor financeiro é chave para medidas contra o aumento da temperatura média global’, diz Marcelo Furtado

Em entrevista, membro do Grupo Estratégico da Coalizão comenta as principais conclusões do mais recente relatório do Painel Climática da ONU e impactos dos eventos extremos no Brasil

Marcelo Furtado
Foto: Divulgação

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) lançou, no dia 20 de março, o seu sexto relatório-síntese de avaliação (AR6), baseado em levantamentos preparados por três grupos de trabalho e três relatórios especiais sobre mudanças climáticas. O relatório alerta que a temperatura global aumentou, em média, 1,1º C em relação à era pré-industrial. As geleiras, por sua vez, tiveram o maior recuo dos últimos 2 mil anos. Também foram registradas alterações preocupantes no aumento do nível do mar e na acidificação dos oceanos,  entre outros fenômenos.

O relatório reforça, ainda, que não há margem segura para o aumento da temperatura global – os impactos climáticos já podem ser vistos atualmente. Cerca de metade da população do planeta vive com escassez severa de água por ao menos um mês por ano, e doenças transmitidas por vetores, especialmente insetos, têm tido sua disseminação facilitada por conta das altas temperaturas. Ultrapassar, então, o limite de 1,5º C, estabelecido no Acordo de Paris, é, um cenário bastante provável na atual conjuntura mundial de emissões de gases de efeito estufa, e levará à extinção de espécies e à perda de vidas humanas por conta do estresse térmico.

Membro do Grupo Estratégico da Coalizão e diretor da Nature Finance, Marcelo Furtado destaca, nesta entrevista, os principais pontos do relatório do IPCC e os impactos dos extremos climáticos no Brasil.

 Qual as principais conclusões do relatório do Painel Climático da ONU?

 O IPCC conclui que há mais de 50% de chance de que o aumento da temperatura global atinja ou ultrapasse 1,5º C entre 2021 e 2040 nos cenários estudados. Na trajetória atual, de altas emissões, afirma que o mundo pode atingir esse limite ainda mais cedo- entre 2018 e 2037. E, em um cenário extremo, de carbono intensivo, o aumento médio da temperatura global pode ser de 3,3º C a 5,7º C até 2100.

Como olhar para esses dados?

Esta conclusão nos obriga a refletir que a janela de sucesso para manter o aumento da temperatura em até 1,5º C não acabou, mas está muito comprometida. Temos uma crise econômica prevista para ter uma cauda longa, sofremos com a falta de liderança política e vivemos em um mundo onde o multilateralismo está enfraquecido. Dito isso, o desafio tem três trilhos – o otimista, o pessimista e o realista.

Olhando de forma otimista, devemos lutar pela execução, nos próximos sete anos, do que não fizemos nas últimas duas décadas. Será necessário reduzir em 43% as emissões globais de gases de efeito estufa até 2030. 

Do ponto de vista pessimista, é preciso recalibrar os cenários e avaliações de risco para um mundo com aumento entre 2º C a 3º C e garantir um grande esforço de adaptação e uma descarbonização radical. Reconhecendo, ao mesmo tempo, que perdas e danos passam a ser figuras centrais no debate.

O trilho realista talvez seja o cenário intermediário, que mesmo assim exige um enorme realinhamento das maiores economias mundiais para serem positivas para o clima e natureza e totalmente proativas com a equidade global. Como mobilizar a sociedade para se engajar nesse esforço? A Coalizão terá de construir uma nova narrativa.  

Quais efeitos diretos você vislumbra sobre o Brasil caso ultrapassemos o aumento de 1,5º C na temperatura média do planeta? Quais providências podem ser tomadas de imediato pelo governo brasileiro?

 Vale lembrar que 85% da população brasileira vive em cidades. Como vimos recentemente, São Paulo, Acre e Maranhão já sentiram os impactos dos eventos climáticos extremos e a falta de preparo das cidades para enfrentar a emergência climática. Nesse sentido, desenvolver planos de ação para adaptação e vulnerabilidade é urgente.

Mas, de forma geral, a faixa tropical será muito afetada pela variação da temperatura. Uma mudança de 1,5º C para 2º C terá um enorme impacto em países tropicais como o Brasil. Veremos aumento das ondas de calor com uma frequência de mais de cinco vezes o padrão original, que levarão a secas e enchentes em distintas áreas do país. Haverá um impacto na floresta amazônica, que é nossa caixa-d’água e ar-condicionado natural. Sem mencionar o dano às milhões de pessoas que lá vivem.

Neste cenário de 2º C a 3º C, poderemos ter um rearranjo das áreas de produção agrícola no país com forte impacto, pois a área de plantio será menor e com baixa produtividade. Consequentemente, teríamos uma economia agrícola fragilizada e a produção de alimentos comprometida mesmo para o mercado interno. O investimento em restauração e agroflorestal, que é fundamental para a absorção de CO2, poderá ficar comprometido.

Portanto, a corrida demanda escala e pouco tempo. A solução exige investimento massivo e um reordenamento das finanças públicas e privadas. Daí a importância de trabalhar o tema no setor financeiro, que hoje não enxerga o valor ou importância dos investimentos de descarbonização e de soluções baseadas na natureza (SbN).

De que forma o relatório do IPCC pode influenciar as negociações climáticas internacionais?

 Acredito que o foco principal não deveriam ser as negociações internacionais, mas sim os planos de ação nacional e o rearranjo das principais economias para se tornarem resilientes, sustentáveis e equitativas.

O que podemos destacar do trabalho da Coalizão nesses cenários previstos?

 A Coalizão deve investir no trabalho de discussão e construção de caminhos para o fim do desmatamento e para o incentivo a soluções baseadas na natureza, com o objetivo de aumentar a retirada de CO2, com produção de alimentos saudáveis e sustentáveis. O Brasil tem enorme potencial de fazer uma transição energética mais rápida e aproveitar todo o leque de opções disponíveis, incluindo bioenergia. O custo da não ação para adaptação é alto demais, em vidas e financeiramente. Por isso, precisamos implementar ações de adaptação com urgência.

Nesse sentido, a Coalizão pode contribuir na mobilização do setor financeiro, algo fundamental e que ainda não teve muito foco até o momento dentro do movimento. É preciso dizer que a mobilização da academia, setor privado e sociedade civil plural continua sendo fundamental e a Coalizão tem um papel importantíssimo de promover as pontes e ações necessárias para isso.

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